A arte transformada
Fernanda Faria

Estas imagens ilustram parte da produção de Frans Krajcberg. É praticamente impossível abordar sua produção sem nos atermos à sua história pessoal. Krajcberg é o único de sua família a sobreviver ao totalitarismo nazista. Lutou no front nos derradeiros quatro anos da Segunda Guerra Mundial.

O sentimento de alma torturada é visível em seus trabalhos, que nos revelam, entre tantas coisas, a capacidade de destruição do ser humano. Um dos aspectos que fazem com que sua obra seja de uma beleza pavorosa.

Em 1948, depois de morar em Leningrado, Stuttgart e Paris, muda-se para o Brasil. Durante dois anos, permanece isolado, em contato somente com a natureza praticamente intocada do Estado do Paraná. O sentido desse isolamento não é unívoco. Ele está à margem, quer proteger-se desse homem com o qual não se identifica.

Desse contato com a natureza, o artista afirma ter encontrado a possibilidade de sobreviver. Distante da destruição provocada pelos homens, longe dos centros urbanos, ele procura respostas às suas perguntas.

As primeiras visões da devastação da natureza ocorrem quando, viajando pelo interior do Paraná se vê diante de inúmeras queimadas. Os troncos das árvores queimados, espalhados pela floresta, remetem aos corpos calcinados dos jovens que vira durante a Segunda Guerra. O sangue foi novamente derrubado. A mesma dor retorna, a ferida reabre.

Suas obras são fruto de uma pesquisa estética e, principalmente, de uma procura interior, que pretende revelar aos olhos do mundo a riqueza e a diversidade da natureza.

O que interessa a Krajcberg é transformar sua obra em instrumento de expressão daquilo que considera mais importante para si: o afastamento do homem em relação à natureza. Ele dá à sua arte uma função: tentar reaproximar as pessoas da natureza.

Trabalha com troncos, galhos e raízes de árvores carcomidas pelo solo, transformadas em esculturas monumentais e de impacto visual gritante. Como se fossem entranhas de sua revolta, expostas ao ar livre, contra a destruição de tudo o que até então havia vivido.

Depois de muitos anos viajando, Krajcberg decide fixar residência em Nova Viçosa, sul da Bahia. O resultado de sua vivência nos mangues da Bahia é o que ele chama de sombras recortadas:

"Eu queria harmonizar o objeto (raízes do mangue) à sua sombra. Existe uma infinidade delas. Nenhum homem faz a mesma sombra e a sombra de um mesmo homem está sempre se mexendo. Existem sombras complicadas, confusas. A escolha não é fácil. Eu queria harmonizar o objeto à sua sombra. Eu procurava reencontrar o objeto com sua sombra".

Olhando o jogo de palavras utilizado por Krajcberg, parece que o artista procura uma nova forma, tanto para o objeto quanto à vida. Esse é o seu grande desafio, não somente como artista, mas como homem.

A partir de 1985, com uma câmera na mão, passa a documentar as queimadas no interior de Mato Grosso. As cenas e o barulho do fogo queimando gigantescas áreas de mata e florestas têm um impacto estrondoso. Sua produção adquire um conteúdo político explícito: a denúncia da destruição ecológica.

O que se percebe é que com suas fotografias, esculturas, pinturas e todas as outras formas que utiliza para se expressar, Krajcberg transforma a natureza em obra de arte e simultaneamente faz de sua arte uma espécie de grito contra a destruição e um enunciado de esperança na força de seu renascimento

"Procurava na natureza uma possibilidade de renascimento, a vida da arte, unindo-a a formas diferentes, porém dela captadas. À sombra projetada acrescentava uma forma. Era minha participação".

Fernanda Faria, professora da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). E-mail: f.faria@reserch-int.com