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IGREJA E A PUC

A OPÇÃO PELOS POBRES

 


Em 1968, no mesmo ano em que a ditadura civil e militar assinou o Ato Institucional n°5, aprofundando as medidas repressivas do chamado “combate ao terrorismo” e a toda ação considerada de esquerda, foi realizada a V Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe em Medelín, na Colômbia. Nesta Conferência foram lançadas as bases de uma nova Igreja comprometida com a justiça social, que representou um corte entre a Igreja conservadora e aquela que se volta para os movimentos sociais, contra a pobreza e a desigualdade e pela justiça social.

No entanto, como era de se esperar, a Conferência não era monolítica, pois bispos que combatiam as ideias progressistas se retiraram e, só assim, se conseguiu chegar a um consenso e às resoluções finais que foram levadas ao Papa João XXIII e assinadas sem vetos.

Defendeu-se em Medelin uma experiência “espiritual e humana” que revelou para a sociedade latino-americana uma nova missão do cristianismo na história. É nessa fonte que beberá a Igreja progressista brasileira. Vale lembrar que esse debate se inicia a partir do Concílio Vaticano II que foi realizado no período 1962 a 1965.

No Brasil não se pode falar da “Opção pelos Pobres” defendida em Medelín sem se referir também a Leonardo Boff, articulador e pensador católico brasileiro que desenvolve toda sua obra na defesa da “opção pelos pobres” e que esteve presente no debate no interior da Igreja entre padres e leigos, procurando articular o discurso indignado frente à miséria, à pobreza e à desigualdade social com as ações da Igreja Católica progressista. Foi também um ativo defensor dos Direitos Humanos nesse período e, em 1984, devido às teses apresentadas no seu livro intitulado Igreja: Carisma e Poder foi condenado pelo Vaticano a um ano de silêncio “obsequioso”, punição pouco depois suspensa por força de uma grande pressão mundial. Em 1992 abdicou de seus votos clericais restringindo-se a ser um militante católico leigo por ter sido novamente ameaçado de punição. Tornou-se assessor de movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST, das Comunidades Eclesiais de Base, entre outros.

No golpe de 1964, apesar das disputas internas entre alas mais conservadoras e outras mais ligadas aos trabalhadores urbanos e rurais, foi praticamente unânime o apoio da Igreja ao golpe, sob o argumento de que ele se fazia necessário para evitar a “ameaça comunista” no Brasil. Entretanto, com a crescente consolidação da ditadura e seu aparato repressivo, houve uma mudança na posição de algumas lideranças importantes do clero que começaram a ganhar destaque na contramão do apoio ao golpe, como D. Hélder Câmara, D. Paulo Evaristo Arns, D. Hipólito Mandarino, bispo de Nova Iguaçu, D. Casaldaglia, bispo da prelazia de São Felix do Araguaia, D. Balduino, dentre outros. Estas lideranças posicionaram-se na luta contra as violações dos direitos humanos, enquanto outras vozes passaram a ecoar na defesa ou acobertamento das atrocidades cometidas pelo Estado brasileiro. A presença de bispos e leigos conservadores e mesmo integralistas como o arcebispo de Diamantina, Proença Sigaud e Antônio Castro Meyer, arcebispo de Campos - RJ, além de intelectuais católicos como Gustavo Corsão e Leonildo Tabosa, representaram o outro lado desta moeda.

 


 

Vale salientar que ambos os lados, no caso das lideranças, bispos e arcebispos, não acreditavam ou defendiam a alteração da ordem vigente. O papel fundamental destes bispos e arcebispos, considerados progressistas por defenderem a necessidade de justiça social, foi importante ao denunciarem as atrocidades cometidas na época, contra aqueles que eram considerados “subversivos”. D. Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, nomeado dias após o golpe de 1964, autodenominava-se apartidário e contrário a posições que fossem de esquerda ou de direita. Gostava de se intitular posicionado na junção de ambos os lados. Porem começou a se manifestar contra o governo vigente ao constatar as atrocidades cometidas contras as oposições formadas por movimentos sociais em busca de direitos iguais para as classes operárias e camponesas e que contavam com o apoio de padres e militantes leigos.

Devido a sua postura, D. Helder tornou-se o mais importante e reconhecido religioso do Nordeste, representando a igreja católica progressista no Brasil e na América Latina. Foi seguidas vezes alvo de perseguições por parte do Exército que com certa frequência exigia explicações quanto às suas posturas políticas, a fim de adverti-lo quanto a possíveis consequências. Um fato marcante foi o impedimento consecutivo que sofreu nos quatro primeiros anos da década de 70, à indicação para o prêmio Nobel da Paz. Mesmo contando com o apoio de cinco milhões de assinaturas de trabalhadores latino-americanos ligados à Confederação Latino-Americana Sindical Cristã, o prêmio não lhe foi concedido.

D. Helder também teve seu assessor direto o Padre Henrique cruelmente assassinado. O episódio deste assassinato está descrito no relatório da Comissão Nacional da Verdade - CNV, Texto Temático sobre as Igrejas. Reconhecendo a importância das posições de D. Helder na luta contra a ditadura, a PUC-SP, como várias outras universidades brasileiras e estrangeiras, lhe outorga o título de Doutor “Honoris Causa” em Ato Público extremamente concorrido realizado no TUCA, em 1982.

Outras perseguições semelhantes foram dirigidas a padres, leigos, bispos e arcebispos que passaram a assumir uma postura de oposição á ditadura militar. Da mesma forma que foi feito com D. Helder Câmara, tentaram deportar D. Pedro Casaldaglia que atuava na prelazia de São Felix do Araguaia - MT, ao prenderem, em 1976, o padre João Bosco Burnier que atuava em sua prelazia e o assassinarem com um tiro no interior de uma delegacia onde tinha ido denunciar abusos contra camponeses.

A repressão também investigou outros bispos, como D. Fernando Gomes e D. Waldyr Calheiros, todos eles defensores da Teologia da Libertação, das Comunidades Eclesiais de Bases – CEBs, que tiveram atuações progressistas na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, posições de defesa dos Direitos Humanos e de denúncia das violências praticadas contra estudantes, camponeses e operários. Alguns destes bispos, como é o caso de D. Paulo Evaristo Arns, se tornaram porta-vozes de familiares de presos políticos, expressaram posições progressistas em momentos decisivos como na luta por Anistia aos presos políticos, contando com relativo apoio de setores mais conservadores tanto da própria Igreja quanto da sociedade civil, que os respeitavam como membro da hierarquia da Igreja Católica independentemente de suas posições políticas.