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O ascenso do movimento estudantil posteriormente ao golpe, correspondeu a uma crise e reorganização das principais organizações políticas que influenciavam os movimentos de esquerda no país e o ambiente universitário em particular. A facilidade com que os militares derrubaram o governo legalmente eleito de João Goulart abalou a credibilidade do Partido Comunista Brasileiro (PCB), cuja linha política até então pregara uma “frente de classes"; entre o proletariado, a burguesia nacional e o campesinato para realizar as reformas de base por meio de uma via pacífica. Até então, embora na ilegalidade, a atuação expressiva do PCB nos principais sindicatos urbanos e rurais, universidades e ambiente artístico fora tolerada durante os governos de Juscelino Kubitschek e João Goulart.
Por isso, correntes dissidentes surgem dentro desse Partido e aos poucos dele se desligam: a Dissidência, forte no movimento estudantil durante 68, em parte adere à Aliança Nacional Libertadora – ALN que terá Carlos Mariguella como seu líder máximo, enquanto outra de suas alas constitui no Rio de Janeiro o Movimento Revolucionário 8 de Outubro, assim chamado em homenagem a Che Guevara, assassinado naquela data. À Dissidência pertenciam importantes líderes do movimento estudantil como José Dirceu (box) em São Paulo e Vladimir Palmeira no Rio de Janeiro.
Outro grupo que se separou do PCB foi o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário – PCBR, reunindo alguns líderes antigos daquele Partido como Apolônio de Carvalho e Mário Alves, mas também atraindo boa parte dos estudantes ligados ao Partido Comunista.
Um importante cisma entre os comunistas brasileiros já ocorrera ainda antes do Golpe, em 1962, entre os que aceitaram e os que repudiaram a denúncia dos crimes do Stalin feita por Kruschov no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (1956). Enquanto os primeiros mudaram o nome do Partido para Partido Comunista Brasileiro, os segundos mantiveram a nomenclatura oficial de Partido Comunista do Brasil. Esse último conseguiu manter uma presença significativa no movimento estudantil após golpe, embora uma ala mais radical também dele se desprendesse, favorável a ações armadas imediatas: a Ala Vermelha.
Uma das organizações mais influentes no movimento estudantil dos anos pré e pós Golpe, foi a Ação Popular- AP, composta principalmente por dissidentes da Juventude Universitária Católica - JUC. Foi a AP a responsável pela transformação do movimento estudantil universitário em um movimento de massa, a partir da participação de seus militantes nas principais organizações estudantis, ocupando as três últimas diretorias da UNE antes do Golpe, entre elas as de Aldo Arantes e José Serra, bem como todas aquelas eleitas na ilegalidade, como a de Luís Travassos (box). Abandonando a orientação católica, a AP assume a partir de 1965 orientação marxista e busca ampliar sua penetração no ambiente operário e camponês enviando estudantes para trabalhar nas fábricas e no campo, a famosa estratégia da “integração na produção”.
Menos influentes no ambiente estudantil, existiam ainda várias organizações trotskistas como a Organização Revolucionária Marxista – Política Operária – ORM- POLOP e o Partido Operário Revolucionário (Trotskista) conhecido pela sigla POR (T). Na PUC-SP, a AP e a Dissidência foram as organizações mais influentes no movimento estudantil. Antes de 64 e mesmo logo após o Golpe, havia também um forte movimento anticomunista e contrário às reformas políticas propostas por João Goulart, localizado sobretudo no curso de Direito. Com a radicalização do movimento estudantil esse setor perdera espaço, enquanto crescia a adesão do estudantado às tendências de esquerda radicalizadas.
Como o Golpe militar de 1964 e a posterior promulgação do Ato 5 pareciam confirmar a tese de que fosse impossível realizar mudanças profundas na injusta estrutura social do país pela via pacífica, a tese da luta armada para a tomada do poder granjeava cada vez mais adeptos, principalmente entre a juventude radicalizada. Toda a questão era que modelo de revolução armada adotar: o foco cubano, a guerra popular maoista de cerco das cidades pelo campo, a guerrilha rural que se inicia por uma etapa prévia de acúmulo de forças nas cidades ou ainda a luta de barricadas associada a uma greve geral?
As principais divergências entre organizações e partidos de esquerda eram, pois, quanto às melhores estratégias para desencadear o processo revolucionário e implantar o socialismo no país. Algumas organizações continuavam acreditando no que se chamava da teoria de etapas, ou seja, de que seria necessário primeiramente realizar uma revolução nacional, burguesa, ainda que popular, para mais tarde implantar o socialismo. Outras defendiam que derrotada a tentativa de uma revolução burguesa pacífica, tratava-se de lançar a palavra de ordem do socialismo.
Todas essas organizações políticas partilhavam, contudo, a crença de que o proletariado era a verdadeira classe revolucionária e interpretaram tanto as grandes agitações do movimento estudantil em 1968 como as duas greves operárias em Contagem e no ABC como sinais de que um auge revolucionário que se aproximava.
Tal radicalização política encontrava um terreno fértil na juventude universitária, e por isso as novas organizações que planejam desenvolver ações armadas recrutam muitos jovens de classe média, estudantes universitários e secundaristas. Sua adesão às organizações clandestinas foi tanto maior quanto não restava a este grupo de jovens mais radicalizados outra alternativa, pois tiveram que abandonar as universidades temendo prisões. Dos cinco estudantes da PUC que foram assassinados pela ditadura, quatro deles pertenciam à ALN e o quinto, ao PCdoB.
Já antes do AI-5 a ALN e Vanguarda Popular Revolucionária, organização originária da fusão de quadros da POLOP com outro movimento, o MNR, haviam realizado ações armadas visando reunir dinheiro e armas para a futura guerra. Depois do AI-5 porém, há uma escalada de ações destas e de outras organizações e choques violentos entre o aparato repressivo e os grupos de luta armada acontecem.
Organizações como a AP e o PC do B também tratam de retirar seus militantes da universidade para protegê-los de prisões e para integrá-los em fábricas e no campo de modo a estabelecer vínculos com as classes que elas consideravam que eram fundamentais para a revolução e para o estabelecimento de guerrilhas rurais.
Assim, no período mais mortífero da Ditadura, aquele que se sucede ao Ato-5, conhecido como os anos de chumbo, o movimento estudantil entra em declínio e a atividade política praticamente cessa nas universidades. Os ex-líderes estudantes estavam mortos, como Honestino Guimarães, o último presidente da UNE, assassinado e desaparecido em 1973. Outros estavam nas prisões ou no exílio, como José Dirceu, Luís Travassos e Vladimir Palmeira. Torturas, assassinatos e desaparecimentos tornaram-se rotina no aparato repressivo e a censura absoluta dos meios de comunicação impedia que se soubesse o que ocorria ao mesmo tempo que uma propaganda governamental taxava de terroristas e assassinos a oposição ao regime.
Até 1971 praticamente todos os movimentos armados estavam derrotados no Brasil, e com eles centenas de jovens assassinados e milhares, presos. Após liquidar os grupos armados e o PC do B, que organizara a Guerrilha do Araguaia, a repressão policial se abateu também sobre organizações que não empreendiam a luta armada, como a AP e o PCB.
Na PUC-SP, contudo, o clima era menos tenso, embora se soubesse que espiões frequentavam os cursos e por isso, professores e alunos tomassem cuidado com o que diziam ou com quem se relacionavam. Dom Paulo Arns, nomeado Cardeal de São Paulo e a Reitoria da PUC, em um ato de grande ousadia, tinham acolhido vários dos professores universitários que haviam sido cassados pelos atos institucionais.
Por isso, para não levantar suspeitas, estudantes ligados aos poucos membros de organizações de esquerda que haviam sobrevivido ao pior da violência policial começaram a reorganizar o movimento estudantil por meio de atividades consideradas não políticas, como grupos de teatro ou de estudos (depoimento Ana Bock, Leda e Madalena e outros).
Um ponto de virada nesse processo de lenta recuperação do movimento estudantil em São Paulo foi a comoção provocada pelo assassinato de Alexandre Vanucchi Leme, então militante da ALN e estudante de geologia da USP, em março de 1973 pelo serviço de inteligência militar. Foi a primeira vez, desde 68, que ocorreu uma manifestação pública massiva de repúdio ao regime ditatorial. Os colegas de curso de Alexandre Vannucchi, organizaram uma missa em sua homenagem, que foi celebrada pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, então Grão Chanceler da PUC-SP e assistida por três mil pessoas.
No ano seguinte, em resposta a uma nova onda de prisões de estudantes da USP, cria-se um Comitê de Defesa dos Presos Políticos ao qual se integram estudantes e professores da PUC.