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O Movimento Estudantil e a luta pela Redemocratização
(1978 - 1984)


 

 

A partir de 1978 o movimento estudantil perde protagonismo nas manifestações de repúdio à Ditadura, à medida que outros setores sociais se somam a essa luta. Nos anos seguintes, além da lenta reorganização e retomada de suas entidades, o movimento estudantil atuará no apoio às lutas mais amplas pela redemocratização da sociedade brasileira, dentre as quais se destacam as campanhas pela Anistia, as greves de trabalhadores e grandes  campanhas como a das “Diretas já”.

No plano interno, o ME na PUC tem como questões centrais a luta contra o aumento das mensalidades e a participação dos estudantes na democratização da vida universitária. Nesse período, os estudantes da PUC enviam delegações significativas aos encontros da UEE e a da UNE, ocasião em que se registram intensas disputas internas entre tendências do movimento estudantil na PUC, dentre as quais era bastante ativa a extrema direita. É nessa época que também se fortalecem e se consolidam grupos de estudantes ligados aos movimentos anarquistas.

Uma das lideranças mais expressivas do movimento anarquista na PUC-SP foi Eduardo Valladares, que cursou Historia na PUC e Filosofia na USP, aproximadamente na mesma época. Segundo Eduardo, no início dos anos 80, o clima na PUC era muito mais efervescente do que na Universidade de São Paulo: “Na PUC havia um clima de contestação e rebeldia que não existia na USP”. Depois de perder as eleições de 1980 para a chapa do Partido Comunista Brasileiro, em 1981, Eduardo organiza uma chapa formada pelo anarquismo e autogestão que ganha as eleições no CACS, e nos anos seguintes as eleições para o DCE, adotando decisões coletivas tomadas por assembleia.



Eduardo Valladares entregando bombas de chocolate a Erasmo Dias, como sátira em retribuição às bombas que suas tropas jogaram na PUC na invasão de 22/09/1977


Comunicado da Diretoria do
CA Leão XIII na edição de abril
de 1981 do Porandubas sobre
desentendimentos com
membros do DCE

O movimento anarquista se firmou na PUC-SP principalmente nos cursos da Faculdade de Ciências Sociais, onde estudantes não faziam provas e se recusavam a assinar a lista de presença. Ao mesmo tempo, cursos sobre anarquismo e marxismo lotavam as salas e auditórios da PUC-SP, inclusive aos fins de semana, mostrando um movimento estudantil menos ligado à participação nas entidades e tendências, do que à vivência estudantil e atividade política, promovendo festas e agitações culturais dentro da PUC-SP.

Resposta do Presidente da
UNE à nota do CA Leão XIII
publicada na edição de
maio de 1981 do Porandubas

No entanto, enquanto predominavam na Faculdade de Ciências Sociais anarquistas e outras tendências de esquerda, a Faculdade de Administração e Economia era o principal reduto da extrema direita, com destaque para a Atlética Leão XIII. A chapa intitulada “Chama”, em referência clara aos atentados que incendiavam bancas de jornais nos quais se vendia a imprensa alternativa nos anos 80, protagonizou diversos episódios de embate político e conflito físico na PUC-SP com outros setores do movimento estudantil. Essa mesma direita também estava fortemente representada em outras universidades como a FAAP, a Faculdade de Direito da São Francisco (USP) e o Mackenzie.


1.1- A Memória e os marcos da Invasão do Campus

Eventos importantes e simbólicos na história da PUC nestes anos foram os vários atos e movimentos realizados pelos seus estudantes no 22 de setembro de cada ano, relembrando a invasão do Campus pela polícia, em 1977. Assim, passado um ano da invasão da PUC-SP, o Centro Acadêmico de Direito 22 de Agosto inaugurou uma placa no dia 22/09/1978, que permanece até hoje em frente ao refeitório, com os dizeres “ não se cala a consciência de um povo”. No dia anterior foi realizado um ato em defesa da autonomia universitária e desagravo pela invasão policial no TUCA com cerca de 400 pessoas. A mesa foi composta por um representante do DCE da PUC, pelo Presidente da APROPUC, pelo então deputado estadual Alberto Goldman, que presidira a CPI da invasão da PUC, pelo jornalista Perseu Abramo, representando o Comitê Brasileiro pela Anistia/SP e Iria Vizona, uma das estudantes que sofreu queimaduras durante a invasão da PUC. No ano seguinte, a lembrança da invasão seguiu o mesmo modelo de ato público de 1978, com algumas mudanças na composição da mesa.



Editorial Porandubas edição de setembro de 1979


Nota Porandubas edição
de outubro de 1980

No aniversário de três anos da invasão da PUC, a Reitora Nadir Kfouri dirigiu-se aos 12 mil estudantes que não viveram aquele episódio trágico, enfatizando a importância de uma ordem social e política que não comporte arbitrariedades e comemorando a decisão da Justiça favorável à causa das quatro estudantes que sofreram queimaduras de até 3º grau, atingidas pela explosão de bombas durante a invasão. A APROPUC publicou um texto intitulado “Aos alunos da PUC que não viveram o 22/9/1977” e representantes do DCE, além de passarem em sala relembrando o significado do dia, organizaram um ato público na Rampa.

“Com flores, alunos invadiram
a PUC-SP” (FOLHA, 23/09/1981)

Em 1981, um grupo de estudantes de Ciências Sociais organizou uma “invasão cultural”, gerando grande repercussão na Universidade graças a atividades que se prolongaram ao longo do dia 22 de setembro. Já às 9h40 da manhã, dois jipes entraram pelo portão principal da PUC com estudantes fantasiados de militares, distribuindo flores aos que ali estavam. Apesar da abordagem criativa e do grande impacto do evento nos meios de comunicação, o DCE não concordou com o convite feito pelo grupo “ Corpo Inteiro” a Erasmo Dias, Paulo Egydio Martins e Romeu Tuma para que fossem à PUC para uma conversa com os estudantes no aniversário dos quatro anos da invasão.

Capa da edição de outubro de 1981
do Porandubas com foto de estudantes
reunidos na “invasão cultural”)

A Reitoria também considerou inapropriado o tom tropicalista do evento. Além de ressaltar a grande humilhação que a invasão representou para a PUC, a Reitoria condenou o inaceitável ”som no máximo de sua potência a 10 metros da sala de aula”. Apesar de criticada por ser festiva demais, em entrevista ao jornal Porandubas, os organizadores da “anti-invasão” disseram que o evento “mexeu com a universidade, sendo esta data lembrada de forma marcante e inusitada”.

A maior parte dos estudantes que presenciou a invasão da PUC em 1977 já estava formada em 1982, embora poucos professores e funcionários que vivenciaram o atropelamento da autonomia universitária houvessem deixado a Universidade. Os remanescentes do grupo “Corpo Inteiro”, que no ano anterior organizaram a “invasão cultural”, criticada por parte da comunidade, dessa vez se juntaram ao Cineclube e “reuniram cerca de 55 grupos que realizaram uma “Evasão Cultural”, em que visaram ocupar a Monte Alegre, de dentro para fora.” Organizou-se uma exposição com fotos de jornais da época intitulada “NÃO ESQUECER E RESISTIR”. Em entrevista ao jornal Porandubas, um estudante que organizou o evento disse que a imprensa, rádios e TV’s deram ótima cobertura ao evento. Segundo o estudante “todo esse apoio foi importante porque ano passado a gente foi muito criticado e quem segurou um pouco da nossa barra foi o editorial da Folha”. Segundo o estudante, “o fundamental foi o reconhecimento oficial do nosso trabalho, o apoio da Reitoria liberando materiais, a ajuda do pessoal da marcenaria”. O estudante destacou como ponto alto do evento, com mais de mil pessoas assistindo, o show da Banda Metalurgia, que desta vez transcorreu sem atrapalhar as aulas. Ainda houve criticas à falta de apoio das entidades, visto que “o DCE falou que estava preocupado com a UEE e também não tinha dinheiro. Sua única manifestação foi colocar uma faixa de “abaixo a ditadura” que, mal pregada, logo caiu ao chão”.

nota na edição de setembro de
1982 do Porandubas sobre os
5 anos da invasão

Durante o 6º aniversário da invasão da PUC, em 22 de setembro de 1983, exibiu-se um documentário de mesmo nome da placa inaugurada pelo CA de Direito no 1o aniversário da invasão editado pela equipe do Porandubas, “Não se cala a consciência de um povo”. Um grupo de estudantes soltou quatro galinhas em frente ao TUCA, representando as autoridades invasoras e e outro grupo trouxe três elefantes ao evento. Segundo Eduardo Valadares, que a articulou junto a um Circo a vinda dos elefantes, a motivação para o ato era relacionar a invasão com o processo em curso à época para aprovação de uma Constituinte na PUC.

matéria na edição de outubro
de 1982 do Porandubas sobre
a evasão cultural

Por isso, apesar de não aparecer nas fotos mais famosas do dia, estava escrito em uma faixa abaixo dos elefantes: “A Universidade brasileira é igual um paquiderme, lenta, lerda e com cérebro de minuto”. Em continuidade à intervenção, pendurou-se outra faixa no Prédio Novo onde se lia a célebre frase de Albert Einstein “Até quando os melhores cérebros das nossas juventudes serão incinerados nos fornos crematórios das universidades?”. Enquanto isso, em um  tonel de gasolina, jogavam-se miolos de boi, simbolizando os cérebros incinerados pela universidade.

matéria na edição de outubro
de 1983 do Porandubas sobre
a vinda o 6º aniversário da invasão

No dia em que se completavam sete anos da Invasão da PUC, um trágico e suspeito incêndio destruiu o TUCA. Segundo manifestação do Cardeal e Chanceler da PUC, D. Paulo Evaristo Arns a Michel Temer, então Secretário de Segurança, “É curioso demais que aconteça o incêndio no mesmo dia, na mesmíssima hora, entre 2 sessões, exatamente quando se passaram 7 anos, num lugar onde inclusive o Secretário de Segurança é professor. É preciso um inquérito com a maior severidade para se ver o que aconteceu.”.

Tudo isso demonstra o que afirmou a ex-aluna Lúcia Valladares, que entrou no curso de Ciências Sociais da PUC-SP em 1978, em seu depoimento para a CV: “a PUC era um “oásis de liberdade” nos anos seguintes da invasão, principalmente por conta da postura da Reitora Nadir Kfouri em acolher os estudantes, dando ao espaço um verdadeiro sentimento de liberdade. Discutia-se política “de manhã, de tarde e de noite”.



Edição do Porandubas de outubro de 1984


1.2O ME da PUC e as lutas pela redemocratização

A PUC-SP foi um espaço simbólico da luta pela Anistia no Brasil e por isso sua importância não se limitou somente aos membros da comunidade de estudantes, professores e funcionários que estiveram mobilizados e envolvidos nessa luta.  Dois meses antes do Primeiro Congresso Brasileiro de Anistia, realizado em diferentes espaços da PUC no mês de novembro de 1978, a universidade tornou-se o Centro da Campanha de Solidariedade aos presos da Convenção da Convergência Socialista, mostrando que o caráter de resistência da PUC-SP era reconhecido e reivindicado por pessoas de fora da PUC, mesmo que contasse com alguma oposição interna.  O DCE da PUC-SP também teve grande atuação nas assembleias, atos e outras formas de apoio aos trabalhadores em greve de 1978/1980.

edição do Porandubas abril de 1984

Nos anos seguintes, as eleições diretas para Reitoria na PUC tornaram-se referência nacional, principalmente porque precederam a aprovação da PEC que restabeleceu eleições diretas para governadores dos Estados e senadores em 12 de novembro de 1980 pelo Congresso Nacional da PEC (condicionados ao término de seus mandatos). A primeira eleição direta para Reitoria ocorreu entre os dias 25 e 26 de agosto de 1980, com a adesão de todos os Campus, indicando o protagonismo da universidade nas lutas pela redemocratização do país.

A luta pela democratização do país também levou à formação do “Comitê PUC pelas Diretas”, iniciativa do DCE, mobilizando fortemente a comunidade universitária da PUC entorno do movimento das “Diretas Já”, que reivindicou a retomada de eleições diretas para presidente. Durante as grandes manifestações ocorridas no dia da votação da PEC do Dep. Dante de Oliveira (PMDB-MT) em 25/04/1984, os “filhos da PUC-SP” se destacavam em meio à multidão.


1.2.1 - A Greve de Fome pela libertação dos militantes da Convergência Socialista

A PUC, mas especificamente o salão Beta do TUCA, foi palco de uma greve de fome de grande repercussão nacional pela libertação de militantes da Convergência Socialista  que foram presos em agosto de 1978. As prisões tinham ocorrido após a realização da Convenção da Convergência Socialista, com cerca de 800 delegados do país inteiro para lançar uma campanha pela legalização do Partido Socialista. Na ocasião, foram emboscados e presos um grupo de cerca de 20 participantes, entre militantes e dirigentes, todos barbaramente torturados, pois ainda não fora restituído o habeas corpus prometido pela “distensão lenta, gradual e segura” de Geisel.

nota Reitoria e D. Paulo,
edição de setembro de 1978
do Porandubas

Realizou-se, então, na PUC-SP uma Assembleia em 30 de agosto pedindo a libertação dos presos e debateu-se no DCE a proposta de realização de uma greve de fome pela sua libertação. Como não houve consenso a respeito, os militantes da Convergência Socialista iniciaram a greve de fome por conta própria no Salão Beta (hoje, o Tucarena).

Conforme noticiado pelo jornal Porandubas, D. Paulo se posicionou a favor da luta pela libertação dos presos, mas repudiou a greve de fome devido ao risco à vida que essa forma de luta comporta. A Reitoria também repudiou a ocupação do Salão Beta pelos participantes da greve, destacando sua preocupação especial com a os riscos à saúde dos grevistas. Uma delas, a mãe do detido José Maria de Almeida, permaneceu em greve de fome por aproximadamente um mês.

À medida que eram liberados, os presos da Convergência se dirigiam à PUC, que havia se tornado o centro da Campanha de Solidariedade a eles. Segundo relato de José Maria no documentário A Convergência Socialista e a Ditadura Militar, “foi uma prisão engraçada, pois todas as organizações eram clandestinas e o grupo foi preso justamente quando tentava legalizar uma organização” .

Apesar de não contar com o apoio amplo da comunidade da PUC, até mesmo esses episódios serviram para afirmar o potencial combativo e resistente da Universidade. A ex-estudante Silvana Totora, que veio de Taubaté apoiar a greve de fome pela anistia dos presos da Convergência Socialista, decidiu sair do curso de medicina em Taubaté e ingressar na PUC para estudar Ciências Sociais em 1979, convencida de que a PUC era um centro político importante.

1.2.2 As Greves de 1978/1980 – o movimento dos trabalhadores e a PUC-SP

Capa edição de agosto de 1978
do Porandubas

O período de 1978 a 1980 foi marcado pelas inúmeras greves na região do ABC paulista e no resto do país. Professores, metalúrgicos, médicos, servidores públicos, bancários e jornalistas cruzaram os braços e desligaram máquinas em resposta ao autoritarismo da Ditadura. Segundo relato da ex-estudante de Ciências Sociais da PUC-SP, Silvana Totora, o DCE da PUC-SP teve grande atuação no período, participando de assembleias, atos e organizando arrecadações de alimentos para os trabalhadores em greve. Para o ex-estudante de história da PUC-SP, Eduardo Valladares, “não existia a possibilidade de não ir às passeatas, isso era uma forma de estar presente naquele momento histórico, a gente tinha consciência de que aquilo era um enfrentamento”.

Os trabalhadores, que avançavam em termos de organização em todo o país, também se articularam na PUC-SP, elegendo a primeira Diretoria da Associação dos Funcionários Administrativos da PUC-SP (AFAPUC), fundada em 1 de julho de 1978 e eleita no 28 de setembro do mesmo ano.

Porandubas edição outubro de 1978

A PUC-SP mobilizou-se intensamente por ocasião do assassinato de Santo Dias pela Polícia Militar no 30 de outubro de 1979. Santo Dias, participante de um piquete organizado em uma fábrica, foi morto mesmo após render-se pacificamente. Militante não apenas do movimento operário, Santo Dias foi membro ativo das recém-criadas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e dos movimentos de bairro, chegando a ser convidado diversas vezes a colaborar com professores e estudantes de Psicologia da PUC em suas aulas. Desde 1975, Santo Dias costumava debater em sala de aula sobre Educação Popular, Profissionalização Operária e Perfil Psicológico do Trabalhador. O assassinato de Santo Dias foi noticiado por diversos veículos de imprensa e, no dia seguinte, 30 mil pessoas saíram às ruas para acompanhar o enterro e protestar contra a morte do metalúrgico. Operários fizeram um disco de poesias e músicas em homenagem a Santo Dias.

Em nota na edição de novembro, o jornal Porandubas defendeu: “a presença de Santo não pode passar mais tempo despercebida pelo conjunto desta Universidade. A causa do povo aqui dentro já tem seu primeiro mártir. Porandubas propõe que se faça o reconhecimento oficial da PUC a este operário, por sua antecipação profética de nossa Utopia: O povo na Universidade.”.

Na mesma edição do Porandubas, saiu um encarte de um cordel de 30 páginas, assinado  por Laerte Coutinho (hoje, a Laerte). Segundo Laerte, “quando o Santo morreu, eu quis fazer algo a respeito, mas senti que as charges eram pouco. Precisava ser algo mais chegado à reportagem mas que tivesse a força indiscutível da charge, aliada à beleza poética.” Durante cerimônia na Catedral da Sé, D. Paulo Evaristo Arns afirmou que, "não é certo que a violência arme a mão de outro pobre para terminar com a vida de Santo, não é certo que andem armados policiais que se vão encontrar com o povo de braços cruzados, não é certo que haja dois pesos e duas medidas, uma para o patrão, outra para o operário".

Ainda no início de 1980, a PUC sediou um importante evento, o curso Igreja na América Latina, que aprovou resolução exigindo  rápida averiguação do assassinato de Santo Dias da Silva.  Esse evento ocorreu entre 21 de fevereiro e 1º de março e contou com a participação de cerca de 1500 pessoas, em sua maioria membros das Comunidades de Base. O encontro, organizado pela Associação de Teólogos do 3º Mundo (ASETT) em paralelo ao Congresso Internacional Ecumênico de Teologia, contou com a presença de 160 teólogos de 42 países, que buscaram refletir a respeito da relação entre o  Evangelho e a libertação total dos oprimidos.

No início de 80, a crise econômica repercute sobre o estudantado da PUC devido ao aumento do preço das refeições no restaurante, o corte de bolsas de estudo, a desativação iminente da DERDIC, e outras medidas de contenção de gastos.

Em todo o país, os efeitos da crise se sentem. Em março, estouram as primeiras greves no ABC durante as campanhas salariais, chegando a cerca de 300 mil metalúrgicos em greve no Estado de São Paulo no mês seguinte. Segundo reportagem da Folha de São Paulo, na véspera do 1º de maio de 1980, o DEOPS pediu à Justiça Militar a prisão preventiva e o enquadramento na Lei de Segurança Nacional de 18 dirigentes sindicais por incitamento coletivo à desobediência da lei e sugeriu que o bispo de Santo André, D. Cláudio Hummes, fosse enquadrado na LSN por ajudar os trabalhadores a se organizarem.

O Tribunal Regional do Trabalho declarou as greves ilegais e o Ministério do Trabalho interveio nos sindicatos do ABC, prendendo Luís Inácio Lula da Silva e mais quatroze sindicalistas e afastando 42 dirigentes. A Igreja manifestou apoio aos sindicatos durante missa na Catedral da Sé e lançou nota oficial pela CNBB. Proibida pela Ditadura, a histórica manifestação do 1º de maio de 1980 começou com uma missa na Igreja Matriz de São Bernardo, enquanto mais de 150 mil pessoas aguardavam ao redor da praça.

Em entrevista concedida ao Porandubas, a então representante do DCE para o Projeto do Ciclo Básico, Silvana Totora, destacou que foram tirados representantes para recolher mantimentos para a greve dos metalúrgicos, totalizando a arrecadação de 3 toneladas alimentos. Na mesma época, o debate pela revisão do projeto do Ciclo Básico e do Estatuto da Universidade estavam mobilizando boa parte da comunidade de professores, funcionários e estudantes da PUC-SP.

1.2.3- Luta pela Anistia

O Primeiro Congresso Brasileiro de Anistia aconteceu em novembro de 1978 na PUC, e no Instituto Sedes Sapientiae. Foi a partir de então que se consolidou o movimento nacional unificado contra a Ditadura, ampliando-se a campanha pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita por todo o país. Essa articulação havia se iniciado dez meses antes no Rio de Janeiro, com a criação do primeiro Comitê Brasileiro pela Anistia.

edição de agosto de 1979 do Porandubas com
opinião da Reitora, Presidente AFAPUC e
Presidente APROPUC sobre a Anistia

Em 28 agosto de 1979 A Ditadura aprovou uma Lei da Anistia bastante diferente daquela reivindicada pela campanha Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, que reunia familiares e amigos de mortos, desaparecidos, prisioneiros e exilados políticos. Foi uma anistia parcial, pois mandantes e torturadores foram perdoados por crimes contra a humanidade, crimes que não devem ser anistiados e são imprescritíveis. Tanto que, recentemente, a Comissão Nacional da Verdade ao se manifestar sobre a Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979, fez questão de reiterar a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, considerando que leis de autoanistia configuram ilícito internacional e por isso devem ser revogadas.

Em outubro José Dirceu, anistiado, retorna ao Brasil com objetivo de terminar seu curso de Direito na PUC-SP. Ao chegar ao aeroporto, Dirceu expressou sua felicidade quando leu uma reportagem em Cuba dizendo que o Centro Acadêmico de Direito havia sido recuperado em 1976 “após 5 anos nas mãos de um grupo de direita engajado com o regime militar”.

Entrevista de José Dirceu ao Porandubas de
junho de 1980

Em entrevista concedida ao Porandubas, o ex-presidente do Centro Acadêmico “22 de Agosto” disse o que pensava sobre o movimento estudantil brasileiro, quando provocado a compará-lo com o clima cultural no Brasil em 1968: “No meu entender, o ME significou uma grande revolução de costumes no Brasil pois rompemos com uma série de tabus. Mais que isso, o ME criou um espaço cultural muito grande pois sem ele não haveria nem Tropicalismo, nem Cinema Novo, etc. Nossa interação com artistas e intelectuais levou a uma espécie de renascimento artístico e cultural.

 

 

1.2.4- A atuação do ME da PUC-SP e suas disputas internas.

Estudantes do movimento estudantil viajaram a Salvador para o 31º Congresso da UNE nos 29 e 30 de maio de 1979, conhecido como “Congresso da Reconstrução”. A delegação de São Paulo foi a mais numerosa, com 900 estudantes, dos quais 50 eram delegados da PUC-SP. Estudantes relataram ao Porandubas os obstáculos para chegar a Salvador, como “pregos na pista, revista minuciosa em todo o ônibus”. Foi necessário descer no meio da estrada e se dirigir ao diretório do MDB, que estava bem estruturado para receber os cerca de 3 mil delegados e 2 mil observadores. No entanto, segundo relato do estudante Toron, “permaneceu o conchavo das grandes tendências, faltando a representação da massa. Muita coisa já saiu amarrada e a gente não estava preparado para as coisas novas que surgiram lá”.



Eleição de delegados da PUC para o 31º Congresso da UNE (1979)


Em julho de 1980, uma série de atentados a bomba atinge bancas de revista no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo, em um sinal claro de intimidação à imprensa alternativa. Advogados importantes que se opunham ao regime como Dalmo Dallari (Comissão de Justiça e Paz de São Paulo) e Luís Eduardo Greenhalg (Comitê Brasileiro pela Anistia) sofreram ameaças e outras formas de violência. Em agosto, uma carta-bomba enviada à sede da OAB no Rio de Janeiro vitimou a secretária da entidade, Lydia Monteiro. Os responsáveis faziam parte do Centro de Informações do Exército e tiveram seus nomes divulgados em 2015 pela Comissão da Verdade do Rio de Janeiro recentemente.

Nota sobre a disputa
eleitoral no CA Leão XIII

Segundo depoimento de Eduardo Valladares, na PUC-SP  também houve um embate muito forte com movimentos de direita. O nome da chapa eleita para a gestão do CA Leão XIII da FEA, “Chama”, era uma clara referência a esses atentados incendiários contra símbolos da esquerda, que ocorreram em 1980 e 1981.

O 32º Congresso da UNE, no fim de 1980, serviu para colocar em questão a representatividade da entidade que aceitou o resultado de assembleias esvaziadas, com quórum menor que os 20% estabelecido inicialmente. Segundo um dos representantes do movimento estudantil da PUC-SP que esteve no Congresso, “um é o movimento concreto, das salas, e outro é o das vanguardas, tendências. Deu para perceber um abismo entre a UNE e as salas e mesmo no Congresso a maioria das discussões se deteve em questões internas da UNE, deixando de lado 1,5 milhão de estudantes.” No entanto, apesar da desorganização, o saldo do Congresso foi positivo porque os estudantes unificaram suas lutas, tendo como uma das bandeiras a defesa da suplementação de verba para Escolas que cobram mensalidades, mas não têm fins lucrativos, como a PUC-SP.



Edição Porandubas novembro de 1980


Em entrevista ao jornal Porandubas apresentando o planejamento para 1981, representantes do DCE expuseram suas principais pautas de luta e a intenção de priorizar a discussão sobre democratização da universidade, buscando incidir sobre as eleições para Diretores de Faculdade. Também se mostraram atentos quanto à renovação dos Estatutos e dispostos a iniciar uma ampla campanha em conjunto com a comunidade universitária para conseguir subsídios para a PUC.

Estudantes do DCE da PUC vão a Brasília lutar
por mais verbas para o ensino

Além disso, os representantes do DCE expuseram sua posição contrária ao trote aos calouros, por tratar-se de uma brutalidade incompatível com a premissa de recepcioná-los e expuseram seus planos para o próximo ano, entre os quais destacaram a intenção de organizar o 1º Congresso dos Estudantes da PUC para preparar o Congresso da Comunidade da PUC.

O Congresso dos Estudantes se realizou entre o 29 e o 31 de maio de 1981, com o objetivo de debater as “formas de intervenção no processo de democratização da Universidade”. Segundo Ricardo, presidente do DCE à época, em entrevista concedida ao Porandubas, “(...) problemas decorrentes da falta de verbas, nos colocam a necessidade de um plano inicial, para criar um canal mais amplo (...). Se a gente não participar dos Órgãos Colegiados, da Reforma dos Estatutos, estaremos nos omitindo em pontos centrais do processo de democratização da PUC, e dos nossos interesses.”.

No final de junho, a chapa de oposição “Renovação” foi eleita para o DCE por uma pequena diferença de votos, acusando a antiga gestão de ter levado à paralisação do movimento estudantil. Uma das novas propostas do grupo eleito foi criar uma Rádio como espaço livre do estudante para debates e disseminação de informações, com o plano de instalar alto-falantes no Prédio Novo.

Apelidada de Rádio Chilique, a proposta tomou forma como uma rádio pirata cujas transmissões eram feitas desde a casa do ex-estudante Eduardo Valladares e do departamento de jornalismo da PUC. Apesar de funcionar raras vezes, vários grupos participavam da programação da rádio clandestina e até a APROPUC tinha um programa.

A Diretoria do DCE posicionou-se pela participação dos estudantes nos colegiados de Departamentos e Conselhos de Faculdade, conclamando os CA's a unificarem propostas de indicação de representantes nesses Conselhos. Com dívidas herdadas da última gestão e necessitando cobrir os danos causados ao espaço físico da PUC por três invasões em menos de três meses, a gestão Renovação lançou no fim de 1981 uma campanha de reconstrução material do DCE, com venda de rifas, arrecadações e contribuições materiais.

Em junho de 1982 ocorreu nova eleição para o DCE em que foi eleita a chapa “O inverno foi deles. A primavera será nossa”. Em uma disputa acirrada, a chapa apelidada de “Primavera” recebeu 2093 votos, a chapa “Pra sair dessa Maré” 1981 votos, e a chapa “Chama” 1154 votos.

Nota no Porandubas de maio de 1982 sobre
as eleições

O novo DCE tinha uma posição bastante crítica em relação ao processo da Constituinte da PUC, pois considerava que “tanto a Reitoria como o Conselho Universitário podem alterar os resultados ou o andamento dos trabalhos. Este processo está começando de cima para baixo. A Constituinte foi outorgada, está em situação precária porque a comunidade não foi consultada.”.

Em novembro, em uma tumultuada eleição para o Centro Acadêmico Leão XIII da FEA, a chapa “Nascente” venceu a “Chama” por 85 votos. O impasse se deu quando parte da antiga diretoria (Chama), que também atuava na comissão responsável pelas atividades esportivas, conhecida por Atlética Leão XIII, recusou-se a transferir a direção dessa organização para a chapa eleita.  Segundo Eduardo Valladares, “a Atlética era o reduto da extrema direita”. Apesar das atividades esportivas serem custeadas pelo CA e ele ser a única instituição representativa dos estudantes, os membros da “Chama” reivindicavam uma parte do orçamento do CA e a permanência do grupo na gestão e espaço físico da Atlética, dentro do CA. O grupo “Chama” ameaçava também não entregar as máquinas da Gráfica da FEA.



Notas no Porandubas sobre o ocorrido


Em 24 de março de 1983, a diretoria do CA Leão XII promoveu uma “retomada da Atlética” em uma “noite de extrema tensão no campus Monte Alegre” segundo o jornal Porandubas. Por volta das 20h30, os estudantes começaram a se reunir em frente ao Leão XIII para um Ato Público convocado pelo Conselho dos Centros Acadêmicos. Após o incidente, foram feitas reuniões entre Atlética e Centro Acadêmico com a mediação de professores.

Matéria no Porandubas sobre o ocorrido

Em junho de 1983 houve nova eleição para o DCE, na qual foi eleita a chapa de oposição “Mais vale o que será”, por 109 votos de diferença para a chapa “Agora a Luta Continua”. No final do 1º semestre, com a PUC já esvaziada, um grupo de estudantes promoveu o que chamaram de “invasão pacífica” da Reitoria. Com o objetivo de dar visibilidade à evasão estudantil no semestre seguinte, consequência do reajuste das mensalidades, a Reitoria permaneceu ocupada do dia 23 ao 28 de junho, enquanto ocorriam negociações entre estudantes e a direção da Universidade.

A desocupação imediata foi um dos pontos do acordo que previu o congelamento da 1ª mensalidade do semestre seguinte, a garantia de matrícula para os estudantes em débito condicionada a um estudo de cada caso por uma comissão paritária, a discussão na comunidade universitária (estudantes, professores e funcionários) acerca do novo reajuste para as outras 5 parcelas do 2º semestre e a participação paritária dos estudantes no Conselho de Administração e Finanças (CAF).

O aumento de mensalidades estabelecido pelo MEC culminou na segunda ocupação da Reitoria da PUC, em virtude do aumento das mensalidades em agosto em 58,5%. O fechamento da Tesouraria por um grupo de estudantes, episódio que envolveu certa violência segundo testemunho de estudante do Serviço Social no Porandubas, impediu o pagamento das mensalidades aumentadas.

Embora a estratégia tenha sido decidida em Assembleia com a participação de milhares de estudantes, ela foi alvo de críticas de outros setores da comunidade que propunham manter aberto o espaço de debate para construção de soluções, tendo em vista a preservação da tradição democrática da PUC-SP.

Após a desocupação em 15 de agosto, o DCE avaliou como positivo o resultado da estratégia por gerar a discussão política e criar condições para avançar nas negociações, deixando claros os seus verdadeiros objetivos: ensino público e gratuito, a democratização da universidade e o desenvolvimento de pesquisas vinculadas às necessidades reais da população.

Em fins de 1983, as lideranças estudantis da PUC-SP estavam se desdobrando para dar conta das inúmeras atribuições do mês. Em meio a Congressos da UEE-SP, UNE e  representação nos Conselhos internos da PUC-SP, o DCE conquistou junto à Vice-Reitoria Comunitária a concessão de meia entrada nos espetáculos do TUCA para os estudantes da PUC-SP, benefício mantido até os dias de hoje.

A Campanha das Direitas Já mobilizou ativamente o ME da PUC em 1984. No 1º de março de 1984 foi dado o primeiro passo para criação do Comitê PUC pelas Diretas, iniciativa do DCE. Realizou-se um ato público com a presença de representantes de quase todos os partidos políticos (exceto PMDB), CUT, CONCLAT, APROPUC, UNE, UEE e cerca de 400 pessoas na plateia.



Quadrinho de Laerte Coutinho sobre o sonho com as eleições diretas


Um plebiscito que o DCE organizou entre os candidatos ao Vestibular PUC-84 deixou claro o posicionamento favorável às eleições diretas para Presidência. No último dia do vestibular, 2520 candidatos responderam à questão proposta pelo DCE e pela UNE: “Você concorda com a eleição direta para Presidente da República?”. O resultado final foi: 2.414 sim; 90 não; e 16 brancos.

Nota faz paralelo entre eleiões diretas para
Reitoria na PUC-SP e luta por Diretas para
Presidente do Brasil.

Marcou-se para o 25 de abril a votação na Câmara dos Deputados da PEC do Dep. Dante de Oliveira (PMDB-MT),  que propunha a retomada das eleições diretas para Presidente ainda em 1984. Partidos como o PT e o PMDB lutaram pela aprovação da PEC e mobilizaram inúmeras manifestações pela sua aceitação. A edição do fim de abril do Porandubas estampou a imagem da manifestação ocorrida no dia da votação da PEC Dante de Oliveira (25/04), destacando a participação da comunidade universitária da PUC. Segundo o jornal, até Vice-Reitores foram vistos carregando cartazes. Outra faixa imensa aparecia no meio da massa e nela se lia: “OS FILHOS DA PUC QUEREM DIRETAS JÁ”. 

O último dia do mês de março, aniversário de vinte anos do Golpe Militar de 1964, foi marcado por mais um incidente envolvendo estudantes vinculados à antiga gestão do CA Leão XIII e deixou claro o envolvimento do grupo “Chama” com organizações terroristas de extrema-direita como o Comando de Caça Comunista (CCC). Durante reunião dos representantes discentes do Departamento de Economia da PUC-SP, a sede do Departamento foi invadida por um estudante e um desconhecido, que alegavam saber de um plano “da esquerda” para invadir o CA Leão XIII e repetir o ocorrido no dia 24 de março do ano anterior. A eleição de novembro de 1983 escolheu a chapa “Formar” por uma diferença de 170 votos, chapa que pode ser entendida como uma extensão do grupo Chama, segundo nota de um estudante de Economia no Porandubas. O desconhecido puxou um revólver dizendo que “ “eles” estavam em guerra com toda a esquerda no Brasil, que esta ameaça não representava uma brincadeira(...)”, e que algumas pessoas ali tinham vaga garantida em um “vestibular para o céu”.

Denúncia sobre o ocorrido no Porandubas
de março de 1984

Em 1984, o DCE da PUC declarou que em vez de uma “invasão pacífica” da Reitoria, tinha a intenção de “procurar uma solução externa para a situação da crise orçamentária contínua da PUC”. Houve uma reunião dos quatro órgãos colegiados com a Reitoria no 15 de junho, na qual compareceram apenas 25% dos Conselheiros e na qual os estudantes apresentaram sua pauta de reivindicações, da qual constavam entre outras:: “que as matrículas não tenham reajuste nem tenham como pré-condição o pagamento de débitos; ampliação das bolsas de estudos, a serem oferecidas em bloco, e de bolsas alimentação e que sejam cobrados apenas os créditos cursados”. Formaram-se três comissões paritárias com prazo de trabalho de quinze dias com os seguintes objetivos: “atuar junto a parlamentares visando o Orçamento Estadual/85; para negociação inter associações ; traçar o perfil socioeconômico do estudante da PUC e delinear uma política de bolsas escalonadas”.

Imediatamente após o incêndio do TUCA em 22/09/1984  foi criado o Movimento pela Reconstrução do TUCA com apoio de inúmeras figuras importantes como o Governador do Estado e ex-professor da PUC, Franco Montoro. O DCE organizou o show “VIROUBRASIL” nos dias 6 e 7 de outubro e reverteu toda a renda para a Campanha. O Centro Acadêmico de Ciências Sociais (CACS) organizou um pedágio na porta de cinemas, teatros e “casas de diversões” de São Paulo para recolher doações para a Campanha. Também no dia 7 houve uma releitura do “Morte e Vida Severina” no Teatro Municipal de São Paulo com mais de 70 pessoas entre atores profissionais, amadores, músicos e o Coral de Universitários da PUC. O resultado financeiro dessa exibição foi de Cr$ 10 milhões.

Campanha pela reconstrução do TUCA
publicada na edição de outubro de 1984 do
Porandubas

O 36º Congresso da UNE, que ocorreu entre 26 e 28 de outubro na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), foi marcado por polêmicas envolvendo estudantes da PUC. Segundo Eduardo Valladares, a UNE havia se tornado um aparelho do PCdoB e os delegados do CACS, que eram a maioria da delegação da PUC, não podiam aceitar a fraude escancarada na composição de delegados. De fato, as delegações do Pará, do Amazonas e de Goiás chegavam a ser maiores do que as de São Paulo, e entre os delegados, havia várias pessoas semianalfabetas. Apesar dos protestos, a diretoria da UNE insistiu em iniciar os trabalhos, o que resultou em diversos conflitos durante a plenária, nos quais os estudantes da PUC tiveram papel destacado.

Ao fim do maior Congresso já realizado na história da UNE, segundo o DCE-Livre da PUC, todas as propostas aprovadas tiveram mais de 80% de votos dos delegados. Dentre as deliberações, aprovou-se a proposta de unificar a oposição ao candidato Paulo Maluf nas eleições para Presidência e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte livre e soberana, antes do fim do regime.

1.3  Democratização da vida universitária



Imagem da Prainha durante as primeiras eleições diretas para Reitoria


A luta pela democracia interna que toma forma com a instituição de eleições diretas na PUC-SP é a expressão da demanda geral da sociedade pela democratização. Não é por acaso que as primeiras eleições diretas para Reitoria na PUC em agosto de 1980 precederam à aprovação em 12 de novembro de 1980, pelo Congresso Nacional, da PEC que restabelecia eleições diretas para governadores dos Estados e senadores.

Em outubro de 1978 já fora organizada a Primeira Semana da PUC-SP, com quatro mesas redondas que levantaram a necessidade de uma revisão curricular e estatutária a fim de corrigir a burocratização administrativa. Os estudantes manifestaram certa descrença nos órgãos oficiais colegiados e exigiram a concretização dos encaminhamentos da Semana. Os debates interdisciplinares de professores e estudantes quase sempre lotaram a parte inferior do TUCA e giraram em torno de quatro temas principais,  segundo o jornal Porandubas:: Universidade e Realidade Brasileira; a Formação de Profissionais; a Formação Humanística e Influir nos Problemas Nacionais.

Em entrevista à edição de março de 79 do Porandubas, a Reitora Nadir Kfouri fez coro ao debate ocorrido na Semana da PUC-SP em 1978 ao denunciar o caráter autoritário do Estatuto da Universidade e sua incompatibilidade com as práticas democráticas do dia a dia, expressando sua vontade de que ele fosse revisto. Na mesma edição o Vice-reitor Comunitário, Pe. Edênio, faz um apelo à comunidade universitária para revigorar os órgãos colegiados, de modo a que “sejam assumidos por todos os que tem direito a voz e voto neles, para se constituírem uma verdadeira câmara universitária”. Caso contrário Edênio demonstrava preocupação com as decisões “(...) acontecendo à revelia”.

O primeiro passo na democratização da PUC-SP por meio de eleições diretas ocorreu no 1º de agosto de 1980, quando foi enviada carta de Dom Paulo Evaristo Arns à Comunidade Universitária, na qual o Grão Chanceler da PUC julgou “imprescindível ouvir, de maneira objetiva e ampla, a opinião da comunidade universitária e dos órgãos que a compõem a respeito dos nomes mais aptos ao exercício do cargo de Reitor”. Quando indagado pelo Porandubas se confirmaria o resultado da eleição independente do nome escolhido, D. Paulo disse que “uma vez que abrimos o jogo, foi para valer. Aliás, nunca me arrependi de abrir o jogo a uma participação popular.”. Tal prática só foi interrompida recentemente, quando na eleição de 2012 o Grão-Chanceler nomeou a terceira colocada, o que provocou grandes protestos na instituição. Assim, em agosto de 1980, a Comissão Comunitária do Campus Monte Alegre deliberou por realizar uma votação geral na comunidade de modo a escolher o Reitor da PUC, com igual participação dos três setores  universitários: professores, funcionários e estudantes. 

Entrevista de D. Paulo ao Porandubas
após as eleições

A primeira eleição direta para Reitoria ocorreu entre os dias 25 e 26 de agosto com a adesão de todos os Campi, concorrendo as candidatas Profa. Haydee Roveratti e a então Reitora, Profa. Nadir Kfouri. Nadir se reelegeu Reitora com 7.058 votos em oposição a 661 de Haydee. Contabilizando o peso proporcional para estudantes (peso 1), professores (peso 12) e funcionários (peso 17), Haydee obteve 7.000 votos e Nadir 17.000. A ideia de votos proporcionais nasceu na APROPUC e foi aprovada no âmbito da Comissão Comunitária.

Houve diferenças, contudo, na forma como os estudantes se posicionaram em relação às eleições.  Enquanto o grupo Novo Rumo defendia o voto em branco por não se identificar com nenhuma das candidatas, o grupo Liberdade e Luta defendia o voto nulo, pois acreditava que votar em candidatos era o mesmo que concordar com os aumentos nas mensalidades e a submissão ao MEC. O Novo Rumo reconhecia a legitimidade da eleição, enquanto  o Liberdade e Luta  a questionava. O DCE, embora considerasse as eleições como uma vitória na redemocratização geral das Universidades, não apoiou oficialmente nenhuma candidata, uma vez que nenhuma delas se comprometera com o programa da entidade. No entanto, reconheciam que a Profa. Nadir Kfouri era responsável por uma “real abertura democrática”.

Ilustração da capa do Porandubas de outubro
de 1980

A democracia interna da PUC de fato, amadurecia e em março de 1981 a Comissão Comunitária sugeriu estender eleições diretas também para Diretores de Faculdade, Chefes de Departamento e representantes dos órgãos colegiados. Houve disputas acirradas nas Faculdades de Direito e Economia.

Em 1982, provavelmente a Constituinte da PUC foi o assunto mais importante do ano no campus. Na reunião do Conselho Universitário no último dia de março, foi apresentada proposta de composição de uma Paritária Constituinte, com representantes docentes e discentes por Faculdades e mais 13 funcionários num total de quarenta delegados. A proposta estudada pelo Conselho Universitário previa a institucionalização e remuneração da Paritária, bem como a possibilidade de abono de faltas para os estudantes eleitos como delegados, de modo que tivessem condições de exercer suas funções.

notícia na edição de maio de 1982 do Porandubas

Na reunião seguinte do Conselho Universitário, em 28 de abril, foi definida a criação de uma Comissão Constituinte para elaborar o novo Estatuto. Ficou estabelecido o número de 53 delegados – 26 docentes (50%), 15 estudantes (30%) representando as Faculdades, Pós, Básico e Institutos, 11 funcionários (20%) e um representante da Reitoria - a serem eleitos diretamente por cada Centro, em conjunto ao Conselho Comunitário. Prevista para funcionar em período integral, confirmou-se admissão de um pro-labore para garantir as condições de realização dos trabalhos.

A partir de 19 de julho, a Comissão Constituinte começou a se reunir a fim de incorporar em novos estatutos as conquistas democráticas postas em prática pela comunidade universitária. Até o 6 de agosto houve uma fase de estudos e aprofundamentos, após a qual ocorreu a etapa de redação e elaboração do texto definitivo dos estatutos. O jornal Porandubas foi escolhido como assessoria de imprensa especial para a Constituinte e também ficou responsável por elaborar um mural diário para a comunidade. Os princípios básicos do projeto eram a simplificação da estrutura e a distribuição paritária do poder entre as várias instâncias de decisão.

Nos 11 de maio de 1983 começaram as eleições diretas para os três principais Órgãos Colegiados da Universidade. Eram eles, segundo o jornal Porandubas:”Conselho Universitário (espécie de Senado), Conselho Ensino e Pesquisa (muito atuante, parecendo uma Câmara dos Deputados Federais) e Conselho Comunitário (até então restrito ao campus Monte Alegre, mas que passou a englobar toda a PUC-SP)”.

Entre o 23 e o 26 de maio realizou-se um grande encontro de toda a Comunidade da Universidade da PUC-SP, organizado pela APROPUC e DCE da PUC. Ao longo desses dias ocorreram mesas redondas e encontros setoriais que culminaram em uma assembleia final. Abordou-se o Projeto Educacional da PUC, o Projeto da Estatuinte, sua estrutura acadêmica e administrativa e a posição do Ciclo Básico no novo Estatuto. Encontros de estudantes, professores e funcionários, separadamente, resultaram na proposição de um “Programa de Emergência em Defesa da PUC”. No Encontro dos Estudantes, ficou clara a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre a situação financeira da PUC e a proposta de Constituinte. 

A Assembleia Final contou com a presença de cerca de 400 pessoas e aprovou a realização de um plebiscito sobre o Projeto de Estatuinte, a instituição de uma comissão paritária para fazer um diagnóstico financeiro da PUC e a criação do “Programa de Emergência em Defesa da PUC”, cujos pontos centrais foram: “a aprovação do novo Estatuto, a paridade em todos os níveis e a sugestão de adiamento do experimento Básico-Ciências Sociais, até que os pontos anteriores sejam definidos”. Além disso, o Programa ainda propunha a criação de um Fórum de Debates para dar continuidade à reflexão sobre a Universidade e sugeria a continuidade do processo de democratização, bem como o levantamento de verbas públicas mediante convênios em várias áreas.

Em 1984, passados quatro anos da primeira eleição direta para Reitoria, a comunidade se preparava para novas eleições. Aproximadamente 7000 estudantes que votaram para Reitoria em 1980 ainda estudavam na PUC, o que representava cerca de 30% dos estudantes da Universidade. Assim, foi preciso desenvolver um amplo debate político a fim de conscientizar a maioria da comunidade, em particular os estudantes, sobre a importância das eleições democráticas e a necessidade de participação nas eleições.

Debate na PUC-SP com Reitores
democraticamente eleitos da UNICAMP, USP,
UFSCAR, UNESP, URJ e da própria PUC-SP.

No dia 10 de outubro, divulgou-se o resultado das eleições para Reitoria. Votaram 1.061 funcionários, 8.675 estudantes e 1.129 professores, totalizando 11.430 votos. O Prof. Wanderley ganhou o pleito com uma diferença expressiva de mais de 1.300 votos de estudantes para a segunda colocada, Profa. Lucrécia. Já entre professores e funcionários, a Profa. Lucrécia saiu na frente com poucas dezenas de votos. Considerando que a comunidade universitária não havia crescido, houve um aumento na participação da 2ª eleição para Reitoria na PUC se comparada à primeira, em que votaram 9.222 eleitores.

Ainda no mês de junho de 1984 foi lida na Câmara Municipal de São Paulo pelo vereador Lauro Ferraz uma moção de solidariedade ao processo de democratização da PUC nos últimos oito anos. Dizia que “A democracia não se consegue aguardando ato do governo. Conquista-se. Os dirigentes de setores da sociedade dão exemplos democratizando a área que lhes diz respeito”