![]() |
![]() |
Os muitos documentos sobre os usos do teatro neste primeiro período de efervescência, que se encontram disponíveis a consulta no Centro de Documentação e Memória do TUCA, o CDM-TUCA, indicam que alem das atividades teatrais do grupo TUCA, o espaço era ocupado por inúmeras outras atividades como cerimônias de formatura, conferências, projeção de filmes, atividades acadêmicas, espetáculos musicais.
Uma das maiores frentes de ocupação do TUCA foi a realizada pelos estudantes universitários, sobretudo através do Movimento Estudantil e de suas entidades representativas como os centros e diretórios acadêmicos. Naquela conjuntura, a maioria das atividades estudantis assumiu o formato de atividades culturais, destacando-se os usos do espaço do teatro feito pelos centros acadêmicos que ali realizaram desde debates em semanas de trote, apresentações musicais, espetáculos de teatro, exibição de filmes, assembleias, reuniões, semanas de debate, conferências. Então, sob influência da atuação do Grupo TUCA, as demais atividades desenvolvidas no teatro politizam-se progressivamente. Em meio às formaturas de colégios da região, palestras de autoridades, atividades do Lyons Club e de outras associações, progressivamente, o auditório Tibiriça passa a ser requisitado e usado por grupos de teatro universitário, grupos culturais diversos, cineclubes das Faculdades, Centros Acadêmicos e Diretórios Estudantis , e por outras atividades realizadas pelo movimento estudantil da PUC e de outras universidades paulistas.
O sucesso do Grupo TUCA, a politização do teatro amador, impulsiona a ocupação do espaço do teatro por diversos grupos de teatro universitário que se formam no Estado no período. Na documentação referente ao período 65-69, além de grupos profissionais, constam apresentações e ensaios de uma série de grupos de teatro amador e universitário que a partir de peças teatrais mais politizadas buscam manter viva a discussão política entre os estudantes. Dentre estes grupos universitários pode-se citar: O Grupo Dyrajaia Barreto (GRUDYBA), formado majoritariamente por alunos da Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), da Faculdade Coração de Jesus e da Faculdade Paulista de Direito; O Grupo Teatro Novo – Aurk-Crusp, composto por estudantes moradores do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (CRUSP); o universitário Teatro Experimental Mogiano, o Teatro dos Universitários de São Paulo (TUSP), o Teatro Universitário de Lorena, e o Teatro da Balança (TEBA), dos estudantes da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Destaque-se ainda que em outubro de 1969 o TUCA sediaria a I Mostra de Teatro Universitário. No repertório destes grupos, assumindo uma concepção experimental de contestação e de criação coletiva, destacam-se autores como Bertold Brecht, Fernando Arrabal, Jewgei Schwarz, Peter Weiss e autores nacionais como Plínio Marcos, João Cabral de Melo Neto, Carlos Drumond com temas ligados a questões da realidade brasileira. Aponte-se ainda, que mesmo após o desligamento formal do Grupo TUCA da universidade, o teatro continua como uma das principais atividades politco-culturais dos estudantes das diversas Faculdades da PUC, como indica a notícia do jornal Última Hora de 16/03/1973, sobre a atuação do TUPUC – Teatro Universitário da Universidade Católica nos anos iniciais da década de 1970. Bom exemplo das funções políticas atribuídas às atividades teatrais pelos movimentos estudantis naqueles anos pode ser percebida no convite para a peça O Interrogatório de Peter Weiss, promoção conjunta do D.A São Bento e do Leão XXII em abril de 1971, quando afirma que:
“Esta peça visa e consegue sacudir nosso torpor, nossa acomodação, nossa apatia, nossa indiferença ao mostrar como o nazismo tornou possível a aceitação por toda uma população de uma doutrina maniqueísta, onde os “maus”, os “inferiores”, os “indesejáveis”, as crianças, as mulheres, os velhos, os moços – deveriam ser simplesmente exterminados; ao mostrar como se pode chegar à burocratização e a institucionalização da tortura e do extermínio.” Indicando ser a peça “ um libelo, mas em primeiro lugar uma advertência de que tudo pode acontecer de novo, em maior ou menor escala, em qualquer lugar, em qualquer momento”. Concluindo que peça indica que somos todos responsáveis frente à permanência das situações de arbítrio e violência institucional.
A importância dada pelo movimento ao teatro pode também ser compreendida pela avaliação feita pela CA Leão XIII, reproduzida a seguir:
Dentro desta posição assumimos que o teatro universitário não se limite a espectadores universitários. Se seu objetivo primordial é a conscientização, deve procurar grupos aos quais a mensagem se torne estímulo de aglutinação e reflexão. (...) A relação entre Teatro Universitário e movimento estudantil é íntima e indissociável. É uma relação de apoio e de fortalecimento. (...) O Teatro Universitário na PUC, em 73/74/75, foi um dos canais de participação universitária, que facilitou e permitiu a rearticulação do ME. O Movimento Estudantil por sua vez deu força e abriu espaço político para o Teatro Universitário. Este tem contribuído na formação de consciência dos universitários e no próprio fortalecimento do ME. Ambos tem tido sua contribuição na mudança social
Além do teatro, o cinema também foi promovido no Tibiriçá, sobretudo através de iniciativa dos estudantes. Ainda durante os anos 1960 identifica-se a atuação do Grupo Sonda de Orientação Cultural , cineclube composto por alunos da universidade. Dentre as atividades culturais dos centros destaca-se o uso do Tuquinha para a apresentação de filmes tais como"Os Fuzis", de Ruy Guerra"Cidadão Kane", de Orson Welles. Nos anos 1970, desenvolve-se programação ativa do “Cinuca”, cineclube que promove filmes políticos e nos anos 1980 o Cine Clube Terra em Transe.
Para além das atividades do teatro universitário e da atuação dos cineclubes, a atividade cultural dos movimentos estudantis articulou-se fortemente aos artistas e produções da nascente MPB.
As atividades de maior porte promovidas pelos diferentes centros acadêmicos assumiam a feição de shows musicais com a presença dos novos cantores e compositores ligados as proposições da música brasileira como Chico Buarque, Geraldo Vandré, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Os Mutantes ,Sérgio Ricardo, Nara Leão, Marilia Medalha entre outros. No espaço de forte repressão à atividade política e ao movimento estudantil, principalmente após a edição do Ato Institucional n° 5 em 1968, a musica popular emerge como espaço de resistência e contestação ao regime. Assim, na programação do Teatro destes anos identifica-se a realização de inúmeros shows de MBP promovidos pelos centros acadêmicos, seja para a recepção de calouros no início dos períodos letivos, denominados Show do Bicho, Show dos Calouros, Show da Semana do Trote, seja como parte das atividades que compunham a programação de semanas de debate sobre temas voltados para à discussão da realidade brasileira, ou mesmo as atividades de formatura. Importante indicar que via estas atividades o TUCA assume papel importante não só para o movimento estudantil da PUC, abrigando atividades do Diretório Leão XIII, dos alunos da Faculdade de Economia, Administração, Contábeis e Atuariais (FEA), Diretório Acadêmico da Filosofia da São Bento, do Centro 22 de agosto do Direito, do Centro Sabóia Medeiros da FEI, como de diretórios e centros acadêmicos de outras universidades paulistanas como a USP e o Mackenzie.
Nos anos de chumbo, a formação acadêmica dos estudantes articula-se às atividades politico-culturais diversas. A politização promovida pelos estudantes e suas entidades expande-se e influencia a definição dos conteúdos e temas tratados pelas diversas áreas em ciclos de debates e semanas acadêmica em determinados trechos do roteiro e “condicionada a exame do ensaio geral” por algum agente da repressão. Então, além de assembleias e outras reuniões e articulações do Movimento Estudantil, o TUCA e o TUQUINHA abrigaram inúmeras semanas acadêmicas, ciclo de debates e conferências, aulas inaugurais e palestras que compunham um verdadeiro currículo paralelo voltado para questões candentes da realidade brasileira. Denominações como Semana da Universidade Brasileira(1966); Aspectos Atuais da Realidade Brasileira(1967); Semana do Nordeste (1970); Antropologia e Realidade Brasileira (1972)Semana de Estudos da Amazônia (1976) sinalizam a pauta destas discussões e sua articulação à atuação das forças de resistência e a agenda política de então.
Importante indicar a atuação frequente da censura interna e externa à universidade sobre as atividades culturais desenvolvidas pelos estudantes e seus grupos culturais. A partir do início dos anos 1970, na documentação do teatro, identifica-se a a presença de certificados de censura que liberavam as atividades culturais e/ ou acadêmicas , normalmente dando uma classificação indicativa, realizando cortes em determinados trechos do roteiro e “condicionada a exame do ensaio geral” por algum agente da repressão. Importante ressaltar que, além da censura externa, havia uma censura interna executada normalmente pelo Capelão-Geral da universidade que, por vezes, intervinha nas peças em matéria de assuntos religiosos e políticos.
Situação emblemática e que revela a censura interna, exercida pela capelania da PUC, mas também pelo departamento jurídico da universidade, é o parecer contrário à solicitação encaminhada pelo DCE da USP, em março de 1966, para realização de um Ciclo de Conferências sobre a Universidade Brasileira documentado no Dossiê da Cessão de Uso 32. No parecer, costurado pela retórica anticomunista da Ditadura, frente a analise da programação proposta, o assessor jurídico da universidade à época, Luiz Gonzaga Naclério Homem, recomenda o indeferimento da solicitação, indicando não só a presença de um representante da UNE nas atividades, entidade posta na ilegalidade pelo regime, como pela presença do Professor Mario Schemberg, qualificado pelo parecerista como “comunista público e notório”. Importante assinalar que os estudantes usavam de várias estratégias para burlar a censura que recaía sobre a programação escrita entregue às autoridades universitárias quando da solicitação do uso do teatro, acrescentando modificações nos cenários, artistas e palestrantes convidados, scripts de discursos e outras intervenções.
A partir do final da década de 1970 o TUCA se consolidaria como espaço importante de reconstrução do Movimento Estudantil paulista e nacional. Nele foram realizadas diversas reuniões que indicam as dinâmicas de reconstrução das entidades do ME bem como de articulação dos estudantes e suas entidades com os movimentos de resistência da sociedade civil como exemplificam as campanhas pela Anistia. Marco simbólico deste processo é a articulação da universidade e do TUCA a realização do III ENE em 1977 e a invasão da universidade pelas forças da repressão.
Como indicado em outro item deste relatório, foi ano de 1977 que o III ENE sinalizou o auge de uma remobilização estudantil no país. Marcado para acontecer na UFMG, em Belo Horizonte, devido a forte repressão , o III ENE seria realizado secretamente na PUC-SP em 22 de setembro. Reunindo cerca de 2 mil alunos diante do TUCA, o Ato Público realizado logo após a reunião dos delegados foi rapidamente interrompido por violenta operação policial coordenada pelo Coronel Erasmo Dias, na qual foram empregadas bombas tóxicas e inflamáveis, cassetetes elétricos e tanques de guerra .Ao mesmo tempo em que dissolviam a concentração estudantil, policiais à paisana e militares invadiram o campus da Universidade com grande brutalidade.
No decorrer do início dos anos 1980 o TUCA e principalmente o TUQUINHA abrigariam inúmeras reuniões, shows, assembleias e outras atividades importantes para a reorganização do movimento estudantil não só da PUC, mas também de outras universidades bem como das entidades gerais estaduais e nacionais. Assim, entre 1980 e 1984 ocorreram no teatro várias atividades da União dos Estudantes do Estado de São Paulo, UEE- SP, vários encontros nacionais de estudantes por área acadêmica, como o de Ciências Sociais – ENECS (1980) e o de Serviço Social , III ENESS (1980); Encontros de Entidades Estudantis do Estado (1982), reunião dos DCEs livres do Brasil (1982); atividades promovidas pela UNE reconstruída; e também atividades do movimento estudantil junto com outros movimentos sociais como os movimentos sindicais e fundos de greve, com grupos de educação popular e defesa dos direitos de crianças e jovens .