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OS MOVIMENTOS DE RESISTÊNCIA





Naqueles anos, a dinâmica do Movimento Estudantil e suas articulações com os movimentos culturais, as redefinições acadêmicas da universidade dirigidas a uma maior abertura para a sociedade e para o diálogo com as questões candentes da “realidade brasileira”, transformam o TUCA num espaço que abrigou não apenas movimentos e expressões artísticas e culturais de vanguarda, mas também importantes e ruidosos encontros, atos públicos, assembleias, conferências e congressos do movimento de resistência à ditadura.

Então, com a progressiva reorganização do Movimento estudantil e de outros setores da sociedade, o TUCA passa a sediar inúmeras reuniões, eventos e atos políticos que tratavam de temas candentes da agenda política defendendo causas como a reforma agrária, a lei de greve e reorganização sindical, as questões feministas, a defesa dos direitos humanos, as reivindicações pela anistia e contra a repressão e a Lei de Segurança Nacional.

A consolidação de tais usos do teatro se impõe por um movimento que combina a extroversão da universidade em direção à sociedade e a própria pauta proposta pelos diferentes movimentos sociais em luta contra a ditadura e pela redemocratização da sociedade brasileira.

Entre os anos 1977 e 1980, a PUC-SP vive um período acadêmico extremamente dinâmico calcado no projeto da Igreja Católica que enfatiza o papel das universidades católicas como canais de articulação com a sociedade. O projeto, inspirado na teologia da libertação e na opção pelos pobres, pugnava pela produção de um conhecimento critico sobre as realidades latino-americanas e brasileira voltado para a ação transformadora dessas sociedades. No período, o TUCA e o TUQUINHA abrigaram muitas atividades desenvolvidas pelos vários centros, institutos e grupos que atuavam na universidade como o IEE – Instituto de Estudos Especiais e o URPLAN – Instituto de Planejamento Regional e Urbano, que levando adiante a proposta de reformar a universidade segundo as preocupações expressas, principalmente, na Conferencia do CELAM, em Medelin, 1968, politizam os usos acadêmicos do teatro.

Naqueles anos o IEE, em parceria com grupamentos ligados a Igreja como as Comunidades Eclesiais de Base, diferentes pastorais e a Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, articulados a chamada Operação Periferia, bem como organismos da Igreja popular latino-americana trazem para o teatro encontros, conferências e atos públicos que mobilizam discussões e propostas de ação sobre temas como a religiosidade do povo; educação popular nas CEBs; o mundo do menor infrator; a defesa dos direitos humanos; a questão carcerária e os direitos dos presos. Neste movimento o IEE organizou inúmeros eventos como 3° Congresso Internacional dos Teólogos do Terceiro Mundo, o encontro A Universidade e o Povo realizado pelas Comunidades Universitárias de Base, lançamento do Comitê de Solidariedade aos Povos da América Latina, todos em 1980, a série de encontros "Tuca Vivo" sobre as questões políticas e o povo; e debate sobre a questão Carcerária, com a presença de D. Paulo Evaristo Arns, realizado em outubro de 1981. Indique-se também que, em parceria com editoras como Paulinas, Cortez e Brasiliense, o IEE publicou estudos tais como A Igreja dos Pobres na America Latina, Informativo Popular Latino americano (IPLA), Manual dos direitos dos presos e a A Educação Popular nas CEBS que marcaram o debate sobre tais questões no período.





Da mesma forma, o URPLAN– Instituto de Planejamento Regional e Urbano, criado em 1974, trabalhando em parceria com os movimentos sociais urbanos que emergiam no período, com os novos movimentos sindicais e com entidades latino-americanas, desenvolve uma série de importantes projetos sobre questões tais como a da apropriação e usos do solo urbano, educação popular e transformação, ações da igreja popular. No período o teatro acolheu muitos cursos regulares, conferencias e encontros promovidos pelo instituto que abordavam questão como moradia popular e a vida nas periferias, movimentos de mutirão e autoconstrução, educação e classes populares, Projetos Alternativos de Educação Popular na América Latina, Movimentos de Educação de Base, comunicação popular.

Neste movimento de atuação da universidade junto aos movimentos sociais e as questões daquele tempo há que destacar ainda a realização no teatro de muitas atividades promovidas pelo IPEAFRO – Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros e outros grupos negros da universidade como I Encontro Estadual de Entidades Negras realizado em março de 1981; Ato em solidariedade ao povo angolano, junho de 1982; o III Congresso de Cultura Negra das Américas também em 1982 e o lançamento da revista Afrodiáspora, em junho de 1983.

Na segunda metade da década de 1970 as lutas populares e de resistência à ditadura ganham força em diferentes regiões do Estado de São Paulo e do país. Bem localizado e de fácil acesso, transformado em símbolo da resistência após a invasão de 1977, receptivo às demandas das lutas populares e dos movimentos de resistência à ditadura, o TUCA transforma-se em um dos espaços simbólicos das mobilizações e manifestações políticas na cidade de São Paulo.

Ainda no final dos anos 1970, o TUCA acolheria eventos que marcaram a história daquele período como 29ª Reunião da Sociedade Brasileira para a Ciência – SBPC, realizada na universidade em julho de1977, e o I Congresso da Anistia, em novembro de 1978. Proibida pelo governo militar de ocorrer na Universidade Federal do Ceará, para aonde fora prevista inicialmente, a reunião da SBPC também teve negado o espaço da USP, fato que levou seus dirigentes à PUC-SP. A reitora, Profa. Nadir Kfouri, com a anuência imediata de D. Paulo Evaristo Arns, acolheu a proposta e, de última hora, a PUC-SP organizou seus espaços e sua infraestrutura para abrigar o evento. Apesar da presença das forças da repressão nos arredores da universidade, a cerimônia de abertura, ocorrida às 20 horas de 06/julho/77, foi realizada no superlotado TUCA e as atividades da reunião transcorreram regularmente no período de 06 a 13/julho/77. Saliente-se que para além das atividades científicas, a 29ª Reunião da SBPC transformou-se num espaço de importantes debates políticos e manifestações contra a ditadura e pela redemocratização do país.

Preparado nos primeiros dias de novembro no “Instituto Sedes Sapientiae”, o Primeiro Congresso Brasileiro pela Anistia foi realizado entre os dias 2 e 5 de novembros de 1978. A abertura solene foi realizada no TUCA, na noite do dia 2, com a presença de mais de 1500 pessoas, segundo notícias da imprensa e relatos do DEOPS/SP. O Congresso constituiu momento importante na articulação daquele que seria o primeiro movimento nacional unificado contra a ditadura. As notícias na imprensa descrevem o ambiente combativo e emocionado desta seção. Segundo o Jornal Movimento de 6 a 12/11/1978, “foi a manifestação mais emocionante dos últimos tempos A partir do evento, assumida por diferentes setores da sociedade e entidades identificadas com as lutas de resistência, a campanha pela Anistia, Ampla, Geral e Irrestrita cresce e espalha-se de forma massiva por todo o país. Em alguns momentos foi possível localizar dezenas de pessoas chorando na plateia. [e...] até alguns jornalistas encarregados de cobrir a cerimônia choraram.”





O ato, realizado no TUCÃO, contou com a presença de muitos membros dos CBAs e de seções do MFPA de vários estados, de várias entidades representativas das lutas democráticas como OAB, ABI, IAB, Comissão Pró-UNE, Comando de Greve dos Metalúrgicos de São Paulo, CNBB e Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Também estiveram presentes representantes de várias entidades de defesa de direitos humanos europeias, dentro os quais se destaca a do senador italiano Lelio Basso, presidente do Tribunal Bertrand Russel. Esta seção, assim como todas as atividades do congresso, estiveram sob forte vigilância do DEOPS/SP e a seu respeito o órgão acumulou vários relatos internos, um dos quais destaca que além das presenças acima identificadas, participaram da solenidade “ex-presos, subversivos, familiares de banidos, exilados, cassados, mortos, desaparecidos e presos subversivos.

No decorrer de 1979, ano de crescente mobilização do movimento pela anistia, o teatro sediou vários encontros e atividades, com destaque para a realização de um grande debate no TUCA no dia 6 de agosto, no período logo anterior a votação da Lei da Anistia pelo Congresso Nacional, visando organizar a posição dos movimentos frente ao projeto do governo militar e que preparou o grande comício na Praça da Sé, em 8 de agosto. Dentre as manifestações pela anistia ocorridas teatro no auge da campanha estão: o lançamento do “Ano Internacional da Criança” em 10 de março de 1979, pelo Movimento Feminino pela Anistia, o ato Pela Libertação dos Presos de Itamaracá, pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, em 2 de julho de 1979, que foi presidido pela Coordenação Geral da Campanha pela Libertação dos Presos Políticos de Itamaracá; mesa de debates sobre a Anistia em 27 de junho de 1979, Dia Nacional de Luta Pela Anistia, promovido pelo Comitê Brasileiro pela Anistia de São Paulo (CBA/SP); show em benefício da Campanha pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita” nos dias 5 e 6 de outubro de 1979.

No início dos anos 1980, o Teatro permanece ativo politicamente, constituindo espaço de debates, reuniões e atos públicos importantes para o processo de redemocratização do país.






De forma crescente os movimentos católicos como as CEBs- Comunidades Eclesiais de Base e a CUB – Comunidade Universitária de Base, as diversas pastorais e a Comissão de Justiça e Paz de São Paulo trazem para o teatro seus encontros e mobilizações. Naqueles anos tais entidades promovem eventos como: Encontro a Universidade e o Povo, Debate com Adolpho Esquivel, ambos promovidos pelas CUB em 1980; Show de arrecadação de fundos para os operários realizado pela Pastoral do Mundo do Trabalho (1980), Noite da Nicarágua com a presença de Daniel Ortega (1980); Debate sobre a reforma agrária com lideranças rurais promovido pela Comissão Pastoral da Terra com a presença de D. José Maria Pires; Debates promovidos pela Comissão de Justiça e Paz de São Paulo sobre temas como violência policial, direitos humanos, política e democracia (1981/82); Ato de outorga do título de Doutor “Honoris Causa” a Dom Hélder Câmara (1982).

O movimento feminista que então se organizava e participava ativamente de diversas dimensões das lutas da conjuntura também desenvolveu várias atividades no teatro, dentre as quais destaque-se: encontro promovido por várias organizações feministas, em outubro de 1978, sobre a A organização das mulheres na luta pela democracia; II Congresso da Mulher Paulista em 1980; e III Congresso da Mulher Paulista realizado em 1981.



Outros eventos promovidos por diferentes movimentos, com pautas e reivindicações que se fortalecem no período, também aconteceram no TUCA. Esse foi o caso da Conferência Brasileira de Educação (1980); realizada com a presença de mais de 1400 participantes vindos de 18 Estados brasileiros, que discutiu questões como: A Educação e a luta pela democracia no Brasil; o financiamento da Escola de 1 grau; projetos educacionais para as classes subalternas e de educação popular; e a alfabetização e a educação de adultos; ou então da Semana do Menor realizada em 1979 e do Encontro Nacional dos Direitos do Menor em 1980; e a Semana Pró-Indio com Ato Público convocado pela Comissão Pró-Indio com a presença de D. Tomás Balduíno, em abril de 1980. Também se identificam vários debates e atos envolvendo a reorganização partidária e as lutas pela democratização do sistema político como a realização de Debates de candidatos à eleição para Governador de São Paulo com a presença de Lula e Rogê Ferreira (1982); Debates sobre as Diretas com a presença de Dante Oliveira e encontro para a formação do Comitê Pró-Diretas (1984).





Por fim indique-se que nos anos iniciais da década de 1980 as lutas contra violência continuada da ditadura, a violência institucionalizada e a tortura, e também contra a ação dos grupos de direita continuam a repercutir em mobilizações acolhidas pelo TUCA. Assim registre-se que após a série de mais de 30 atentados, realizados entre 1979 e 1980, pelos grupos de direita como o MAC – Movimento Anti-Comunista e o CCC – Comando de Caça aos Comunistas contra bancas de revistas e sede de órgãos da imprensa alternativa, em 11/08/1980, realizou-se no TUCA um grande ato de repúdio contra os atentados. Outros eventos como o Lançamento do Livro de Flávia Schilling – Querida Liberdade em 3/6/1980, A Semana de Direitos Humanos e o Ato contra Tortura em 1984 .

Em 1984, o Tuca sofreu dois incêndios, em setembro e dezembro que interroperam sua trajetória como espaço de criação artística e resistência política. Com forte reação da comunidade acadêmica e da sociedade em geral, logo se iniciou uma campanha (SOS-TUCA) por sua reconstrução.