A Gestão de Água no Vale de Quibor: Uma Análise Psicossocial de uma Forma Tradicional de Manejo de um Bem Comum.

Jesus Eduardo Canelon Perez

RESUMO
A distribuição e o uso da água têm sido objeto de grandes discussões em nível mundial, como se constata nas conferências e simpósios realizados ao longo dos últimos 25 anos. Como resultado dessas discussões, apareceram várias formas de considerar a administração desse recurso dito indispensável. A partir da leitura das declarações finais de muitas dessas conferências, dos manifestos com posições contrárias a elas e da bibliografia sobre o tema, classifico as várias posturas como hegemônicas, alternativas e intermediárias,tomando como referência as idéias sobre a propriedade da água e sua gestão. Mostro também como tem sido estudada, pelas ciências sociais, a água de irrigação e, como a Psicologia Social pouco tem se interessado pelo estudo dessa temática e de questões sobre o rural.Nesta tese procuro entender o entrecruzamento dos diversos sentidos que circulam a respeito da água de irrigação e sua gestão no Vale de Quíbor, região do semi-árido da Venezuela, buscando subsidiar as políticas locais de gerenciamento da água e contribuir para abrir a discussão sobre a noção de bem comum e o papel da água no contexto dos bens comuns, na Psicologia Social, e, se possível, fornecer subsídios à literatura disciplinar. Trata-se de um trabalho pioneiro nesta área no contexto venezuelano, no qual não foram encontrados estudos semelhantes.
Epistemologicamente e metodologicamente tomo como base a perspectiva do construcionismo social, sustentando o trabalho em 4 (quatro) noções: campo-tema, matriz, análise de interfase centrada no ator e nas práticas discursivas. Com base nessas noções analiso, a partir das falas de juízes de água,agricultores, funcionários e técnicos de instituições e empresas estaduais, de minhas observações no lugar e de documentos de domínio público, a forma tradicional de gestão da água de irrigação em 5 (cinco) fontes de água disponíveis no Vale.
Como elemento importante das formas de gestão – algumas delas são usadas há pelo menos 150 anos -, destaca-se a figura do juiz de água, enraizada nas práticas hispânicas e árabes de administração da água de irrigação. O juiz é parte das formas associativas autóctones, que mostram as capacidades e habilidades das pessoas do Vale para agir de forma coletiva e organizada. Analiso também as negociações,acordos e os conflitos surgidos na distribuição da água, apresentando, para tanto, de um lado a distribuição da água considerada, por alguns, como conflituosas e, por outro lado, como um elemento conciliador e promotor de acordos.
Finalmente, tendo em conta os diversos sentidos atribuídos à água pelos atores, mostro como a água de irrigação pode ser considerada um bem comum, de propriedade coletiva, por juízes e agricultores do Vale, enquanto, para funcionários e técnicos, ela é uma propriedade pública que deve ser administrada pelo Estado, por meio da cobrança do serviço aos usuários. A categoria bem comum apresenta características particulares e de muita relevância na atualidade, sobretudo, num mundo em que parece estar se desfazendo a noção de autoridade do Estado, substituída pelas possibilidades que oferecem os direitos coletivos, abrindo novos espaços de estudo e discussão em relação a essa temática.
O trabalho insere-se na produção do Núcleo de Pesquisa em Organização e Ação Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e foi possibilitado pela bolsa de estudos outorgada pela Universidad Centroccidental “Lisandro Alvarado” (UCLA),da Venezuela.