Linguagem dos Riscos e sujeitos Posicionados: O Uso de Agrotóxicos no Vale de Quíbor, Venezuela.

Milagros Coromoto Garcia Cardona

RESUMO

Partindo do pressuposto que nos diversos de campos de conhecimento se desenham formas de falar sobre os riscos, que são específicas a certas tradições discursivas que se vinculam com determinadas maneiras de gerenciar os riscos, esta tese aborda a questão dos riscos no uso de agrotóxicos, a partir da perspectiva da linguagem dos riscos . Tem como objetivo maior desenvolver novos enfoques de análise para uma problemática amplamente estudada em várias disciplinas, vinculadas à abordagem da psicologia discursiva. Nesse afã, busca contribuir para a compreensão das especificidades da linguagem dos riscos, nas práticas discursivas no cotidiano, segundo o posicionamento de diversos atores na rede de relações que sustentam o uso de agrotóxicos em uma região agrícola do semi-árido ocidental venezuelano. Buscou-se compreender as possibilidades de dar sentido ao risco no uso de agrotóxicos baseados nas experiências cotidianas das pessoas que se vinculam com essa questão, a partir de variadas posições de pessoa nesse jogo de relações: quem compra e usa o agrotóxico, quem vende e promove o uso, quem cuida e trata os efeitos de seu uso, quem se contrapõe ao uso e informa dos riscos, e quem controla seu uso, por meio do estudo do uso de repertórios para dar sentido aos riscos e suas implicações para o gerenciamento/controle desses riscos.

Nas práticas discursivas dos interlocutores do Vale de Quíbor, tradições discursivas são articuladas para falar do risco tanto como evento adverso, como evento positivo. Há uma aproximação de repertórios utilizados na área da saúde e aqueles utilizados pelo discurso da indústria química, existindo uma diferenciação que é marcada pelo uso de repertórios provenientes do discurso ambientalista, que estabelecem a distinção entre riscos e danos. Já o discurso da gestão pública dos riscos se utiliza, principalmente, de repertórios provenientes da epidemiologia e da educação em saúde. Além disso, o risco embutido no uso de agrotóxicos é referido com uma conotação positiva, na medida em que a utilização desse tipo de substâncias oferece benefícios coletivos por possibilitar a produção em grande escala de alimentos que, por outros métodos, seria supostamente impossível de se alcançar. No contexto da produção agrícola, o risco dos agrotóxicos é o centro da ação da promoção e educação em saúde e da promoção do uso sob normas de segurança. No Vale de Quíbor, o controle dos riscos se dá por meio da conjugação de estratégias disciplinadoras e de vigilância, exercidas por meio de ações de treinamento no uso seguro de agrotóxicos que enfatiza, de um lado a higiene e, de outro lado, os dispositivos de segurança. A escola pública é também alvo das ações de treinamento no uso de agrotóxicos, tornando-se meio para alcançar objetivos de manutenção das condições produtivas atuais. Quanto a isso, os desafios estão nas mudanças que tem de vir não somente na forma de produção que existe no Vale, mas também, na forma como a prevenção é pensada e organizada. Como nos posicionar, do lado de quem e para que fins?

O trabalho insere-se na produção do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Práticas Discursivas e Produção de Sentidos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e foi possível graças à bolsa de estudos concedida pela Universidad Centroccidental “Lisandro Alvarado” (UCLA), da Venezuela.