“Torna-se catador: uma análise Psicossocial”

Paula Orchiucci Cerantola Miura

RESUMO:

O aumento do desemprego tem contribuído acentuadamente para o crescimento da ocupação de catadores de material reciclável nas ruas dos grandes e médios centros urbanos brasileiros. Essas pessoas vivem, em geral, à margem dos direitos sociais, excluídas do mercado de trabalho, com baixos índices de escolarização e ausência de capacitação técnica de todo tipo, além de, muitas vezes, terem condições de saúde comprometidas. Sendo assim, a atividade de catar lixo reciclável representa uma certa forma de inserção social. O lixo e a catação se constituem, então, no centro de suas vidas, em suas relações e emoções, sofrimento e alegria.

O presente trabalho tem como objetivo investigar como o processo de exclusão–inclusão social se particulariza no dia-a-dia desses catadores, desde o início de sua história de exclusão, nos âmbitos familiar e escolar, até a atual ocupação; analisa relações interpessoais (vínculos e rupturas), sofrimentos, sentidos, afetos e, também, a relação saúde–doença como uma das dimensões reveladoras de sofrimento. As informações obtidas foram registradas em diário de campo e gravador, tendo a pesquisa sido realizada por meio de observação participante e entrevistas semi-estruturadas. Na observação participante, a pesquisadora acompanhou os catadores em suas atividades cotidianas de trabalho e nos encontros da categoria.

A análise dos dados revela que a história de vida dos catadores é toda marcada pela exclusão social, e a atual ocupação é, em si, na realidade, mais um sofrimento, dentre outros já sentidos em épocas anteriores. As emoções mais freqüentes são a vergonha e a humilhação, decorrentes sobretudo da discriminação e do preconceito. Em contrapartida, tornar-se catador pode ser também fonte de alegria. De um lado, por motivo ético, ou seja, pela possibilidade de o indivíduo recuperar a própria dignidade ao se inserir e ser reconhecido socialmente como trabalhador honesto, distinto de mendigos e de bandidos. De outro lado, por lhe dar a oportunidade de organizar-se e mobilizar-se coletivamente na luta por melhores condições de trabalho e de vida, traduzida na insistência do grupo em oficializar nacionalmente este trabalho como profissão ou, ainda, em mudanças na própria rotina da catação de material reciclável, que pode se tornar menos isolada, mais organizada, mais limpa e rentável. Além disso, revelam sentir alegria quando essa atividade lhes permite obter itens até então inacessíveis, como, por exemplo, eletrodomésticos achados às vezes no lixo. Sobre a questão da saúde, esses catadores não acreditam que o trabalho de catação seja de fato um risco. Risco à saúde, para eles, é sobretudo não ter comida na mesa, não ter lugar para morar, nem roupa para vestir. Alegam que as doenças físicas provocadas pelo trabalho no lixo podem ser tratadas; já para

conclui-se que tornar-se catador, principalmente se participante de um grupo organizado, é uma possibilidade de potencialização da vida para aquele que se via excluído do mercado de trabalho e sem opções, prejudicado no que se refere à escolaridade e à preparação técnica.