“Os sintomas da Migração – A história e a Cultura na clínica do migrante”

Taeco Toma Carignato

RESUMO

Este trabalho é continuação da minha dissertação apresentada ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da PUCSP, em 1999 . Na ocasião, procurei analisar as incidências subjetivas de dois movimentos migratórios: a imigração dos japoneses no Brasil e a emigração dos brasileiros ao Japão. Procurei identificar a relação das rupturas e inserções traumáticas dos japoneses na sociedade brasileira com a emigração posterior de seus descendentes brasileiros ao Japão. Concluí que os graves episódios psíquicos e sociais – que chamo de sintomas – apresentados por alguns dos novos emigrantes articulam-se com a herança cultural e a transmissão psíquica das experiências traumáticas não elaboradas de seus antepassados.

Dessa forma, no doutorado, tendo ainda por base o fundamentos teóricos, epistemológicos e metodológicos psicanalíticos, tomei como objetos de pesquisa o dekassegui e seus sintomas. O que mais me chamava atenção nos dekasseguis nipo-brasileiros era o fato de alguns deles apresentarem quadros sintomáticos agudos com fenomenologia semelhante às das psicoses. A teorização e a experiência clínica psicanalítica levaram-me a questionar os diagnósticos de “transtornos psicóticos breves” ou “transtornos psicóticos agudos transitórios” , descritos respectivamente no DSM-IV e CID-10. O que poderia responder, então, por essa alta incidência de sintomas de aparência psicótica nesses migrantes? Seriam sujeitos com uma estrutura psicótica? Não encontrava motivo razoável para supor que os movimentos migratórios incluíssem uma porcentagem necessariamente maior de sujeitos com essa estrutura clínica.

Daí a minha hipótese de que o sujeito, em determinadas condições de migração, apresenta sintomas semelhantes aos da psicose mesmo tendo estrutura neurótica. Da mesma forma, o migrante pode transgredir as leis sociais ou tornar-se delinqüente sem ter estrutura perversa. Nesse sentido, em alguns casos, suponho que os atos de transgressões e delinqüência constituem-se em passagens ao ato . Então, uma das interrogações que pautaram a minha pesquisa foi: quais são as condições de migração e culturais que facilitam a emergência de passagens ao ato e de transtornos psíquicos que, na aparência, podem apresentar sintomas perversos ou psicóticos?

A minha tarefa, nesta pesquisa, foi articular as manifestações sintomáticas observadas nos migrantes nipo-brasileiros no Japão (particularmente as de conteúdo persecutório, as transgressões às leis sociais e as condutas delinqüentes) com as condições especiais desse sujeito migrante: a condição subjetiva, os traços culturais japoneses e nipo-brasileiros e a transmissão, pelos antepassados japoneses imigrantes ,de rupturas traumáticas não elaboradas psiquicamente.

Então, retomei alguns dos estudos sobre as migrações entre Brasil e Japão, realizados durante o mestrado e acrescento outros. Estudo as condições dos trabalhadores brasileiros no Japão, por meio de pesquisa em publicações nipo-brasileiras que venho realizando desde 1996. Analiso, sob o ponto de vista da clínica psicanalítica, os sintomas que acometem os dekasseguis , apresentando dois estudo de casos. Também enfoco aspectos das culturas japonesa e nipo-brasileira, articulando-os com os processos de migração e as especificidades dos sintomas manifestados.

Carignato, Taeco Toma (1999), Passagem para o desconhecido. Um estudo psicanalítico sobre as migrações entre Brasil e Japão. Foi publicado com auxílio da Fapesp pela Editora Via Lettera, em 2002.

Entendo por “incidência” o que sobrevém sobre o sujeito migrante e, na forma metafórica, o que dá significação a um ato, no caso, o ato da migração.

Tomo o termo sintoma em seu sentido geral aplicando-o também às situações psicossociais, como a delinqüência e às manifestações psíquicas na psicose, tais como os delírios e as alucinações. Dessa forma, destaco o sentido que Lacan (1957-1958) atribuiu ao sintoma, ou seja, tudo o que é analisável. [Lacan, Jacques (1957-58), As formações do inconsciente . O Seminário. Livro 5. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1999, p. 331.

Trabalhador que deixa a sua terra para trabalhar e retorna ao lugar de origem.

Kaplan, Harold J., Sadock, Benjamin J. e Grebb, Jack A. (1997), Compêndio de psiquiatria. Ciências do comportamento e psiquiatria clínica. 7ª ed. Porto Alegre, Artes Médicas, pp. 489-492.

Organização Mundial da Saúde (coord.) (1992), Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre, Artes Médicas, 1993, pp. 97-102.