KETY VALÉRIA SIMOES FRANCISCATTI
A MALDIÇÃO DA INDIVIDUAÇÃO: REFLEXÕES SOBRE O ENTRELAÇAMENTO PRAZER-MEDO E A EXPRESSÃO LITERÁRIA
RESUMO
Esta pesquisa de doutoramento, com base na teoria crítica da sociedade, tem como objetivo discorrer sobre o paradoxo da maldição da individuação – os sofrimentos vividos por se estar entre as (im)possibilidades de sofrer o outro e se diferençar – como decorrência do fracasso da cultura que impede e mutila o movimento formativo do amor, focalizando sua reflexão no entrelaçamento do prazer e do medo e nas potencialidades da expressão literária. As argumentações sobre estes dois focos podem ser descritas em duas perspectivas que se entrecruzam. A primeira busca evidenciar os danos da repressão sexual e da renúncia erótica ao processo de formação do indivíduo, problematizar e pensar as manifestações de destruição como proveniente dos impedimentos culturais ao movimento do amor, da não fruição da beleza, da mutilação dos sentidos, da estupidez da razão e do conseqüente endurecimento do ego. A segunda procura mostrar a experiência estética proporcionada pela literatura (do artista e do receptor) como condição privilegiada de contato e de reflexão sobre o objeto desta pesquisa (a maldição da individuação), e considerar o potencial da expressão literária, sem recair no psicologismo, como um movimento que envolve três dimensões concomitantes: como testemunho, por manifestar os sofrimentos injustificados, como resistência, por conter o ódio (a destruição do objeto), e como possibilidade de transformação do existente, por também guardar estilhaços que podem iluminar saídas deste estado, centelhas e vestígios para se ir além da destruição.
Estão predominantemente sistematizadas formulações teóricas dos autores frankfurtianos Adorno, Horkheimer e Marcuse; de Freud; e selecionados trechos literários de escritores da língua portuguesa: do Brasil, Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu; de Portugal Fernando Pessoa (ele mesmo e sob os heterônimos de Álvaro de Campos e Bernardo Soares) e José Saramago. Entretanto, o status conferido aos escritores é diferenciado. Os trechos literários de Lispector estão no centro das reflexões; busca-se a interlocução dos outros escritores citados, com destaque para Abreu, para articular a discussão e a consecução do objetivo proposto. Também por esse motivo, há uma certa relevância na presença de um outro escritor: Fernando Sabino, com o qual Lispector trocou correspondência durante anos. Não há pretensão de discutir a totalidade da obra destes escritores, os trechos destacados (contos, romances, poesias e cartas) são trabalhados como representantes da expressão artística nas dimens&otil |