CÉLIA MARIA ESCANFELLA

LITERATURA INFANTO-JUVENIL BRASILEIRA E RELIGIÃO: UMA PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO IDEOLÓGICA DA SOCIALIZAÇÃO

Resumo:

Este é um estudo exploratório sobre a produção de literatura infantil no contexto religioso católico com o objetivo de contribuir com o atual debate sobre a construção social da infância brasileira. Para tanto foram confrontados, com base em análise comparativa, 30 livros de literatura infantil do período de 1976 a 2000, 15 deles publicados por editoras laicas e 15 por editoras católicas. Os livros foram selecionados, de forma randômica, do depósito legal efetuado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Algumas das questões que nortearam o estudo foram: 1) Estaria ocorrendo um processo de laicização da literatura infantil? 2) Estaria ocorrendo uma reordenação ou diminuição do sagrado ou da magia na literatura infantil; 3) As editoras católicas estariam processando as transformações observadas na sociedade e no universo acadêmico quanto à concepção de infância, mediadas pelo debate em torno de uma nova concepção de socialização? Para a construção dessa tese, mostrou-se adequado tomar como base a discussão em torno da midiação da cultura moderna, o conceito de ideologia e a metodologia da Hermenêutica de Profundidade, conforme os define John B. Thompson, complementados pela sistematização de conhecimentos de diversos campos de saber, como Sociologia da Infância, Literatura Infantil e Sociologia da Religião. A análise confirmou uma tendência à laicização da literatura infantil, sugerida em pesquisa anterior, e permitiu observar, no último período da amostra (de 1995 a 2000), uma mudança no cenário de editoras católicas que produzem literatura infantil, com avanços nas concepções de infância e de socialização em textos de algumas editoras, porém com manutenção de padrões tradicionais em outras. Os resultados permitem afirmar que predomina principalmente nos textos de editoras católicas uma visão utilitária, e, por vezes, idealizada, com o objetivo de ensinar determinados valores como bondade, fraternidade e obediência, ou transmitir valores cristãos, bem como uma tendência mais intensa a uma representação assimétrica das relações de gênero e raciais. Porém, na produção de ambas as categorias de editoras — católicas e laicas — observa-se um fenômeno similar: a utilização do universo fantástico, com a ancoragem na produção literária para crianças de tradições mágicas.