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Apresentação:

Ambivalente, contraditório, ambíguo, o relato fantástico é essencialmente paradoxal. Ele se constitui sobre o reconhecimento da alteridade absoluta à qual ele supõe uma racionalidade original, “outra”, precisamente. Menos que a derrota da razão, o fantástico retira seu argumento da aliança com a razão, com aquilo que ela recusa habitualmente .
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O relato fantástico é, conforme a sugestão de Henry James, em The Turn of the Screw, a primeira volta de um parafuso infinito. (Irène Bessière)


Abrimos Fronteiraz 3 com essa instigante reflexão de Irène Bessière sobre o fantástico, no capítulo 1 de seu livro  Le récit fantastique – la poetique de l’incertain (1974), que a autora gentilmente nos cedeu para tradução, por intermédio do Prof. Biagio D’Angelo, e que oferecemos aos nossos leitores, em primeira mão. Entendido por ela como um modo literário e não um gênero específico em cuja formação hibridizam-se duas das formas simples estudadas por André Jolles (Formas Simples, 1930) – o caso e a adivinha – é o fantástico, universo complexo e alvo de concepções as mais variadas, o tema em torno do qual se concentrará  este número 3 de Fronteiraz.

 Em sintonia com a temática, o nosso entrevistado, o premiado escritor Ignácio de Loyola Brandão, revela-nos, com lucidez e clareza invejáveis, o modo como o fantástico foi uma ferramenta literária para o seu trabalho, especialmente na década de 70, em plena ditadura militar. Essa, dentre outras histórias fascinantes, como a da orelha que crescia sem parar, a da audição da voz das formigas, ou ainda as suas experiências no jornalismo como cronista demonstram a arte desse narrador capaz de nos brindar com momentos de prazer estético que nos seqüestram da fugacidade e do pragmatismo da vida cotidiana pelo tempo que durar a escuta saborosa dessa voz.

Ao redor desse centro, reúne-se um número significativo de artigos que se posicionam de maneiras diversas frente ao fantástico, seja pelo viés teórico, à luz de concepções que vão do neofantástico às tensões com o maravilhoso, seja pela crítica literária nos seus estudos sobre os modos de operação dessa matriz por uma gama diferenciada de escritores como: Poe, Borel, Ângela Carter, Murilo Rubião, Guimarães Rosa e Lygia Fagundes Telles. Não se pode deixar de destacar, também, o estudo (Do enredo de um nome: Märchen, Maere, Maerlin) focado sobre a recepção dada a uma palavra – märchen – presente no título da clássica coletânea dos Grimm - Kinder-und Hausmärchen (Märchen para as crianças e para o lar) - cujo sentido de maravilhoso foi sendo alvo de controle ao longo do tempo, até se reduzir à moralidade e ficar circunscrito ao território do conto de fadas, voltado para a edificação moral do público infantil.

 Não menos interessante é o espaço dialogal proposto pelas duas versões de O Bloqueio de Murilo Rubião, em livro e em curta-metragem, uma realização de Cláudio de Oliveira, em 1998, como trabalho final do curso de Cinema e Animação da Escola de Belas-Artes da UFMG.

Nas zonas fronteiriças a esse núcleo central, destacam-se, em Territórios Contemporâneos, três resenhas sobre escritores bastante conhecidos do público – desde os veteranos Décio Pignatari e Chico Buarque até o mais jovem Marcelino Freire -, que despontam no cenário atual com livros – Bili com limão verde na mão, Leite Derramado e Rasif, mar que arrebenta - que criam  novas dimensões para essa arte milenar da narrativa.

Finalmente, na seção Estudos, inaugura-se a primeira de uma série de estudos sobre o medievalista, escritor e estudioso do fenômeno da voz, Paul Zumthor (1915-1995), aqui alvo de uma prática de leitura-escritura inspirada em Barthes e centrada em 4 núcleos conceituais - voz, voz poética, voz e escrita poética e leitura silenciosa do poético - que, a partir de seu livro Performance, recepção, leitura (1990) se espraiam por várias de suas obras. Intimamente ligado a esse campo conceitual, o estudo sobre a poética vocal dos índios guaranis ressoa a voz nômade de Zumthor, com a qual fechamos-abrimos esta Apresentação:



 Palavras, tendas nômades armadas
ao longo de uma vida
reunidas, acampamento de uma noite.
                                                          (Paul Zumthor)