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Apresentação:

O foco temático deste número 4 de Fronteiraz, cuja temática é a utopia na literatura, reúne em torno de si 18 artigos de pesquisadores vindos das mais variadas regiões do Brasil, além de especialistas especialmente convidados, os Prof. doutores Orlando Grossegesse  da Universidade do Minho, Fátima Vieira da Universidade do Porto e  Ildney Cavalcanti da Universidade Federal de Alagoas, que, juntamente com Vera Bastazin, organizadora deste número, puderam trazer suas valiosas contribuições para uma reflexão  diversificada e atual sobre a temática, seja no plano da escrita literária como lugar utópico, seja no de uma perspectiva comparativista ou, ainda, no caso da literatura contemporânea, no lugar ocupado pela distopia.
Os artigos desenham um espectro bastante amplo de formas literárias utópicas, desde  a sua raiz modelar na Utopia de Thomas More de 1516, até seus desdobramentos ao longo dos séculos XVII, XIX, XX e XXI. Nesse território  múltiplo, é possível detectar 5 núcleos de enfoques críticos para a temática:
O primeiro deles investigará os constituintes teóricos dessa “poética do perfeito” e os   desdobramentos do texto modelar de Thomas More em outros como: A Terra Austral Conhecida (1616) de Gabriel de Foigny, A Tempestade (1623) de Shakespeare  e O Presidente Negro (1926) de Monteiro Lobato.
O segundo se deterá nos vínculos entre utopia e identidade nacional  no poema Hino de 1919 do poeta matogrossense D. Aquino Correa, no romance Nós os do Makulusu, de 1975, do angolano Luandino Vieira, e no épico nacional finlandês Kalevala, publicado em 1839 a partir de poemas e canções populares da tradição oral.
O terceiro conjunto se concentrará em trabalhos que investem na outra face da utopia, o seu anverso distópico, presente quer no Admirável Mundo Novo (1932) de Aldous Huxley, quer na versão futurista do amor em tempos de distopia – o romance inglês The stone gods (2007) de Jeanette Winterson – ou ainda no conto contemporâneo brasileiro Os sobreviventes (1982) de Caio Fernando Abreu, no qual há ainda restos de uma utopia que sobrevive em meio a um terreno movediço com alta densidade distópica.
O quarto núcleo, por sua vez, dedica-se à perspectiva da utopia pelo viés da escritura seja para deter-se conceitualmente no significado dessa correlação, seja para erigir cidades e entrelugares como a Lisboa- Livro de Bordo (1997) de José Cardoso Pires, seja ainda para a criação de espaços como os de A Caverna e A Jangada de Pedra, que nascem da configuração alegórica da narrativa de Saramago. É aqui também que a utopia se configura por meio da resistência da voz poética de Eliot na Inglaterra e de Mário de Andrade, Drummond e Manoel de Barros no Brasil, a nos dizer que a escrita literária é um território feito de palavras e não-palavras, gestos, sons e silêncios que são corpos vivos que resistem ao pragmático e ao ritmo veloz da modernidade que tudo consome no seu apetite voraz. É isso que o poema drummondiano –Procura da Poesia - presentifica no aqui e agora desta (re) escrita que se faz também (re)leitura:

(...) Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
Com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave? (...)
(A Rosa do Povo,  1943-1945)

Finalmente, no último núcleo, o utópico surge vinculado ao maquinário impossível, como acontece com Locus Solus (1914) de Raymond Roussel que, embora afirme compor apenas textos baseados em imaginação pura, consegue imprimir um caráter verossímil aos estranhos mecanismos tidos por “maravilhas” para os estudiosos de sua obra. E é justamente essa utopia das “máquinas potenciais” de Roussel que acaba nos oferecendo um precioso link para a matéria de abertura: a palestra de Lúcia Santaella, uma das mais respeitadas pesquisadoras das tecnologias digitais, refletindo com muita lucidez e inventividade sobre o futuro da literatura no universo das novas mídias digitais configuradoras de um tempo-espaço líquido e emergente, aparentemente adverso à duração que a  percepção estética exige.
Nas margens desse centro temático, não poderíamos deixar de apontar para o leitor, na seção de Resenhas, as duas que lá se encontram: a primeira,  Premiação para livros que envelhecem, focaliza o livro O Fazedor de Velhos, prêmio Jabuti de 2009, onde a interpretação da velhice se faz por perspectivas inusitadas em se tratando de uma narrativa destinada ao público juvenil: velhice que advém não apenas do amadurecimento trazido pela idade, mas também da vivência da literatura; trata-se de um livro sobre a formação do leitor e do próprio escritor por meio dessa “arte de fazer (fabricar) velhos”, isto é, a capacidade de ampliação do espectro perceptivo por meio da educação estética. A segunda resenha - A inquietação literária e o olhar científico: o método de Antonio Candido diante da incógnita de Caramuru – se debruça sobre o método investigativo que subjaz ao texto crítico de Antonio Cândido, demonstrando que a pesquisa científica em literatura é uma realidade palpável cujo método, embora se paute por elementos de base de qualquer investigação – tema, problema, hipótese, fundamentação teórica, etc –, tem algo que o singulariza devido à natureza de seu objeto e daí a heurística torna-se a chave mestra, como tão bem nos alertou Valéry ao discorrer sobre a analógica, o método criativo de Leonardo da Vinci.
Para finalizar, uma chamada para a seção Estudos onde em Formas da memória: um estudo sobre o autobiografismo as intrigantes fronteiras entre memória e autobiografia desafiam aquele pesquisador que deseja se debruçar sobre as “escritas do eu”.

Maria Rosa Duarte de Oliveira
Editora responsável