Editorial

Caríssimas leitoras, caríssimos leitores, com imensa satisfação apresentamos o volume 19 de Último Andar, Caderno de Pesquisas em Ciências da Religião, que representa mais um passo importante no resgate da periodicidade de nossa publicação. Abrimos esta edição com o Dr. Frank Usarski, professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências da Religião. Em entrevista concedida à Último Andar, Usarski reflete sobre a identidade epistemológica da Ciência da Religião brasileira, suas possibilidades de inserção social e as perspectivas profissionais que se apresentam aos formados na área.
A seção Artigos traz os trabalhos resultantes das apresentações feitas no III Congresso Discente da PUC-SP, realizado em Outubro de 2009. Tratam-se das pesquisas expostas no Simpósio "Aos Mortos: cultos, rituais e devoções nas matrizes indígenas, afro-brasileiras e populares, e suas inserções sociais", organizado pelo Dr. Ênio José da Costa Brito, também professor do PEPG em Ciências da Religião.
Em Desejo de continuar a ser vivo, Marcelo Soares de Oliveira reflete sobre a importância das devoções populares como elemento constituinte da identidade dos fiéis; identidade diante de uma sociedade assimétrica e que muitas vezes nega ao devoto seus direitos e oportunidades fundamentais; identidade que não se resume ao aqui agora da existência presente, mas que procura por meio do exemplo de vida e da fé nos santos populares, como São Francisco das Chagas de Canindé (Ceará), estabelecer a esperança de uma vida plena, que tem na angustiante expectativa da morte seu limiar. O autor percebe que as devoções propiciam ao fiel inverter, mediante o imaginário, a realidade: seria a "outra" vida, além da morte, a vida real, onde os sofrimentos e decepções da vida atual seriam completamente superados?
Representações do poeta popular: uma mediação da morte, por Claudio Santana Pimentel, discute a importância sócio-cultural dos poetas populares no Nordeste brasileiro, a partir da análise das ressignificações da poesia popular realizadas por Ariano Suassuna. O poeta é tido como o representante, por excelência, da tradição cultural e religiosa popular; seus versos sintetizam o conhecimento do povo nordestino sobre o transcendente e seu esforço para resistir ao absurdo provocado pela morte. A poética popular (aqui mediada pela reinterpretação de um autor erudito) nos lança diante de uma das questões fundamentais da religião: pode a vida ter sentido, e pode haver esperança, apesar da morte? A resposta, mais uma vez, vem da tradição cristã, mas se resolve surpreendentemente, mediante o feminino, tido como causa de pecado e morte, mas também fonte de vida e redenção.
Jane Rodrigueiro em O "Bem Morrer" Uma construção social da morte no Rio de Janeiro nos séculos XVIII e XIX, examina a construção social da morte no Rio de Janeiro colonial e imperial, indagando o conhecimento e as práticas do catolicismo a partir de dois modelos de documentação: os manuais de "bem morrer" elaborados pela Igreja e os testamentos deixados por pessoas de diferentes segmentos sociais. A autora procura, dessa maneira, compreender as transformações das práticas culturais que permitiam lidar com o fenômeno da morte, em uma sociedade em que, diferentemente da praxe atual, havia uma pedagogia e uma preparação cultural e existencial no trato da morte, realizando um criativo diálogo entre Religião e História.
Luís Cláudio Cardoso Bandeira, em A morte e o culto aos ancestrais nas religiões afro-brasileiras, analisa e compreende a articulação entre mito e ritual no Candomblé; os discursos e práticas sobre a morte são compreensíveis, desde a totalidade da cosmovisão simbólica afro-brasileira, e, a partir desses mitos e ritos torna-se também compreensível a relação indivíduo-comunidade e indivíduo-transcendente, nas diferentes nações africanas que contribuíram para a realização da síntese religioso-cultural afro-brasileira, relações em que se pretende uma plenitude de significado que não se esforça – como modernamente, para negar ou postergar ao máximo a morte – mas em que esta é festejada como momento pertencente à vida.
Brígida Carla Malandrino, em Os mortos estão vivos: a influência dos defuntos na vida familiar segundo a tradição bantú, discute a importância da ancestralidade para a continuidade da tradição bantú, especificamente, no contexto de Moçambique. Em situação de diáspora, de transformação e de descontinuidade dos elementos culturais e religiosos, a relação com os antepassados revelou-se fundamental para a permanência da tradição religiosa bantú, como demonstra a autora, sendo um dos componentes fundamentais de sua sobrevivência cultural. Permanece em aberto o questionamento sobre as estratégias de ressignificação e de negociação com a cultura ocidental que essa tradição empregará em seu esforço para permanecer; indagações semelhantes podem ser realizadas em outros contextos, como nas religiões de matriz africana no Brasil e nas religiões populares.
Completa este volume a Resenha em que Gilmar Gonçalves da Costa analisa a obra Religião, identidade e diálogo: experiência intercultural de um jovem africano negro, de Waway Kimbanda Rufin. Questões como a identidade cultural e religiosa de indivíduos em situação diáspórica, abrem caminho para outras, que dizem mais respeito ao método da Ciência da Religião do que diretamente ao objeto: como o cientista da religião pode elaborar estratégias metodológicas que lhe permitam compreender adequadamente a complexidade e a riqueza (e as próprias contradições) resultantes das negociações interculturais e interreligiosas?
Portanto, oferecemos ao público um volume em que apresentamos parte das indagações e das pesquisas que têm sido realizadas em nosso Programa, em que questões de método e temáticas se interrelacionam. Lembramos que este espaço está aberto para a colaboração dos estudantes de nossos cursos de Doutorado e Mestrado, e, também, para o intercâmbio com estudantes de outros Programas em que se investiga o fenômeno religioso, nos seus diversos aspectos.

Nosso desejo de uma proveitosa leitura.

Comitê Editorial.


Comitê Editorial
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