|   EL SECRETO DE SUS OJOS (O segredo de seus olhos )    2010Liliana Liviano Wahba
 O filme é adaptação do romance  de Eduardo Sacheri - que assina o roteiro junto ao diretor -,   e trata de uma história na qual os fatos  externos simbolizam elementos chave da busca interior do personagem.
 
 Um romance, uma trama  policial, uma trama política, o drama de cada participante da história;  os ingredientes compõem um sensível relato em  que memórias, desejos, tormentos revelam-se em falas e silêncios. Silêncio este  que gira em torno de uma falta, a falta que acompanha cada existência humana e  lhe confere um lastro, mas também um sentido.
 
 O pano de fundo político social  dá-se de início em 1974, época de comoção na Argentina antes da ditadura  militar. Perón retorna à presidência com sua nova mulher, Maria Estela Martínez  de Perón (Isabelita) que assume a vice-presidência. É empossada em 1974 logo  após a morte dele. Até ser deposta em 1976 exerce um mandato conturbado e deixa  o país em caos econômico e social, com violentas lutas entre extremas esquerda  e direita. Com a censura, a inflação na economia, a dívida externa que aumenta  terrivelmente, a paralisação de investimentos, o país beira o desastre. Seu  braço direito e íntimo conselheiro é José López Rega (El Brujo), fomentador de  desfalques e injeção financeira para a Alianza  Anticomunista Argentina, a Triple A,  responsável por torturas, assassinatos e todo tipo de desmando. A extrema  esquerda, por sua vez, seqüestra, mata, provoca atentados, o que deixa  a população em pânico.
 
 Nesse clima impera a  inoperância administrativa e pessoas medíocres e truculentas ascendem em cargos  de confiança, assim como é retratado no filme. Isabelita nomeia o general  Jorge Rafael Videla comandante do Exército,  para ajudá-la com o fortalecimento da cúpula militar e medidas de força. Em  1976 ela é deposta por um golpe de Estado e inicia-se a sangrenta ditadura  militar de Videla até 1981.
 
 O assassinato da jovem  mulher e o futuro sombrio de seu esposo, jamais recuperado da interrupção  violenta de um casamento feliz e da brutalidade sádica à qual ela foi submetida  antes de morrer, é também uma metáfora da aviltada e maltratada nação entregue  a um bando de sádicos e a depressão impotente dos cidadãos, os quais sofrerão  perdas de toda índole e lutos concretos.
 
 A pergunta subjacente é aquela  que o ser humano se faz perante o mal: quem o testemunha? O olhar do  protagonista, o da câmera, o nosso, acompanham a história e a gravam em  imagens. Os fotogramas do cinema, da imaginação, das memórias registradas, as  perguntas sem resposta que permanecem abertas, o espanto e a saudade, a  brutalidade gratuita no limiar da mais pura beleza. Será possível sobreviver  após o testemunho do horror?
 
 O fio condutor é  a procura do protagonista, após trinta anos,  de algum sentido, de algum desfecho possível de sua história de amor, a qual  está entrelaçada com um crime gravado no olhar que não pode apagar a gratuidade  da violência e a indiferença do destino em relação aos personagens que fere.
 
 Benjamín Espósito é oficial  de justiça sob a chefia de um juiz corrupto e acomodado, cujo interesse pela  justiça é  a última de suas preocupações.  A jovem Irene entra nesse ambiente com ideais, moça de família, protegida,  ainda acreditando que os princípios delimitam ações e conseqüências. Sua vida  tenderá ao convencionalismo, a paixão demora a ser integrada.
 
 Já, Benjamín, é por ela  consumido. À medida que sua paixão cresce acha-se mais distante de Irene e da  possibilidade de restaurar pelo menos alguma justiça, ainda que irrisória  perante o mal feito. A identificação do assassino não garantiu sua prisão; em  uma sociedade corrompida as tramitações transgridem a moral, os psicopatas  perversos tornam-se valiosos instrumentos imunes a escrúpulos inibidores. O  assassino, ao invés de punido, é premiado.
 
 O sentimento de impotência  da testemunha, de incredulidade e a perda de confiança nos valores humanos  impregna no personagem apaixonado uma marca de ferro que inibe sua declaração.  A trama desvendada ante nós mostra cruamente que nesse espaço o amor não pode  vingar, e o duplo sentido da vingança adquire trágica conotação, Morales não  vinga sua esposa morta, Benjamín não se sente à altura de Irene e falta-lhe  coragem para afirmar o amor.
 
 Casar-se-á ela com uma  figura de prestígio, um nome; as  aparências em essa sociedade onde tudo desmorona ainda imperam. Benjamín não  possui um nome. Espósito.
 
 De expositus: esposto. Existiam antigamente as casas de expósitos,  onde as mães que não podiam ter os filhos deixavam seus bebês para serem  recolhidos pelas freiras. Verbos expono, exponere, significa  "por para fora” “atirar”. Após a II Guerra na Itália e na Espanha davam-se  esses sobrenomes a órfãos de pais desconhecidos. Na Espanha os atribuíam às  crianças deixadas, costume também na Argentina de começo de século. Uma lei  promulgada em 1921 permitia a mudança de nome para não carregar esse estigma. O  costume caiu em desuso.
 
 Seja por provir de antepassado órfão, ou por ele mesmo ter sido  abandonado - não sabemos, pois não se menciona, a não ser o lamento e a  humilhação de não poder oferecer um nome, status -, Benjamín Espósito vive a  ferida do abandono simbolicamente. Sua procura apaixonada e dolorosa é, em  última instância, o desejo de recuperar uma origem. Perdido, não consegue  concretizar sua paixão.
 
 A paixão que move a vida, que se mantém acessa ainda que escondida e  abafada. “Um sujeito pode mudar tudo, seu rosto, sua casa, sua família, sua  namorada, sua religião, seu deus. Mas há algo que ele não pode mudar. Ele não  pode mudar sua paixão”; declara Sandoval.
 
 Entre a jovem que morreu e a mulher presente, dá-se o confronto entre o possível  em oposição ao impossível, a vida ceifada, que não voltará, e a redenção esperada.  A morte da moça, no viço de sua plenitude, promessa de frutos por vir, raios de  luz que a iluminam: imagem de uma anima perdida, enterrada e violentada. A  jovem nubente congelou-se, mutilada; a sensualidade, o corpo do desejo,  esmagado. No rosto dilacerado fechou-se o último olhar, testemunho do adeus ao  amor, da impossibilidade da paixão. Assim, Irene, real, jamais será alcançada,  fundida à outra, morta, inatingível, vítima da brutalidade humana, da crueldade  que fere e joga os dejetos em um depósito qualquer. Expositus.
 
 Ainda que os culpados sejam afinal castigados, carcereiro e prisioneiro  unidos pela mesma sina, sem futuro, os crimes não se redimem. A redenção é de  outra natureza, impregnada no mesmo olhar que testemunhou o horror, o  descongelar das memórias.
 
 Benjamín, na maturidade, é atormentado pelas lembranças e necessita  escrevê-las e revivê-las, encontrar na imagem que o persegue sua interioridade  estraçalhada, necessita compreender o que o afastou de Irene e de sua chama  apaixonada. Assim, a jovem que morreu e que levou a juventude dele junto,  abre-lhe a passagem para, ao voltar-se para si, poder encontrar o outro.
    » Oscar filme estrangeiro 2010.........
 
 EL SECRETO de sus ojos. Direção:  Juan José Campanella. Direção de produção: Muriel Cabeza. Buenos Aires,  Argentina, 2009. Cor, Dolby digital. 127 min.
 
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