| I Simpósio
 Entre  a Psique e a Matéria - Novas Conexões
 7  de novembro de 2003
 
 AberturaProfª. Dra. Denise Gimenez Ramos
 Entramos no século XXI com a questão, talvez mais intrigante  entre todas, muito pouco esclarecida: como é que matéria e psique se relacionam?  Esta pergunta, que tem sido objeto de estudo desde os primeiros filósofos até  os cientistas de ponta de nossa era, está longe de ser respondida. Várias  tentativas têm sido feitas, inclusive por S. Freud, que em 1895 tentou  construir um modelo neurocientífico da mente. No seu projeto para uma  psicologia científica, o grande mestre tentou estabelecer a natureza do  relacionamento entre o cérebro e a mente. No final, foi obrigado a desistir  deste projeto ao perceber que a maioria dos conceitos fundamentais sobre os  quais se baseava não passavam de mera especulação. O argumento da época era que  a biologia não era suficientemente avançada para ser útil à psicanálise. Mais  de um século passou e apesar do incrível progresso nas ciências biológicas, um  grande número de psicanalistas ainda continua a manter o ponto de vista de  Freud, às vezes até de um modo mais radical. Alguns afirmam, por exemplo, que a  ciência da mente e a ciência do corpo usam linguagens, conceitos e instrumentos  tão diferentes que não é possível unificar essas ciências numa linguagem comum.  Outros, entretanto, buscam na interdisciplinaridade a formação de um campo  fértil de idéias com a expectativa de se propor um novo salto no conhecimento.
 Nesse sentido, o Núcleo de Estudos Junguianos do Programa de  Pós-Graduação em   Psicologia Clínica da PUC-SP tem sido um dos centros  pioneiros ao promover um debate com cientistas das áreas da física, neurologia  e psicologia.
 
 O diálogo entre a física e a psicologia não é novo para os  junguianos. É bem conhecido o relacionamento de C.G.Jung com A. Einstein e  Wolfgang Pauli. Se a física newtoniana pressupunha um objeto a ser estudado  fora da psique, a física quântica questionou essa “objetividade” e afirmou que  toda observação depende da posição do observador, trazendo a subjetividade, da  qual a psicologia tentou tanto se livrar, de volta para a física. Do mesmo  modo, o reducionismo da neurologia do século passado e a crença no domínio da  genética estão dando lugar à neuropsicologia e à hipótese de que o gen pode  sofrer mutações devido ao estresse psicológico. Portanto, o que iremos assistir  daqui para frente não é mais se esses campos se relacionam, mas sim como eles o  fazem.
 
 C.G. Jung afirmou que o inconsciente  coletivo contém toda a herança espiritual da evolução da humanidade renascida  na estrutura cerebral de todo individuo e que a separação da psicologia da  biologia é artificial porque a psique humana vive numa união indissolúvel com o  corpo. De modo que a cisão entre a mente e o corpo começa agora ser sanada.  Mas, para isso é necessário compreendermos que a psique e a matéria são  fenômenos inter-relacionados e não reduzíveis uns ao outro. Usando uma  metáfora, poderíamos dizer que embora a música dependa de um instrumento, ela  não é reduzível a matéria da qual é feito o instrumento. Do mesmo modo que o  piano não faz a música, a matéria do cérebro não faz a psique, mas um não  existe sem o outro. Assim como a música, poderíamos falar que toda produção  humana é produto de um fator que transcende a matéria e a própria consciência,  isto é, o símbolo, fator básico na construção do ser humano e da cultura.
 
 Portanto, é com grande satisfação, frente a um auditório  lotado, que iremos participar do esforço de cientistas de traduzir as últimas  descobertas de seu campo numa linguagem comum.
 
 Prof. Alberto Pereira Lima Filho: É com imenso prazer  que apresento aos senhores a Dra. Denise Menezes. Descobri há pouco que a  melhor parte do curriculum dela é que ela é mãe de 5 filhos. Mas, não menos  importante, Dra. Denise é médica neurologista e homeopata, Mestre em Biologia Molecular,  professora de Bases Neurológicas do Diagnóstico Psicológico no curso de  Psicologia da PUC de São Paulo e Chefe da Clínica Neurológica do Hospital  Municipal Arthur Ribeiro de Saboya. É uma honra tê-la conosco. 
 A estrutura e o desenvolvimento cerebral  Profª.  Dra. Denise Menezes
 Fiquei muito feliz com o  convite da professora Denise Ramos. É um prazer e uma alegria falar para uma  platéia de Junguianos sobre as bases neurofisiológicas das emoções e suas  relações com os processos de adoecimento e cura.
 
 Primeiramente gostaria de lembrar como se  dá o desenvolvimento cerebral. Nós nascemos com a estrutura cerebral  incompleta. O genoma determina apenas determinados segmentos. A área cerebral  mais antiga, relacionada com a memória de espécie, que é o tronco cerebral e  parte do sistema límbico, depende exclusivamente do genoma. Ninguém precisa  aprender a respirar, a fazer bater o coração ou a filtrar urina. Essas funções  fazem parte do sistema nervoso autônomo e se processam à revelia da nossa  vontade e consciência. As áreas sensórias primárias (visão, audição, olfação,  gustação, tato) também são determinadas essencialmente pelo genoma. Embora o  meio ambiente gestacional influa no bom desenvolvimento dessas estruturas,  dentro de certos limites a maior responsável sem dúvida nenhuma é a bagagem  genética. O resto, nossas áreas associativas, parte do sistema límbico, nossas  funções corticais superiores, dependem predominantemente de aprendizado. Nossos  neurônios precisam aprender a “conversar” uns com os outros para que haja  percepção e comportamento. Essa “conversa” consiste na formação de sinapses. As  sinapses são os pontos de contato entre os neurônios, onde o estímulo elétrico  se transforma em estímulo químico, que desencadeia, ou inibe, o funcionamento  do neurônio seguinte. Quanto mais eficientes as sinapses, mais eficiente o  funcionamento cerebral.
 
 Do que depende a formação de sinapses? De  estímulos. Sem estímulos os neurônios não são induzidos à formação de sinapses.  Se um recém-nascido ficar por um determinado tempo em ambiente totalmente  escuro, ele terá deficiência visual, até mesmo cegueira cortical, por não ter  estimulado o córtex visual em fase crítica do desenvolvimento. Se um bebê tiver  otite média secretora, que é a presença de secreção alérgica atrás do tímpano,  impedindo-o de vibrar de acordo com a onda sonora e de transformar essa onda em  estímulo nervoso, essa criança poderá apresentar posteriormente desordem de  processamento auditivo, com conseqüências para seu desempenho escolar e vida  social. A capacidade cerebral de formar e reformular sinapses é o substrato  para todo e qualquer aprendizado, inclusive aquele relacionado com reabilitação  pós-lesional.
 
 Antigamente achava-se que as sinapses  eram formadas apenas nos primeiros anos de vida. Depois se verificou que a  capacidade de se modificar os contatos entre os neurônios permanece ao longo da  vida. Ultimamente descobriu-se que na adolescência há uma verdadeira varredura  de sinapses, com amplas modificações na estrutura cerebral. Eu pessoalmente  tenho certeza que essa varredura de sinapses não tem tanta relação com as  mudanças hormonais da puberdade como imaginam, mas sim com os profundos  questionamentos que ocorrem na adolescência no plano psíquico. Tudo que  fazemos, praticamos, pensamos, se traduz por modificações sinápticas. Quando  uma revista anuncia com espalhafato “a criança que joga muito videogame tem o  cérebro diferente das outras crianças”, eu sempre digo: a mulher que costura  muito tem o cérebro muito diferente da que não costura, o homem que faz  artesanato tem o cérebro diferente daquele que não tem atividade manual, e  assim por diante. Por isso eu tenho convicção de que um dia vai-se descobrir  que uma pessoa que aos 60 anos de idade muda de profissão, hábitos, relações  afetivas, filosofia de vida, faz também uma varredura das sinapses cerebrais,  como os adolescentes. Nós estamos sempre refazendo a estrutura fina do nosso  cérebro, de acordo com as atividades físicas e mentais que temos. O nome disso  é plasticidade cerebral.
 
 Outro passo para prosseguirmos nosso  raciocínio é entendermos como acontece a percepção. Como nós percebemos o mundo exterior a nós? Estamos  cercados por ondas eletromagnéticas de diferentes freqüências, ondas de pressão,  compostos químicos dissolvidos na água ou no ar, mas percebemos cores, sons,  gostos e cheiros. O que existe em torno de nós não é o que percebemos. A  percepção só acontece depois que os estímulos que entram no nosso cérebro e são  distribuídos por áreas muito diversas, onde são processadas as sub-funções  cerebrais. Por exemplo: a profundidade do estímulo visual é processada em um  local do cérebro, o movimento em outro, a cor é processada em uma área  diferente, a memória para que o estímulo seja reconhecido em outro lugar, e  assim por diante. Esse processamento se dá tanto de forma seriada como  paralela. São muitos fenômenos ocorrendo ao mesmo tempo. Depois que cada área  do cérebro processou cada particularidade do estímulo, tudo é reunido na área  primária, e só nesse momento o estímulo é percebido por nós. Podemos entender  então que a percepção é construída.  Quanto mais usamos nosso cérebro, mais aperfeiçoamos nossas sinapses, melhor  fica nossa percepção do ponto de vista fisiológico.
 
 E a memória? Dependemos da memória para  adquirirmos conhecimentos. Como se dá a recuperação do conhecimento memorizado?  A memória existe como imagem em potencial no cérebro. Ela depende de que um  determinado grupo de neurônios dispare de uma determinada forma, em um  determinado ritmo, com uma determinada freqüência. Ao rememorarmos qualquer  conhecimento adquirido, os neurônios responsáveis pelas sub-funções são  novamente acionados, e toda aquela construção que aconteceu para que houvesse  percepção acontece novamente. A memória  é uma reconstrução.
 
 E onde entra a emoção nisso tudo? – Em  primeiro lugar esclareço que eu tentarei usar as palavras emoção, sentimento e  psiquismo com uma conotação específica. Acho que podemos fazer uma espécie de  glossário para nós nos entendermos. Vamos combinar que quando eu falo em emoção eu me refiro a um estado  bioquímico cerebral, que por sentimento  entendo a percepção consciente da emoção, e que psiquismo eu uso para me referir a algo mais profundo, a que as  neurociências não costumam se referir, estando mais no domínio da psicologia  dinâmica. Então, onde entra a emoção na plasticidade cerebral, na percepção e  na memória?
 As emoções modulam a cada momento a  construção das redes sinápticas cerebrais. A nossa percepção da realidade é  influenciada não apenas pela integridade do tecido nervoso, como pelo colorido  que nosso psiquismo dá às nossas interpretações da realidade. Se projetarmos  insegurança, desconfiança ou ingenuidade, será assim que perceberemos o mundo.  Da mesma forma, ao lembrarmos fatos passados, nossa reconstrução da realidade  terá o colorido não só da nossa percepção no momento em que os fatos ocorreram,  mas também dos sentimentos que tivermos tido em relação a eles ao longo do  tempo. Então nós percebemos uma realidade interpretada e construída e ao  rememorarmos, voltamos a interpretá-la e construí-la. Quer dizer, ficamos ainda  mais longe de uma realidade absoluta. Há uma pesquisa interessante na qual os  voluntários liam uma história e depois precisavam contar essa história. No  momento em que eles contavam, eles processavam as informações lidas, porque é  assim que as coisas acontecem. Havia síntese, interpretação, emoção. O que eles  contavam já havia passado pelo processamento cerebral. Algum tempo depois  apresentaram as duas histórias para os voluntários: a história que eles leram  de verdade e a história que eles contaram. A maioria reconheceu como sendo  verdadeira a história contada e não a história lida. Quer dizer, o que eles  haviam memorizado era a construção deles e não o fato original. Eles tiveram  que escolher qual das duas tinha sido a que leram e eles escolheram a que eles  tinham contado, com todas as suas modificações.
   O Marcador Somático 
 Retomando o raciocínio, a estrutura  cerebral foi se desenvolvendo filogeneticamente de tal forma que a parte mais  antiga do cérebro contém aprendizado estável, não modificável, cujas funções  acontecem inconscientemente. Esse setor do cérebro encerra todos os nosso  mecanismos reflexos para a sobrevivência pessoal e manutenção da espécie. Tudo  indica que as porções mais novas do cérebro, as áreas sub-corticais,  relacionadas com o novo conhecimento que é automatizado, e as áreas corticais,  relacionadas com o planejamento de comportamentos, com as novas aquisições  cognitivas, apesar de hierarquicamente superiores ao cérebro antigo, sofrem  influência permanente deste. Essa influência, tudo indica, deve-se ao fato do  cérebro antigo permanecer exercendo sua missão de preservação do indivíduo e da  espécie. Toda a informação que chega ao cérebro passa pelo crivo dos setores  antigos, para checar se ela é boa ou ruim para a nossa sobrevivência. A memória  construída passa por uma classificação: se é boa ou má para nós. O mecanismo  cerebral que controla a classificação das experiências vividas, acionando  rapidamente uma resposta fisiológica inconsciente, tem sido chamado de Marcador  Somático. Ele nos proporciona grandes vantagens quando precisamos tomar  decisões rápidas, antes de termos tempo para avaliarmos os prós e os contras.  Vou dar alguns exemplos:
 
 Se quando estamos dirigindo, pensando nos  problemas, na agenda, tentado descobrir a rádio que tem um noticiário naquele  momento, um motoqueiro surgir "do nada", vindo exatamente do ponto  cego do nosso retrovisor, como costuma acontecer, antes que nós tenhamos consciência  do que está acontecendo nós tomamos todas as providências para não colidirmos  com ele. Freamos o carro por segundos, aceleramos novamente desviando o sentido  dentro da margem de segurança para não subirmos no jardim central, buzinamos, e  só depois que o motoqueiro já se distanciou gritando um impropério é que nós  tomamos consciência de tudo. E todo esse complexo comportamento em defesa da  nossa vida pode ter sido desencadeado por algo tão sutil como o vulto do  capacete do motoqueiro na periferia do nosso campo visual. Nosso cérebro  reconhece esse estímulo, classifica-o como perigoso e põe em atividade nosso  sistema nervoso autônomo, sobre o qual falaremos mais tarde.
 
 Nós também podemos perceber esse  mecanismo de triagem dos estímulos em situações menos dramáticas, na nossa  rotina diária. Por exemplo: um jovem pode ser acordado pela mãe todos os dias,  apesar de ter um despertador. Ele se habituou a ser acordado pela mãe e não  reconhece o som do despertador como um estímulo importante o suficiente para tirá-lo  da cama quentinha e gostosa, aproveita mais um pouco o sono e espera que a mãe  venha vê-lo a tempo de não perder a aula na escola. Isso pode acontecer mesmo  estando verdadeiramente dormindo. A substância reticular ativadora ascendente  (SRAA) não permite que o estímulo chegue ao córtex cerebral despertando-o.  Quando este jovem passa no vestibular e vai estudar em outra cidade, morar  sozinho ou em república com outros rapazes, que absolutamente não estão  preocupados se ele perde aula ou não, ele passa a acordar com o som do mesmo  despertador. A SRAA passa a permitir que esse estímulo alcance o córtex  cerebral, despertando-o. O cérebro antigo reconhece como necessidade de  sobrevivência que ele freqüente a escola e sabe que não há mais a possibilidade  da mãe substituir o despertador.
 
 Eu dei dois exemplos em que o cérebro  interpretou corretamente o significado dos eventos, modulando a resposta a eles  a favor da sobrevivência. Mas existe uma outra situação possível, em que os  estímulos podem ter um significado ambíguo para nós, sendo percebidos ou  classificados na memória de forma equivocada. Por exemplo:
 
 Se tivermos uma experiência intensamente  desagradável em um ambiente onde se queimava um determinado incenso, é possível  que muitos anos depois, chegando a um local onde se sinta o mesmo cheiro, ainda  que não nos lembremos mais a experiência desagradável, tenhamos uma sensação de  desconforto, mal estar, perigo. Nosso cérebro arquivou equivocadamente aquele  cheiro como algo que põe em risco a nossa sobrevivência. Do ponto de vista  fisiológico nosso organismo reage à primeira (desagradável) e não à segunda  experiência. Quanto menos elaboradas forem as experiências negativas ao longo  da vida, maior o risco do cérebro classificar erroneamente os eventos memorizados.
 
 Então nós já  estamos entendendo que o cérebro tem plasticidade, refaz suas sinapses  constantemente ao longo da vida, constrói suas percepções, reconstrói suas  memórias e modula suas percepções e memórias de acordo com suas emoções, mesmo  que essa modulação às vezes se faça de forma equivocada.
 
 Como poderemos fazer a conexão disso tudo  com o adoecimento?
 
 O cérebro antigo é constituído pelo  tronco cerebral, e estruturas subcorticais, como o tálamo e o hipotálamo. O  hipotálamo regula tanto o sistema endócrino, responsável pela fabricação dos  hormônios que, lançados na corrente sanguínea, agem à distância, como o sistema  nervoso autônomo, que se divide em enteral, simpático (SNS) e parassimpático  (SNP). Os dois últimos nos interessam neste momento, pois têm relação com a  resposta de luta ou fuga (SNS), e com o relaxamento (SNP). Na verdade o que  precisa ocorrer é um trabalho conjunto e equilibrado dos dois sistemas.
 
 Resumidamente, o SNP ativa a digestão e leva o resto do corpo ao relaxamento. A  resposta de luta ou fuga, relacionada com o SNS consiste numa reação orgânica  difusa, que aciona a fabricação de neurotransmissores, hormônios e peptídeos  que aceleram nosso metabolismo, aumentam nosso estado de alerta, nossa  capacidade de raciocínio, a circulação sanguínea nos nossos músculos, gerando  maior agilidade e força, enfim, nos preparam para enfrentar uma situação de  perigo, fugindo ou lutando.
 
 A curto prazo e no momento certo, toda  essa cadeia de reações nos protege. Numa situação de estresse, de perigo, vem um  carro, eu vou ser atropelada, dou um salto para a calçada que normalmente eu  não conseguiria dar. Se eu tentar imitar isso no dia seguinte não consigo. O  sistema nervoso autônomo simpático é que permite esse aporte de energia maior e  que me possibilita executar tarefas com uma força, com uma rapidez, com uma  prontidão que no dia a dia eu não consigo.
 
 Porém, se desencadearmos a produção de  todas essa moléculas desnecessariamente, como no exemplo em que entramos no  ambiente com o cheiro do incenso que nos remete inconscientemente àquela  experiência traumática antiga, essa reação em cadeia gera moléculas que não  serão utilizadas para luta ou fuga. Nosso corpo permanecerá em estado de  repouso ou pequena atividade física, sem consumi-las. Essas substâncias estarão  circulando no nosso organismo, gerando efeitos nas células que serão  deletérios. A metáfora que eu costumo fazer é a de um indivíduo que se alimenta  muito porque realizará um trabalho pesado e ficará muitas horas sem comer, e um  que se alimenta da mesma maneira e vai em seguida dormir. O alimento é o mesmo,  mas no primeiro caso ele gera energia para a execução do trabalho, e no segundo  caso ele não será utilizado, sendo armazenado em forma de gordura, gerando  sobrepeso, flacidez muscular e todos os problemas secundários à obesidade. Da  mesma forma, uma ativação prolongada e desnecessária do SNS acabará levando a  doenças como hipertensão arterial, gastrite, diminuição da imunidade com maior  propensão para doenças infecciosas, etc.
 
 Existe uma pesquisa feita em uma  universidade americana, na qual listaram eventos como separação, morte,  fracasso nos negócios, enfim uma lista de eventos que são considerados nocivos.  Averiguaram também a percepção de estresse, com um questionário que incluía  perguntas do tipo: "Você considera sua vida boa? Como você acha que a sua  vida é? Você normalmente está de bom humor ou de mau humor? Como você  acorda?" Enfim, uma série de perguntas que servia para medir o quanto  aquela pessoa estava satisfeita com a vida dela. Eu gostei muito da metodologia  empregada nessa pesquisa, porque sempre questiono os trabalhos que enfocam só  os eventos. Afinal, o que é um evento? Eu tenho uma paciente que me conta que  está separada chorando dolorosamente. Outra diz: Finalmente eu consegui me livrar  daquela cruz! Então, o que é um evento na vida de uma pessoa? Um evento não  quer dizer grande coisa. Agora, a percepção de estresse sim. Mas vamos voltar à  pesquisa. Após responderem os dois questionários as pessoas foram vacinadas.  Posteriormente foram comparados os resultados dos questionários com o nível de  anticorpos obtidos com a vacinação. O nível de anticorpos dessas pessoas não  teve relação com o resultado da lista de eventos, mas teve relação clara com a  percepção de estresse. Quanto maior a percepção de estresse, menor o nível de  anticorpos, e quanto menor a percepção de estresse, maior o nível de  anticorpos. Esse resultado confirma a idéia de que os indivíduos que lidam mal  com a vida têm uma diminuição da atividade imunológica, estando, portanto, mais  propensos a adoecerem do que os que conseguem lidar bem com as frustrações e  reveses. Isso por causa da hiperativação do SNS.
 
 O sistema nervoso parassimpático é o  oposto do simpático. Ele é o sistema do relaxamento, do repouso. A única parte  do organismo que este sistema ativa é o aparelho digestivo. Por isso quando  você come, durante a digestão, você fica mais devagar, a cabeça fica mais  lenta. O sistema parassimpático está ativando o aparelho digestivo e está  promovendo um relaxamento no resto do corpo. Ele é ativado em meditação, em  relaxamento, em qualquer prática que vise abaixar o nível de ansiedade, de  estresse. Os dois sistemas autônomos, simpático e parassimpático, têm que estar  sempre equilibrados para você funcionar bem. Você tem que ser capaz de ter uma  reação de defesa imediata, e também tem que ser capaz de, no momento em que não  está precisando disso, relaxar.
 
 Voltando para a psicologia, podemos dizer  que uma pessoa que tenha um determinado problema emocional não resolvido, por  exemplo um complexo de inferioridade, tenderá a interpretar a realidade à sua  volta de forma desfavorável, gerando cada vez mais equívocos classificatórios  tanto no seu processo de percepção, como na construção das memórias de suas  experiências de vida. A todo o momento seu organismo reagirá aos eventos como  se estivesse numa situação de luta ou fuga. Uma inundação hormonal e peptídica  ocorrerá. O que acontece quando você começa a ter muitas distorções? Você vai  começar a viver experiências negativas, experiências desagradáveis, com muito  mais intensidade e muito mais freqüência do que seria o esperado para o tipo de  vida que você tem.
 
 Vocês não podem imaginar como as pessoas  leigas em psicologia vêem o psiquismo humano como uma coisa estática. Fulano é assim, e não fulano está assim. Eu escuto muito no consultório os  pacientes dizerem que são ansiosos por causa da genética, ou depressivos porque  sua família toda é assim. Não que eu queira negar uma predisposição genética  para os distúrbios do humor, como para qualquer problema de saúde. Mas as  pessoas subestimam a dinâmica de vida deles. Ninguém pensa que pode funcionar  de outro jeito, diferente do que aprendeu em casa. As pessoas não  sabem que podem mudar. Existe um modismo de dizer que o problema é a bioquímica  cerebral. As pessoas dizem: "eu descobri, ou meu médico descobriu, que meu  problema é uma substância que meu cérebro não fabrica, a serotonina". Mas  será que essa bioquímica é determinada assim dessa forma tão imutável?
 
 Pensemos novamente na hipótese de um marcador  somático. Se você muda o significado das coisas para você, o seu marcador  somático deixa de acionar de forma inadequada e exagerada, o seu sistema  nervoso autônomo. Então, na hora em que o indivíduo consegue descobrir que o  chefe é mal humorado, que o comportamento do chefe não tem nada a ver com ele,  que o problema é do chefe com ele mesmo, seu sistema de luta ou fuga não é mais  acionado desnecessariamente. Considerando-se a plasticidade cerebral, quantas  sinapses de ansiedade você faz quando está vivendo com alto nível de hormônios  e peptídeos relacionados com a ansiedade? Precisa haver no DNA alguma herança  de ansiedade? É o seu jeito de perceber o mundo que está produzindo um cérebro  mais propenso a funcionar de determinado jeito do que de outro. Agora, imagine  se tudo isso acontece na infância onde a proliferação de sinapses é muito mais  exuberante. Se o paciente é adulto, veja por quantos anos essas sinapses foram  sendo reforçadas. Quando as pessoas se resignam a se classificar como ansiosas,  depressivas, irritadas, porque "está no DNA", elas estão aumentando a  eficácia de suas sinapses equivocadas. Não podemos dizer: “o cérebro foi  formado assim, então ele é assim”. Não. Ele está assim. Você pode modificar muitos circuitos sinápticos que  formam seu cérebro estruturalmente. Na hora em que funcionar de outra maneira,  você vai mudar essas sinapses.
 
   As Moléculas de  Informação 
 Quando eu escolhi o nome desta palestra, eu quis fugir do  termo medicina psicossomática, porque existe um hábito no meio médico de listar  determinadas doenças como psicossomáticas. Na minha opinião, todas as doenças  têm a ver com o que eu acabei de falar. Por que elas têm a ver? Onde é que está  a ponte de ligação? Vamos por etapas.
 Existe uma comunicação permanente entre o  cérebro e o resto do corpo, e vice-versa, através das chamadas moléculas de  informação: neurotransmissores (neurônio-neurônio e neurônio-músculo),  hormônios e peptídeos (como no sangue, líquor, espaço extracelular). É esse  fato que assegura que o sistema nervoso central se comunique com o sistema  endócrino, com o sistema imunológico, e, por conseguinte com todos os tecidos  orgânicos. O problema é que quando em desequilíbrio, o sistema nervoso autônomo  e, por conseguinte, o sistema endócrino e o imunológico, bombardeiam as células  com moléculas de informação, levando a alterações intracelulares. As nossas  células funcionam o tempo todo fabricando proteínas. A nível molecular é só  isso que a gente faz: fabricar proteína.
 Fabricar proteína para começar uma  função, fabricar proteína para interromper a função. Para executar ou parar de  executar qualquer função que a célula tenha, ela vai ter que fabricar  proteínas. O bombardeio das moléculas de informação vai levar a alterações de  enzimas, fatores de crescimento, proteínas que governam a atividade celular,  ativando genes que deveriam estar inativos, desativando genes que deveriam  estar ativos, provavelmente até provocando mutações de genes. Vamos dar um  exemplo:
 O que ocorre no câncer? Cada célula tem um ciclo, que se repete  inúmeras vezes de acordo com o tecido ao qual a célula pertence. Cada ciclo é  composto por cinco estágios: G0, G1, síntese, G2 e mitose. G0 é momento em que  a célula cumpre a sua função. É o momento em que ela expressa os genes que ela  tem. Não basta ter o gene, ele tem que se expressar fabricando proteína, se não  é o mesmo que ter uma máquina de fazer dinheiro em casa, sem fazer dinheiro. Ou  você faz dinheiro ou não adianta nada ter a máquina. Para comprar as coisas  você precisa do dinheiro e não da máquina. Assim são os genes dentro da célula.  Eles precisam fabricar proteínas. G0 é momento em que a célula cumpre a sua  missão. Está fazendo as suas proteínas, os genes estão se expressando, estão  trabalhando. A célula vai fazer o que for para ela fazer. Se for uma célula de  glândula sudorípara, ela vai fazer o suor. Se for uma de suco digestivo, vai  fazer o suco digestivo. Cada qual vai fazer o que é para fazer. Na fase G1 ela  se prepara para a fase de síntese, que é a fase em que ela duplica a sua bagagem  genética. Tudo o que ela tem é replicado. Na fase G2 ela se prepara para a fase  de mitose, que é uma fase mecânica em que ela se divide em duas. Uma célula vira  duas. Em algumas células esse ciclo acontece continuamente, por exemplo na  pele. Em outras, o ciclo só acontece quando necessário, por exemplo no fígado,  quando há uma lesão ou inflamação. Mas em todas as células, quando ocorre,  volta e meia o ciclo é interrompido para que seja feita uma checagem. “Está  tudo bem? Não tem nada errado? Não precisa consertar nada?” Se não houver essa  checagem, as células se multiplicam com erros de estrutura, que são as  mutações. Existem vários genes que tem como missão fazer essa checagem. No  câncer o principal é o P53. A proteína fabricada por ele, a p53, parece uma  aranha. Ela vem com os braços, abre a hélice de DNA, o gene que é responsável  pelo reparo é transcrito e a proteína providencia o conserto do DNA. Depois de  ter sido feito o reparo no defeito, o P53 deixa o ciclo prosseguir e a célula  proliferar. Então, se houver uma mutação no P53, ele mesmo tiver um defeito, a  proteína que ele fabrica não cumpre a sua missão, o reparo não é feito, e a  célula se reproduz com o defeito, ou seja, com a mutação. O câncer nada mais é  do que lesão de DNA. Dependendo do tipo de câncer, para que ele aconteça é  necessário haver três, quatro, sete mutações na mesma célula.
   O Sentimento de Fundo 
 Agora sabemos que além do cérebro  ter plasticidade, refazer suas sinapses constantemente ao longo da vida,  construir suas percepções, reconstruir suas memórias e modular suas percepções  e memórias de acordo com suas emoções, mesmo que essa modulação às vezes se  faça de forma equivocada; sabemos também que o desequilíbrio das funções  nervosas autônomas pode levar à ativação, inativação ou talvez até mutação de  genes no interior das células.
  Mas tudo o que eu falei até agora,  cérebro, sinapses, hormônios, proteína, genes, tudo isso que é matéria, que é  orgânico, tudo é permeado pelo significado. É permeado por você considerar um  fato, um evento, um acontecimento, agressivo a você ou não. Se você considera  aquilo uma coisa boa para a sua sobrevivência ou não. Se te ajuda ou não. E  pode ser em nível consciente ou inconsciente. E então nós chegamos a um assunto  que me é muito caro, que é o sentimento de fundo. Alguns neurocientistas, os  que falam nisso – poucos falam – usam a expressão sentimento de fundo no  sentido do sentimento presente quando uma pessoa está meditando, aquele  sentimento neutro que não é alegre nem triste. Os textos de neurologia tratam o  sentimento de fundo como se ele fosse neutro e emoção seria o que tira o  sentimento de fundo daquele estado de placidez. Para melhor ou para pior, mas a  emoção é que garantiria a saída desse estado neutro. A minha visão pessoal não  é essa. Para mim, o sentimento de fundo é aquele que está presente  ordinariamente no ser humano, e não é necessariamente um sentimento neutro.  Talvez nunca seja neutro. Eu vou contar um exemplo, modificado por uma questão  ética, mas poderia ter sido exatamente assim:  Uma paciente veio com uma queixa clínica  de mais de 10 anos de duração. Narcolepsia, que são crises de sono  irresistível. Já havia até se machucado por conta dos episódios. Ela não podia  tomar os remédios usados para narcolepsia por causa dos efeitos colaterais.  Então, ela foi me procurar tentando ver se podia tratar narcolepsia com  homeopatia. Na consulta homeopática nós sempre procuramos achar a emoção que  desencadeou a doença, ativou a predisposição genética do paciente, porque nós  podemos trabalhar com homeopatia os efeitos físicos da emoção. Portanto, é  rotina pesquisarmos como estava a vida do paciente antes do início do quadro. E  essa paciente me contou uma situação de vida delicada com pessoas muito  próximas, às quais ela na verdade nunca havia perdoado. Como eram pessoas muito  importantes para ela, ela pôs uma pedra no assunto e não falou mais nisso. Ela  me disse: “Sabe doutora, desde esse dia, faz quinze anos, eu estou sempre  triste. Eu posso rir de uma situação engraçada, mas, lá dentro, eu não mudo. Eu  continuo triste. Eu posso conviver normalmente. Eu sou uma pessoa que reage ao  que está ao meu lado. Mas, se for olhar lá no fundinho de mim, eu estou sempre  triste”. Eu fiz sua receita levando em consideração esse sentimento de fundo e  ela teve uma resposta muito boa. Foi a melhor narcolepsia que eu já tratei. Nem  sempre a resposta é tão rápida. Na primeira receita já parou definitivamente de  ter crises. Foi um caso que deu certo desde a primeira tentativa. O que nem  sempre acontece com a homeopatia. Ela não tinha mais o sono anormal. E a  tristeza? - “Que engraçado, doutora! Sabe que eu não estou mais sentindo  aquilo?” Isso para mim é que é o sentimento de fundo. É o sentimento que modula  nosso funcionamento orgânico. É aquele sentimento maestro, que dá o tom da  nossa vida. Seja ele bom ou ruim, neutro não deve ser, talvez o Dalai Lama  tenha um sentimento de fundo neutro. Será que isso tem a ver com complexo, com  arquétipo? Não saberia dizer agora, mas é algo para ser pensado. Um sentimento  permanente, ligado ao psiquismo, que sobrevive às oscilações emocionais do dia  a dia, que se mantém imutável nas 24 horas, gerindo nossas reações bioquímicas  mais profundas, talvez gerindo até as conformações dos nossos receptores de  membrana celular. Bem, toquei em outro ponto que merece ser mencionado.
 Qualquer substância química produzida ou  introduzida (remédios, por exemplo) no organismo, provoca uma reação nas  células através de um contato com receptores. Os receptores são moléculas dos  mais variados tipos, que ficam na membrana celular. A metáfora mais comum para  isso é comparar o receptor com uma fechadura e as moléculas de informação com a  chave que entra na fechadura e liga a função celular. Mas essa é uma visão  estática. Não só nós produzimos dinamicamente os receptores, de acordo com  nossas necessidades físicas e psíquicas, como eles mudam de configuração entre  três ou quatro preferenciais o tempo todo. Por que será que muitas vezes uma  pessoa toma um antidepressivo e ele funciona? Outras vezes, ou com outras pessoas,  não funciona? Talvez os receptores não estivessem estruturalmente corretos,  suas subunidades não fossem as mais eficientes, talvez não estivessem na  configuração adequada para receber aquela substância de informação. O  antidepressivo também é uma substância de informação. Exógena, mas é.
  Então o sentimento de fundo talvez seja o  maestro da produção de receptores, de peptídeos, de hormônios, de  neurotransmissores. O maestro que determina a configuração e, portanto, a  eficiência dos receptores. Em última análise, ele talvez comande a expressão  dos nossos genes. Você pode ter herdado uma predisposição genética, mas você  não precisa, necessariamente, expressá-la. Na psiquiatria a definição de  depressão reativa inclui o tempo. Se a depressão durar mais do que um  determinado tempo já não é mais reativa, seria endógena. Mas na minha opinião  nós não podemos determinar tempo nenhum, porque você pode cristalizar um  determinado sentimento, e ele passar a ser o seu sentimento de fundo. Assim,  uma coisa que aconteceu muitos anos atrás permanece em você no presente. Não  está no passado. Você pergunta a um paciente: você já superou esse fato? E pela  forma com que ele responde você percebe que está tudo no presente. Ele fica com  o sentimento de fundo, vinte e quatro horas por dia. Talvez os monges tibetanos  tenham esse sentimento de fundo neutro que a gente vê nos livros de  neurofisiologia. Pra mim o sentimento de fundo é um sentimento muito mais  personalizado e está atuando vinte e quatro horas por dia.  As pessoas podem trabalhar esse  sentimento de fundo de muitas formas. Desabafando com amigos, viajando para a  praia, fazendo terapia psicológica, tomando homeopatia, meditando. O que vai  funcionar depende, provavelmente, do quanto a causa daquele sentimento de fundo  está enraizada na pessoa. Há coisas que são resolvidas facilmente, outras são  tão difíceis de resolver que até eu, que relativizo a importância do genoma,  fico tentada a atribuir à genética o problema do paciente. A escolha de se usar  remédios alopáticos, por exemplo, um antidepressivo, depende do nível de  sofrimento do paciente. Às vezes a dor é tão intensa que é impossível usar  qualquer outro método. O paciente não tem forças para reagir. Eu sempre divido  com ele essa decisão. Mas se o paciente após um tempo de uso de antidepressivo  ficar bem e não precisar prosseguir o tratamento medicamentoso, eu interpreto  que ele resolveu internamente a causa daquele sentimento de fundo. Eu não  acredito que o antidepressivo “curou” o paciente. Eu interpreto que o antidepressivo  tornou a vida dele possível, enquanto outras coisas ocorreram para mudar o  significado do problema na sua vida. Daí ele não precisar mais de  antidepressivo. Nesse sentido a meditação funciona bem. Além de ajudar a  organizar fisiologicamente o cérebro, ela dá uma pausa no bombardeio que o  sentimento de fundo provoca no nosso organismo. A prática de meditação, de  visualização, desliga por algum tempo a conexão entre os problemas  afetivo-emocionais não resolvidos com o nosso sistema nervoso autônomo. Quanto  maior a prática, maior a profundidade e duração do efeito. Você interrompe o  fluxo exagerado de substâncias sobre o teu genoma. É lógico que o efeito disso  tem suas limitações, não é uma panacéia universal. Para cada paciente o  instrumento ideal é um, em um determinado momento da vida. Às vezes remédio  alopático, às vezes homeopatia, às vezes terapia psicológica, ou cirurgia, ou  acupuntura, ou meditação, ou a associação de vários métodos. Nós temos que  convergir, juntar forças para ajudar o paciente a se modificar, para que ele dê  o salto de qualidade na sua vida. Quando ele dá o “pulo do gato”, tudo se  modifica completamente. Quando a pessoa resolve uma pendência antiga na alma, é  lógico que o marcador somático vai parar de identificar o que antes era identificado  como agressivo para a sobrevivência. Então, de repente, aquilo que antes fazia  minha adrenalina ir a mil, agora me faz rir. “Nossa! Eu nem entendo como antes  eu ficava nervosa”. Então, o importante é você mudar o significado das coisas.  Mudando o significado das coisas, você vai fazer todo esse circuito, sobre o  qual eu estou falando aqui há algum tempo, se modificar. Eu encontro colegas em  aniversários de formatura, e eles me dizem: “Denise, você não mudou nada”. Eu  espero ardentemente ter mudado, porque se eu for a mesma pessoa que eu era na  faculdade... A verdade é que nós mudamos, graças a Deus. Nós estamos sempre  mudando. O nosso eu biológico, o nosso substrato anatômico cerebral muda para  melhor ou para pior, dependendo do que você faz na e da sua vida. Com certeza,  nós podemos mudar sempre para melhor, se nós estivermos atentos a isso.
 
 Debate
 Profa. Denise Menezes: Marcador somático?  Podemos dizer que marcadores somáticos são circuitos organizados a partir das  nossas experiências, que classificam as nossas contingências de vida, de modo a  constantemente avisar-nos do risco ou da vantagem de se tomar esta ou aquela  atitude. Estruturalmente tem relação com o córtex pré-frontal e a amígdala. Eu  imagino que a minha hipótese de sentimento de fundo como um “maestro” do  funcionamento do nosso corpo tenha relação com a ação dos marcadores somáticos.
 Professor Efraim Boccallandro: Denise, me dá licença  que eu vou falar uma coisa para você. Em primeiro lugar, eu aprendi muita coisa  com a sua palestra. E, em segundo lugar, eu queria agendar uma conversa nossa  lá na clínica, porque não vai dar para a gente discutir o que eu gostaria. O  negócio é muito demorado. É o seguinte: você é uma excelente homeopata. Eu sei  porque eu envio criança para você, você trata e melhora. Agora, você falou de  homeopatia e nos deixou com uma visão de homeopatia, assim, tão rápida que  sinceramente, eu acho que ficou uma homeopatia muito injustiçada. Eu entendo  que homeopatia é medicina bi-racional. Então, eu gostaria que você falasse  alguma coisa sobre isso se é que está de acordo, é claro. Outra coisa: eu estou  sempre em oposição àquilo da faculdade. Sempre estou na oposição. Então, uma  jornada de psicossomática quando eu estava no doutorado com a Matilde, e  fizeram uma jornada que era de doença degenerativa caminho sem volta. Eu sou  portador de uma doença degenerativa. Eu fiquei revoltado. O que é isso? Está me  matando antes do tempo? E aqui: entre mente e corpo. Entre a psique e a  matéria. Tudo bom. Esse entre em espanhol é divisão. Dez entre dois dá cinco.  E, em português não sei se tem esse sentido, mas, entre já separou. Então, tem  que ser uma palavra que fosse uma união entre a psique e a matéria. E ainda  mais: entre a psique, a matéria e o social. Quando eu escrevo psicossomática no  meu artigo, eu escrevo assim: Psicossomática social. Tudo junto. Agora, você  cometeu uma transgressão nesse negócio de psique e matéria. Você falou muito da  matéria e pouco da psique. Quem interpreta isso? Eu acho difícil de saber quem  interpreta do seu ponto de vista psicológico. Porque eu não sou proteína. Eu  sou também proteína. Mas, como uma vivência, como um ser em relação, eu sou uma  pessoa e, essa pessoa é tudo isso. Agora, eu tenho uma consciência, porque eu  não sei o que é. Então, aí começa um mistério. Isso vem sendo aos séculos dos  séculos e, até agora ninguém respondeu. Era só isso. Profa. Denise Menezes: Eu vou começar  respondendo o mais fácil. Eu optei por não falar aprofundadamente de homeopatia  porque senão eu iria fugir do tema que me deram. Na verdade eu me senti  mostrando o Louvre em meia hora, porque são assuntos extensos demais para eu  falar em 90 minutos. Se eu fosse incluir outras coisas... Mas professor Efraim,  eu adoraria que nós marcássemos um outro encontro em que isso pudesse ser  abordado. Eu acho que fica a sugestão. Hoje o meu compromisso era dizer o que a  ciência oficial diz, o que a neurologia oficial diz disso tudo. Então, tudo o  que eu falei aqui é oficialmente aceito pela neurologia, com as exceções que eu  fiz questão de deixar bem claro, dizendo ser minha opinião pessoal. Fora essas  exceções, tudo o que eu falei sobre sistema nervoso é o que é oficialmente  aceito, comprovado. Eu digo para a professora Denise Ramos que existem três  áreas na minha vida acadêmica, que eu tenho que ter muito cuidado para não  tornar promíscuas. Uma é o que a neurologia, as neurociências aceitam como  realidade. Outra é o que já foi provado, mas ainda não foi aceito oficialmente.  E a terceira é o que eu acho, são as minhas inferências, que ninguém provou,  nem eu mesma, é o que está só na minha cabeça. Então, eu tenho que transitar  com muito cuidado entre essas três áreas. Eu entendo que hoje era só da  primeira área que eu deveria falar, com pequenas incursões, muito limitadas, às  outras áreas. Mas, fica a sugestão para nós aprofundarmos a conversa. Platéia: O que eu perguntei para  a professora Denise: O marcador somático. Para ela falar um pouquinho do  estresse pós-traumático. Profa. Denise Menezes: O raciocínio não muda.  Quando você tem um impacto emocional, qualquer que seja ele, quer ele esteja na  consciência ou não, você vai ter uma tendência a reagir a situações que tenham  qualquer semelhança com ele, como se fosse o mesmo. A semelhança pode ser por  uma particularidade absolutamente sem importância, ou uma generalização  descabida. Por exemplo, uma mulher que sofreu abuso sexual pode reagir a todos  os homens indistintamente como se todos fossem agressores em potencial. Você  não reage aos novos eventos, mas ao evento antigo, marcante. O psicólogo diz  que o sofrimento é maior quando põe o dedo na ferida antiga. Do ponto de vista  neurofisiológico, a explicação é essa, a do marcador somático. O corpo não  reage ao que aconteceu agora, mas, ao que aconteceu agora, ontem, na semana  passada e aos dois anos de idade. A reação que vem do organismo é ao todo. E é  principalmente ao pior. Qual tenha sido o trauma mais doloroso, mais difícil, é  para esse que o seu organismo vai reagir, porque é reconhecido como o mais  nocivo à sobrevivência. O trauma psíquico fica fora da dimensão espaço-tempo.  Ele está no presente, no hoje, no agora. No momento daquele trauma você criou  um sentimento de fundo que está te acompanhando permanentemente. Ontem eu  estava tentando convencer uma paciente a ir à terapia. E ela dizia: “Não, isso  é bioquímica. Eu já li sobre isso. Se é bioquímica, eu sou assim, eu sempre fui  assim”. A terapia assusta as pessoas um pouco. Mas, se você não elaborar seus  problemas, resolver suas pendências, o mecanismo do marcador somático vai continuar  fazendo novas classificações equivocadas. É o mesmo mecanismo que fazia bater o  meu coração forte quando uma criança chegava perto da janela do meu carro.  Porque por três vezes eu já fui assaltada por uma criança colocando uma garrafa  quebrada no meu pescoço, um canivete. Por muito tempo bastava uma criança se  aproximar do carro para o meu sistema simpático acelerar meu coração. No  estresse pós-traumático acontece igual. Quando o trauma está na consciência  imagino que o trabalho psicológico seja um e quando está na inconsciência seja  outro. Platéia: Professora Denise, não  ficou muito claro para mim a relação entre o câncer e a checagem do DNA pelo  gen P53. Profa. Denise Menezes: Foi até bom mesmo você  ter falado nisso. O assunto é complexo e eu fui resumida demais. Para que haja  célula cancerosa, é preciso que haja mutações que desvirtuem a finalidade da  célula. Em vez de ela fazer o que se propunha, por exemplo, leite se for uma  célula da glândula mamária, ela simplesmente fica se reproduzindo. Nada mais faz  que duplicar sua bagagem de DNA e se separar em duas outras células. Como tudo  começa?  Tomemos o exemplo dado anteriormente. Se  o gene P53 está defeituoso, ele não fabrica mais corretamente a proteína p53  que interrompe o ciclo da célula para ver se há erros de estrutura de DNA – as  mutações. Daí a célula se reproduz com erros. Essa é a primeira fase da  formação do câncer, a fase de iniciação.  Dependendo do câncer tem que ter no mínimo três a sete mutações na célula.  Nessa fase a célula tem mutações, mas ainda não é câncer. Os fatores de  iniciação são os mais diversos: raios solares ultravioletas, raios-X, nicotina.  Sabe de uma coisa? O fumo é o único fator que preenche as três fases da  formação do câncer: ele é fator de iniciação, fator de promoção e fator de  progressão. Não precisa mais nada. Basta o cigarro para cumprir as três etapas.  Os fatores de promoção, segunda fase, são diversos. O corante chamado manteiga  amarela que é o corante das margarinas amarelinhas. Para ficar parecida com a  manteiga usam aquele corante amarelo. A aflotoxina do amendoim (100% dos  amendoins no Brasil estão contaminados com aflotoxina). Carne vermelha mal  conservada. Na verdade nós estamos em contato com agentes cancerígenos o tempo  todo.  Aí vem terceira fase, a fase de proliferação. Quais são os fatores de  proliferação? Dentre outros, os fatores de crescimento, o hormônio de  crescimento, testosterona, estrógeno, progesterona. Moléculas que fabricamos  normalmente, algumas delas exageradamente produzidas quando temos desequilíbrio  SNS/SNP. Além disso, quando uma pessoa está com um ritmo de vida estressante, o  bombardeio do sistema nervoso simpático leva a um alto nível do hormônio  cortisol, que diminui a produção de células NK. As células NK são células que  fagocitam, destroem, vírus, bactérias e também células cancerígenas. Elas são  eficazes quanto ao câncer apenas numa fase muito inicial. Se o sistema  imunológico está deprimido, há diminuição das células NK, que não destroem as  células cancerosas, que então se desenvolvem como câncer.  Nós não escapamos da maioria dos fatores  geradores de câncer: sol, alimentos(sobre os quais nós temos tão pouca  informação e controle). Porque não é todo mundo que tem câncer? Não se deve  superestimar nem subestimar os multifatores geradores de câncer. Não se deve  dizer “eu faço terapia então posso comer amendoim à vontade. Vou pegar sol de  meio dia sem protetor solar porque eu estou com a cabeça boa, isso basta”. Não.  Claro que não é assim. Carne defumada. A carne defumada é maravilhosa, mas é um  fator cancerígeno potente. Porque nem todo mundo que come defumado, enlatado  tem câncer? Nós estamos freqüentemente em contato com fatores cancerígenos. Por  que uns desenvolvem e outros não? Eu pessoalmente acho que a diferença pode  estar no sentimento de fundo, no maestro do nosso marcador somático. E muitas  vezes esse sentimento de fundo não é conhecido por nós. Não está na  consciência. Profa Liliana Wahba: Denise, você já falou  isso, mas, talvez para deixar um pouco mais claro, nós estamos falando bastante  em causalidade. Até  experiências do começo da vida, esses marcadores somáticos. Neste simpósio eu  espero que vocês todos nos ajudem a pensar num método que Jung uniu à  causalidade e é o prospectivo sintético. Eu queria te perguntar em termos de  organismo: é sabido que respondemos em termos orgânicos a causas mórbidas  patológicas. Teria também uma possibilidade agora do meu organismo responder à  prospecção? Quer dizer, aquilo que vai acontecer, aquilo que eu imagino para  depois, vir retornando no meu agora? Profa. Denise Menezes: Com certeza. Os  mecanismos de memória são idênticos para a memória evocada do passado e, para a memória evocada do futuro. Quando você imagina uma coisa você  ativa áreas de percepção e quando você evoca o que você imaginou, você ativa as  mesmas áreas cerebrais. Idêntico. Não faz a menor diferença. Por isso que falam  sobre o valor do pensamento positivo, coisas do gênero. Porque para o seu  organismo aquilo não é futuro, aquilo é presente. Está acontecendo agora. Para  efeito de sistema nervoso autônomo, o marcador somático interpreta como já  acontecendo. Talvez mude a intensidade da resposta, mas é qualitativamente  igual. Prof. Alberto Lima: Eu gostaria de lhe  fazer uma pergunta. O tema que propusemos suscitou o que em você? A partir da  sua experiência profissional como e onde você foi impactada com o tema proposto  para o simpósio? A que ele te remeteu? Qual foi a primeira imagem que ocorreu?  Dá para você falar um pouquinho sobre isso? Profa. Denise Menezes: Na verdade, eu já era  neurologista há muitos anos quando eu decidi estudar homeopatia. Acho que pelo  motivo que leva metade dos médicos homeopatas a estudar homeopatia. “Viram  acontecer” e disseram: o que isso? Meus filhos tinham uma alergia que ninguém  dava conta. Eu fui absolutamente incrédula, só para não dizer que não tentei e  meus filhos sararam. Aí eu disse: “Nossa! Eu não tive nenhuma aula sobre isso.  Como é que pode? Eu sou médica com especialização e pós-graduação e não sei o  que é isso aí!” Fui fazer o curso, é longo, três anos, e pensei: faço um ano só  para entender como é que é, depois eu paro. Só que com um ano de curso eu já  estava medicando com homeopatia e não parei mais. Então houve uma mudança  profunda na minha forma de ver a saúde e a doença. Pela idéia de causalidade  psíquica na homeopatia, pelo fato da medicação homeopática não ter molécula da  substância original, aconteceu uma revolução no meu paradigma médico. Então a  primeira idéia que eu tive ao ser convidada para falar foi “que bom poder falar  num local onde as pessoas pensam como eu, têm uma visão de mundo parecida com a  minha”. É muito diferente falar sobre isso para médicos. Eu preciso  convencê-los a cada momento da relação entre emoção e adoecimento. Então, que  ótima oportunidade que a professora Denise Ramos me deu. Eu sou muito grata.  Em segundo lugar porque, por outro lado,  eu gosto de desmistificar a falsa competição entre médico e psicólogo. O  neurologista erra por um lado, o psicólogo erra pelo outro. Fica uma disputa do  que é psicológico, do que é orgânico. Eu adoro oportunidade de dizer assim: nós  precisamos analisar o tempo todo quem tem o melhor instrumento. Não importa  onde começou. Não importa se começou no físico e foi para o emocional, se  começou no emocional e foi para o físico, se começou nos dois ao mesmo tempo.  Vamos checar sempre. É uma coisa que eu procuro fazer na minha prática  profissional e, eu acho que é o mais difícil, porque a gente se apaixona pelo  que faz e, quando menos percebe já acha que dá conta de tudo. Então, eu gosto  de ter essa oportunidade. Desmistificar. O psicológico é orgânico, o orgânico é  psicológico. A divisão funciona didaticamente, mas não na prática. Não há  mágica. Nós somos matéria. Qualquer coisa que você sinta vai se traduzir por  matéria sim. Mas nem sempre a solução é abordar diretamente a matéria. Não é  para ficar espantado. A propósito disso, existe uma pesquisa que uns biólogos  fizeram com lagostim. Existem dois tipos de lagostim, os vencedores e os  perdedores. Os lagostins brigam sempre e os vencedores escolhem a comida, as  fêmeas, têm prioridade sobre os perdedores. E os biólogos descobriram que os  vencedores têm um tipo de receptor de serotonina e os perdedores outro. Só para  comparação, os seres humanos têm vários tipos de receptores de serotonina. Um dia  um perdedor ganhou. E aí eles foram observar o receptor do perdedor, tinha  mudado, estava igual ao do vencedor. Após a vitória, o perdedor havia fabricado  um receptor de serotonina com as mesmas características do vencedor. Eu contei  isso entusiasmada para um médico amigo meu. Olha aqui! Está vendo como nós  podemos mudar estruturalmente o cérebro conforme nossas experiências? Ele olhou  e disse: “Que interessante! Houve uma mutação e aí ele venceu”. A primeira  reação dele foi achar que primeiro houve a mutação e aí ele se tornou um  vencedor. Então, é um prazer falar para vocês! Vocês nem imaginam! Prof. Durval Luiz de Faria: Dr. João Bernardes da  Rocha Filho é físico, especialista em Psicossomática, especialista em  metodologia do ensino, Mestre em Educação e Doutor em Engenharia, sendo  professor de física e psicooncologia, na Pontifícia Universidade Católica do  Rio Grande do Sul, e atual diretor científico da Sociedade Brasileira de  Psicooncologia, Regional Sul. Ele lançou recentemente seu livro, intitulado  "Física e Psicologia – as fronteiras do conhecimento científico  aproximando a física e a psicologia junguiana”. Gostaria de lhe dar as boas  vindas. 
 Entre a física e a psicologia Prof. Dr. João Bernardes da Rocha Filho
 
 Os Fundamentos da  Ciência  É um prazer muito grande estar aqui com vocês. Esse convite  muito me honrou e foi aceito imediatamente. Espero, nesses minutos nos quais  vamos estar juntos, passar a mensagem do livro, que trata da correlação entre a  física e a psicologia. Já conversei com o pessoal da organização do evento,  avisando a eles que minha memória não é muito boa, então eu preciso de  cutucões, de beliscões para poder me lembrar dos fatos importantes que precisam  ser apresentados e discutidos. Por isso eu queria pedir para vocês que durante  a passagem das lâminas, que são muitas, fizessem imediatamente as perguntas que  forem surgindo. Vamos combinar isso? Eu preciso dessas perguntas senão a  palestra vai ficar muito chata. Estamos combinados? Então vamos lá.  Nós vamos conversar primeiro sobre os fundamentos da  ciência. Vou passar por essa primeira parte rapidamente para que cheguemos logo  nos temas maior aplicação. Vamos falar um pouco sobre a física clássica, sobre  o que ela significa, sobre suas falhas, porque a física clássica já não responde  mais perfeitamente bem às nossas necessidades. Depois vamos abordar a  relatividade e, em seguida, vamos entrar na mecânica quântica para mostrar,  afinal, o que é a física quântica. O que ela diz, quais são suas idéias  fundamentais. Em seguida nós entraremos mais na nossa área. Vamos conversar  sobre idéias junguianas. Vamos comentar autores que fazem essa ligação da  física com o funcionamento da mente, com o funcionamento do universo, e então  vamos pensar um pouco sobre a visão e a memória interpretadas de um modo  holográfico. Nós também vamos falar sobre a questão do universo ser interligado  ou não. Falaremos sobre o tempo, o que é muito importante, assim como a  consciência e a ciência. Conversaremos também sobre idéias de pessoas da física  e da psicologia, e até alguns da engenharia, que também fazem pesquisas nesta  área. E, por fim, uma seqüência de mini conclusões que, na verdade, são  perguntas que eu vou deixar sem resposta, mas que são perguntas que surgem a  partir da nossa conversa.  Queria deixar claro uma coisa que considero importante: não  veremos aqui, nesta palestra, nada que se pareça com uma aplicação clínica  direta dos conhecimentos da física quântica. Não é esse nosso objetivo. A  preocupação central que está nesse livro sobre o qual nós vamos conversar é  epistemológica. É uma preocupação de conteúdo, que pretende que vocês mesmos  façam essa interpretação e a traduzam na sua vida profissional, no tratamento  das pessoas, enfim, nas suas próprias vidas, da forma como puderem ou quiserem.  Não há receitas aqui. Cremos que o conhecimento tem o poder de melhorar as  pessoas, tanto em suas vidas privadas como profissionais, mas isso é só uma  crença. Cada um levará daqui o que quiser.  Vamos começar, então, com os fundamentos da ciência. A  ciência, como vocês sabem, é uma das formas de interpretar o mundo. Nós podemos  interpretar o mundo pela experimentação, pela criação de teorias científicas,  pela lógica, através da filosofia, por exemplo, ou através da religião. As três  são complementares, e nós precisamos delas em conjunto. E a  civilização sempre foi prolífica na criação de modelos que explicam o universo.  Talvez vocês já tenham percebido isso, mas a cada geração, a cada grande era,  as pessoas criam um novo modelo de universo. O modelo científico de universo  mais importante que se tem notícia é o modelo newtoniano-galileano, um modelo  de universo como sendo uma grande máquina, ou seja, um universo-relógio. Foi  natural o surgimento deste modelo porque as estrelas, planetas e satélites  passam no céu a intervalos regulares e previsíveis, como uma máquina. Esses,  aliás, foram nossos relógios mais primitivos, e o universo, então, podia ser  compreendido como sendo um relógio, uma máquina. Isso deu início ao primeiro  superparadigma moderno.  Essa idéia do superparadigma é uma idéia interessante. Todos  conhecem o conceito de paradigma, mas o conceito de superparadigma é um tanto  aberto. Superparadigma pode ser entendido como sendo aquele conjunto de  conhecimentos e/ou interpretações que estão tão arraigadamente aceitos e  assimilados por uma sociedade que as pessoas sequer pensam sobre ele, embora o  superparadigma seja precisamente aquilo que lastreia e baliza todos os demais  desenvolvimentos científicos e tecnológicos, e também as filosofias e até as  religiões dessa sociedade. São aquelas idéias que ninguém questiona. Então,  houve época em que o melhor modelo de universo era o modelo de  universo-relógio.  Com a revolução industrial e o surgimento da máquina a  vapor, que parecia resolver todos os problemas da humanidade porque liberava as  pessoas e os animais do trabalho pesado, estava aberta a porta para o  surgimento de um novo superparadigma. A energia, fonte do movimento da máquina  a vapor, passava a ser o centro das atenções, e aos poucos o universo inteiro  foi sendo compreendido em termos energéticos, afinal, as máquinas podem mudar e  evoluir, mas sempre precisarão de uma fonte de energia. Assim foi que a energia  passou a ser o centro do universo sócio-econômico, produzindo efeitos culturais  importantes, entre eles a idéia crescentemente aceita de que tudo poderia ser  explicado e reduzido à energia. Surge assim, como uma decorrência direta do  desenvolvimento tecnológico, o superparadigma do universo-energia.  A idéia de que tudo pode ser explicado em termos energéticos  persiste até nossos dias, exceto nos meios científicos mais avançados, cujas  idéias ainda não se disseminaram, e podemos ver conseqüências dessa  pressuposição tácita em muitas áreas do conhecimento. Ainda hoje fala-se muito  em energia, e esse conceito está disseminado no linguajar coloquial a tal ponto  de as pessoas dizerem coisas como “..estou sentindo uma energia ruim.”, por  exemplo, quando quer dizer que está tendo um mau pressentimento. Veremos em  seguida que o uso de expressões desse tipo, baseadas no superparadigma atual,  provavelmente não está muito correto, e vamos ver porquê. Adiantando um pouco o  tema, atualmente nós temos os computadores, que existem embutidos em quase  tudo. Você entra em qualquer lugar e encontra computadores. Eu estou mexendo  num deles agora. Dentro das pastas de cada um de vocês deve ter um celular ou  outro dispositivo eletrônico microprocessado, como um Palm, um PocketPC ou um discman, ou alguma coisa assim. Toda tecnologia moderna inclui o  computador, então podemos dizer que um novo superparadigma está se formando, e  ele deverá incluir a informação como entidade central, já que os computadores  não são nada mais do que processadores de informações. O superparadigma  universo-informação vem surgindo. Tudo passará a ser explicado em termos de  informação, como foi explicado em termos energéticos até hoje. Isso é bom ou  ruim? Vamos pensar sobre isso.  Também vamos discutir um pouquinho as idéias sobre a  constituição no universo ao longo das eras. Os quatro elementos. O elemento único.  O conceito de vácuo que é muito importante para a física moderna. A física tem  um suporte conceitual que podemos considerar relativamente antigo. Antes de  Galileu, precursor de Newton no século XVII, o suporte conceitual pode ser  considerado antigo. O conhecimento científico que vigorava até Galileu era  geocêntrico. Ninguém questionava que a Terra estava no centro do universo.  Galileu estudou a lei da queda dos corpos e usou o telescópio para olhar para o  espaço, para ver os planetas, enquanto Kepler enunciou as leis orbitais sem  usar telescópio, ainda muito baseado nos conceitos gregos dos quatro elementos.  O suporte conceitual clássico começa com Newton, que nasce no ano em que Galileu morre. E o  mundo ficou um pouco diferente depois de Newton, que podemos considerar um  avatar do superparadigma universo-máquina, porque ele enuncia as leis do  movimento orbital, de Kepler, em termos gravitacionais. Ele e Huygens têm uma  grande disputa em função disso e de outros desenvolvimentos. Christian Huygens  e Isaac Newton divergiram em relação à suas percepções sobre a natureza da luz,  que Newton julgava tratar-se de um tipo de partícula, enquanto Huygens  atribuía-lhe caráter de onda. Então, vamos olhar as quatro idéias fundamentais  do suporte clássico, da física clássica:  A luz é partícula. É como uma bolinha que viaja muito rápido  da fonte até nossos olhos. A lâmpada está emitindo bolinhas de cores diferentes  que batem nas coisas e produzem certos fenômenos. Essa é a idéia clássica de  luz.  A Massa é invariável. A lei de conservação de Lavoisier, de  que nada se cria, mas tudo se transforma, já era bem conhecida, e a massa era  considerada invariável. A natureza é contínua. Não dá saltos. Tudo acontece  passo a passo e, em passos infinitamente pequenininhos. O tempo e o espaço são  absolutos e independentes.  Newton começa o seu livro mais importante, “Princípios  Matemáticos da Filosofia Natural”, dizendo isso: O tempo é absoluto. Ele flui  como um líquido. Flui sem relação nenhuma com o resto das coisas. E a física  clássica foi um sucesso, resolvendo muitos problemas científicos e  tecnológicos, e até hoje funciona muito bem no nosso cotidiano. A lei da  gravitação universal de Newton é usada até hoje e, ela é perfeita na maior  parte das aplicações. A lei da inércia também pertence à física clássica, e  funciona muito bem. Toda balística está baseada na lei da inércia e na  gravitação. A famosa segunda lei de Newton, F=m.a, ainda é estudada no Ensino  Médio, e permanece plenamente válida na maior parte dos contextos. É uma lei que  funciona muito bem e está aí até hoje. O princípio da ação e da reação, que  sempre cai no vestibular, também funciona muito bem. A estática e dinâmica dos  fluídos. A teoria cinética dos gases. Tudo isso até hoje não foi derrubado.  Continuamos usando o suporte conceitual matemático da física clássica.  Mas há conseqüências: Quando estamos imersos num  superparadigma temos conseqüências que não são ditas. Elas não estão escritas  em lugar nenhum. Elas não são oficialmente reconhecidas, mas perpassam toda  sociedade. E as conseqüências desse superparadigma da física clássica estão aí  no surgimento da máquina a vapor. Isso vai passar para a sociedade de uma forma  muito contundente, como nós vamos ver a seguir ao discutirmos o efeito  conhecido como “ação à distância”.
 Literalmente a gravitação de Newton propunha, por exemplo,  que a Lua age sobre a Terra assim como a Terra age sobre a Lua,  instantaneamente, e não propôs a existência de qualquer coisa que agisse como  mediadora dessa interação. Ele não disse que não havia nada, mas também não  disse que havia, e isso passou implícito em sua teoria, influenciando toda a  civilização posterior. Todos podiam constatar que não havia nada visível entre  a Terra e a Lua, e não era preciso ser cientista para concluir isso. Bastava  olhar para o céu. No entanto a Lua não cai na Terra, e apesar de Newton não ter  dito nada sobre essa hipotética corda que atrai Terra e Lua, ficou combinado  tacitamente que essa ligação existia, e esse princípio passou a ser chamado de  ação a distância. Somente mais tarde, com o surgimento da idéia de campo  elétrico, magnético e gravitacional, é que a noção de ação a distância se  desfez.  A revolução industrial, no fundo, é uma conseqüência da  física clássica. O auge da física clássica, vocês sabem, culminou com uma série  de suicídios porque as pessoas pensavam que não havia mais nada a fazer. O  diretor de um departamento de física, de uma importante universidade,  inclusive, propôs que o curso de física fosse fechado porque, segundo ele, não  havia mais nada de novo para ser descoberto. Newton tinha fornecido todas as  ferramentas matemáticas e descrições físicas necessárias para compreender  totalmente o universo. Restava apenas algum trabalho na área de aplicações, mas  a física teórica tinha que ser abandonada, e não era necessário que fossem  mantidas faculdades para isso. O diretor, então, propôs o fechamento e disse:  Não tem mais sentido fazer física. Por trás desse sentimento que ficou  conhecido como “o fim da física” havia um poderoso superparadigma, no qual Deus  era considerado como sendo equivalente ao empurrão inicial que deu energia para  a criação do universo. Um cientista típico desta época bem poderia ter dito  algo assim sobre Deus: “Bota bem lá atrás, diz que ele deu o empurrão inicial  e, o resto é Newton”.  Inevitavelmente decorreram desse superparadigma o fatalismo  e o determinismo. A crença era de que as coisas aconteciam como tinham que  acontecer, ou seja, estavam determinadas. Nem Deus, nem ninguém poderia fazer  nada para mudar o destino, e isso produziu um fenômeno compreensível: as  pessoas acabaram perdendo a razão de viver. Mas, como ocorreu com todas as  teorias físicas até hoje, o mecanicismo falhou em determinar se a luz era onda  ou partícula. Newton, como já vimos, dizia que a luz era composta por  partículas. Huygens acreditava na natureza ondulatória da luz. Ambos escreveram  livros defendendo suas idéias, mas houve vencedores nesta discussão, embora a  fama produzida pelo sucesso da teoria da gravitação pendesse a balança para o  lado de Newton. No início do século XX, entretanto, já havia provas definitivas  de que a luz tinha tanto aspectos ondulatórios quanto propriedades de  partícula. Ainda hoje não sabemos explicar exatamente o que a luz, de fato, é. Sabemos apenas que ela apresenta propriedades de onda e de partícula, conforme  o experimento que esteja sendo realizado. No slide que estamos mostrando  aquelas bolinhas são partículas coloridas da luz, algo compatível com a idéia  de Newton. O desenho de cima mostra-as colidindo contra uma superfície  espelhada, sendo refletidas. Todos estão familiarizados com isso: chama-se  reflexão, e ocorre nos espelhos, por exemplo, como ocorreria se jogássemos  bolas de tênis numa parede. No segundo desenho temos um fenômeno chamado  difração, que ocorre quando a luz passa por furinhos muito pequenos. O feixe de  luz emergente abre e ilumina uma área muito maior do que seria o normal, se a  luz fosse composta por partículas. Isso nunca teve explicação na física  clássica. Ela simplesmente não serve para explicar isso, e tudo o que sabemos é  que trata-se de um fenômeno tipicamente ondulatório. Se imaginarmos a luz como  sendo uma onda, até dá para explicar. Ninguém sabe como acontece, mas sabe que  com ondas isso acontece sempre, mas só com ondas, não com partículas. Então,  numa experiência a luz parece ser uma partícula, e noutra parece ser uma onda.  No terceiro desenho nós temos a refração, que é um fenômeno muito melhor  explicado considerando a luz como onda. É claro que essa contradição do  comportamento natural levou a uma ruptura grave da física clássica, que não  tinha como responder objetivamente.  Outro obstáculo importante, que não teve solução simples,  foi o experimento de Oersted. Talvez vocês tenham ouvido falar nisso no ensino  médio. Sabemos que uma corrente elétrica passando por um fio gera um campo  magnético, que pode ser orientado através da colocação adequada do fio. Esse  campo magnético pode ser detectado, se fizermos uma espira, como aparece no  desenho, colocando uma bússola no centro. A agulha da bússola se move na  direção perpendicular ao plano da espira quando passa a corrente. Só que a  teoria clássica contemplava apenas forças que agiam entre cargas ou entre  massas, de centro a centro. Então, um movimento de elétrons numa dada direção  não poderia causar uma força para uma direção perpendicular, ou pelo menos esse  resultado exigia uma outra explicação dentro da física clássica e, isso ficou  assim durante um longo período, como uma das falhas do mecanicismo.  Outro ponto importante no qual a física clássica falhou, foi  em explicar porque a massa gravitacional é igual à massa inercial. Aliás, isso  não tem explicação até hoje. A massa inercial, por exemplo, é a responsável  pelo amassamento de um automóvel cujo freio de mão falha, e que ganha  velocidade descendo uma rampa qualquer, atingindo uma região plana e colidindo  contra um muro. No momento da colisão não há mais rampa, e o carro se desloca  apenas por inércia, e é essa inércia que vai amassá-lo. Também é a massa  inercial a responsável pela manutenção do movimento praticamente perpétuo de  satélites, asteróides e cometas. A massa gravitacional, por outro lado, está  relacionada com a gravidade, que atrai os corpos conforme a segunda lei de  Newton F=mA. Só que essas duas massas são iguais e até hoje não existe uma  explicação plausível para essa igualdade. Não há nenhuma teoria que diga que  uma massa deve ser igual a outra. Elas são iguais, mas ninguém sabe porquê. A  física clássica não conseguiu explicar isso, e nós não sabemos até hoje por quê  elas são iguais.  Então, surge uma mágica da ciência, ou deveríamos chamar de  truque. Não sei se todos já perceberam, quando não sabemos alguma coisa e, essa  coisa está nos torturando muito, às vezes encontramos uma solução mágica, e a  ciência é boa nisso. O truque consiste em batizar o problema. “Bota nome nessa  coisa, porque aí facilita. Daí eu consigo me tranqüilizar. Isso daí é um  problema psicossomático. Está resolvido. Eu dei nome para ele. Agora é  psicossomático”. Então, parece que está entendido, quando na verdade ninguém  entendeu coisa alguma.  Ninguém sabe a origem, por exemplo, da força gravitacional.  O próprio Newton sofreu muito com isso, porque ele sabia que não há como  imaginar uma força agindo à distância, sem um elemento de mediação. Se eu  quiser chacoalhar esse quadro, por exemplo, eu vou ter que assoprar, que jogar  alguma coisa nele, que prender um cordão e puxar, utilizar imãs ou outra coisa,  mas tem que existir algo físico aqui no meio. E a física clássica não pôde  apontar o meio através do qual a força gravitacional agia, por exemplo, entre a  Lua e a Terra, ou entre um pássaro e a Terra. Na ausência de uma explicação  consistente, a ciência deu um nome a esse efeito: isso foi chamado de ação a  distância. Mas a ação a distância ocorre de um modo fantasmagórico, porque  acontece sem uma ligação evidente. Para evitar isso, novamente só modificando a  nomenclatura: então inventamos o conceito de campo. Campo, assim, foi o nome  que os físicos do século XVIII e XIX adotaram e utilizaram para explicar como é  que coisas poderiam ser atuadas a distância, dentro da física clássica. Porque  não se sabia como operava, não tinham como explicar o fenômeno da ação a  distância em si, mas sempre era possível atribuir-lhe um nome.  Imaginem uma criança, um irmão menor, cutucando um  adolescente e perguntando: Como é que um corpo pode atrair outro? Podem  imaginar enrascada maior? Vocês já pegaram dois imãs e tentaram brincar com  eles? Eu fazia isso com as turmas de psicologia de nível I da PUC do Rio Grande  do Sul. Tenho uma amiga que dava aulas neste nível, e mandava seus alunos de  psicologia para ficarem comigo durante uma tarde, no início da década de 90,  fazendo experiências. A experiência que eu mais gostava de fazer era propor que  eles pegassem dois ímãs bem fortes e tentassem aproximá-los e afastá-los.  Quando eles tentavam aproximar pólos iguais, por exemplo, os imãs não  encostavam um no outro apesar de usarem toda sua força. As carinhas deles eram  um negócio incrível.  Então, como não sabemos porque os ímãs se repelem e se atraem,  até hoje o que conseguimos fazer foi inventar um nome para o fenômeno. Dizemos  uma coisa bonita que soa muito científica: ao redor do ímã se forma um campo  magnético. Dar um nome para este fenômeno faz as pessoas acreditarem nisso e  pararem de fazer perguntas. Um aluno típico pensa assim: “Espera um pouquinho!  Ele já explicou. Se eu fizer mais uma pergunta, eu vou bancar o bobo aqui”. É  claro que sempre tem aquele aluno que fica pensando: “Mas, o que é campo, na  verdade?”. Infelizmente, para esse ainda não temos resposta. Até hoje eu só vi  definições do que não é campo. Você encontra em livros: “Campo não é a região  ao redor de um ímã, de um planeta, de uma carga”... Está escrito isso. Mas,  ninguém diz: “Campo é...”. As pessoas dizem assim: “Existe campo se tais e tais  fenômenos acontecerem”. Então, se eu pegar esse copo, soltá-lo, e ele cair, é  porque existe um campo gravitacional atraindo-o. Mas, o que é o campo eu não  sei. A física clássica não consegue responder isso. Mas, funciona. Está  funcionando até hoje, apesar da falta de respostas.
   A Teoria da Relatividade 
 Essa é a física clássica, e vocês viram os problemas dela.  Ela é uma boa física. Explica como as máquinas funcionam: as máquinas térmicas,  os jatos, os motores à combustão interna, os motores elétricos. Tudo isso é  explicado pela física clássica sem grandes problemas. Mas, em 1905 Einstein  publicou três artigos na mesma revista. Um deles é um artigo muito importante  sobre o efeito fotoelétrico mostrando que Newton estaria certo, que a luz podia  ser formada por partículas mesmo. Foi muito importante. Mas, ele também  publicou um artigo onde mostrava que era possível entender melhor os fenômenos  eletrodinâmicos, de cargas em movimento, se a luz fosse considerada como tendo  uma velocidade limite. Essa teoria chamou-se de relatividade, e ela levou  Einstein à popularidade alguns anos após, embora a teoria nunca tenha sido bem  compreendida. Na verdade, nesse exato momento existem pessoas no mundo inteiro  trabalhando para tentar mostrar que a relatividade não é a resposta definitiva  para fenômenos de altas velocidades. Mas, por enquanto ela está valendo.
  O que a relatividade diz? Diz, por exemplo, que o tempo anda  mais devagar para aquilo ou aquele que se move em altas velocidades. Todas as  experiências feitas até hoje comprovam isso. Um dos tipos de experiências mais  importantes envolveu relógios de césio, que são os relógios de longo curso mais  precisos que nós temos, colocados dentro de aviões e satélites, sincronizados  com outros relógios iguais, que ficam na Terra. Inevitavelmente o relógio do  foguete ou avião atrasa em relação ao que ficou na Terra. Ninguém tem dúvida  disso. A dúvida que surge é a seguinte: Foi o tempo que passou mais devagar  para o relógio do foguete, ou foi o relógio, que é um sistema mecânico ou  eletrônico, que funcionou mais devagar? Não existe resposta para isso. De  qualquer forma o que se mede com um relógio não é tempo, rigorosamente, mas sim  o número de vezes que um fenômeno ocorre, entre dois outros fenômenos. Por  exemplo, se quiséssemos saber minha velocidade, eu daria um passo e depois  outro, enquanto alguém que tivesse um pêndulo poderia ficar balançando-o  regularmente. Essa pessoa poderia ouvir o barulho do primeiro passo, e contaria  quantas oscilações seu pêndulo completaria antes do segundo passo, e assim  sucessivamente. Esse número de oscilações nós associamos ao tempo, por isso não  existe nenhum padrão de tempo, rigorosamente. Nós temos padrões que vibram num  certo passo. O relógio de césio, por exemplo, tem uma espécie de laser de  partículas. É um feixe atômico muito fino, quase uma luz, que passa entre  magnetos muito poderosos e, então, ele bate numa superfície sensível, ou passa  num detetor. Se a freqüência de ressonância de um eletromagneto próximo estiver  combinando com a do Césio, o feixe atinge um determinado lugar. Se ela estiver  deslocada um pouquinho, ele bate noutro lugar. Então, o sistema corrige-se  automaticamente. É mais ou menos isso. Mas, sempre existe um pêndulo, seja ele  um balancim mecânico, um cristal piezelétrico, ou um feixe de átomos de césio.  Nossos relógios de pulso, exceto os antigos, automáticos ou à corda, são  baseados em cristais piezelétricos. Mecanicamente eles vibram, criando sons da  ordem de 32kHz. Essa é a freqüência padrão de todos os relógios comerciais de  pulso.
 Não existe nada como o tempo na física. Nós medimos o número  de pulsações de alguma coisa, e sabemos que nossos relógios, quando colocados  em satélites velozes, andam mais devagar, mas quando afastados da Terra, andam  mais lentamente. Coisas muito estranhas acontecem. Então, é esse pouco que  sabemos sobre o tempo.  Outra comprovação da teoria da relatividade ocorre em  aceleradores de partículas. Partículas aceleradas parecem ficar mais pesadas. A  relatividade prevê isso. Prevê que uma partícula mais veloz tem mais inércia.  Ela fica mais pesada. Parece que é isso o que acontece. Tudo indica que a  relatividade está certa, pois todas as experiências batem com as previsões de  Einstein. Existe, por exemplo, um tipo de partícula especial chamada múon que é  criada na alta atmosfera por efeitos da radiação do sol. Esses múons são  criados em interações dos raios cósmicos com a alta atmosfera terrestre, e têm  um tempo de vida muito curto, da ordem de um microssegundo. Depois desse  microssegundo eles reagem com algum átomo presente na atmosfera e desaparecem,  deixando atrás de si um pequeno brilho. Em um microssegundo não seria possível,  mesmo que eles viajassem à velocidade da luz, atingirem a superfície da Terra,  pois as regiões onde eles se formam estão a seiscentos quilômetros de altura.  Eles obrigatoriamente deveriam desaparecer um microssegundo depois de serem  formados, ainda muito longe da Terra. Mas não é isso o que acontece. Eles  chegam ao nível do mar em grandes quantidades. Como eles não são criados em  outros lugares da atmosfera, concluímos que houve efeitos relativísticos  envolvidos. Os múons vivem mais porque eles estão numa velocidade tão alta que  os efeitos relativísticos se tornam relevantes. Em seu próprio relógio os múons  vivem cerca de um microssegundo, mas para nós, que estamos estacionários, eles  duram cem vezes mais, por exemplo. Então, de uma certa forma, eles conseguem  chegar à Terra porque seu tempo passou mais devagar. E existem muitas  experiências onde isso ocorre, comprovando a teoria da relatividade.  Outra comprovação importante envolve a luz de uma estrela  qualquer que esteja atrás do Sol, em relação à Terra. Quando esse feixe de luz  passa perto do Sol ele sofre uma curvatura. A relatividade prevê isso. Prevê  que quando existe um campo gravitacional muito forte, a luz pode ser desviada.  Só que a relatividade explica isso como uma curvatura do espaço-tempo, mas  talvez existam outras explicações. A conversão de massa em energia, que todo  mundo conhece na forma de bombas atômicas, é outra comprovação. Mas existem  pessoas, neste momento, que estão desenvolvendo teorias alternativas muito  boas, e estão conseguindo explicar os fenômenos relativísticos de uma outra  maneira, através do aumento de massa do sistema, sem definir uma velocidade  limite para a luz. 
 
 A Física Quântica 
 Vamos ver agora a física quântica, que é o segundo aporte  que nós temos. Primeiro a relatividade envolveu energia, massa e tempo. Agora,  a física quântica surgiu de um problema muito simples. Quando um corpo é  aquecido ele emite luz. Muitos aqui já pegaram um prego, um alfinete ou uma  agulha, e viram que eles brilham ao serem aquecidos em uma chama. Pois a física  estudou isso, preocupada em prever quanta energia um corpo aquecido poderia  emitir, dedicando-se a um tipo especial de corpo, chamado corpo negro, que tem  umas características especiais. Então você esquenta e ele emite uma radiação  luminosa e térmica, ou infravermelha. As teorias que existiam até o século XIX,  não conseguiam explicar a cor da emissão, o espectro da emissão. A teoria que  existia era a teoria de Rayleigh-Jeans, que dizia o seguinte: Se continuamos  esquentando um corpo, a freqüência da luz emitida por ele vai subindo tanto e,  a potência dessa radiação vai subindo tanto, que tende para o infinito. Ora,  todos sabemos que um prego aquecido não emite muita radiação, mas a teoria  previa exatamente isso, e evidentemente estava equivocada. Então Max Planck, um  físico-matemático num movimento quase desesperado, decidiu usar um truque  matemático que acomodava a situação. Ele criou uma restrição quanto à forma  como a energia podia sair do corpo negro, dizendo que ela somente poderia sair  em pacotes de tamanho bem definido, iniciando a idéia da quantização na física.  O próprio Planck disse e escreveu que isso era um truque matemático que propôs  apenas para botar os valores da teoria no lugar certo. Só que funcionou, e  funcionou muito bem. E outros físicos começaram aplicar a quantização e viram  que funcionava bem para explicar muitos outros fenômenos.
 
 Desse truque matemático de Planck surgiu a mecânica  quântica, e hoje ela é ensinada até a estudantes do ensino médio, que aprendem  que os átomos têm órbitas de elétrons de energias específicas, de distâncias  específicas do núcleo, por exemplo. A quantização também foi um bom modo de  explicar o efeito fotoelétrico, de Einstein, que acabou fornecendo é uma  espécie de comprovação da teoria de Planck. Não é muito simples de explicar,  mas, é mais ou menos assim: quando iluminamos um metal, dependendo da cor dessa  luz, e de uma certa suscetibilidade do metal, elétrons são arrancados desse  metal, podendo ser capturados por um eletrodo positivo colocado nas  proximidades. Se aumentarmos a intensidade dessa luz, aumentará  proporcionalmente o número de elétrons liberados. Só que se não aumentarmos a  intensidade da luz, mas sim aumentarmos a freqüência da luz, ou seja,  utilizarmos luz de comprimentos de ondas cada vez menores, começando com  vermelho, depois subindo para o amarelo, para o laranja e, assim sucessivamente,  para o azul e, para o ultravioleta, esse metal não emite mais elétrons, mas  emite elétrons mais energéticos.  E isso fornece uma comprovação importante para a teoria de  Planck, significando que cada fóton, de acordo com sua cor, ou seja, com sua  freqüência, vai arrancar elétrons com maior ou menor energia. Na direção de uma  compreensão dos fenômenos quânticos, DeBroglie defendeu uma tese de doutorado  no mínimo estranha, que afirmava que todas as coisas se comportam às vezes como  onda, às vezes como partícula. Em 1927 realmente isso não era fácil de ser  aceito, mas no final ele foi premiado por essa dedução importante, provada na  sua tese de doutorado. Um dos experimentos mais importantes da física,  conhecido como experimento das Fendas de Young, acabaram comprovando a tese de  DeBroglie. Para compreender esse experimento vamos imaginar um feixe de luz bem  fino, composto por uns poucos fótons atravessando um pequeno orifício numa  placa, que fica exatamente à frente de outra, com dois orifícios desalinhados  em relação ao furo da primeira placa. Ora, como sabemos do estudo das ondas, a  luz difrata ao passar pelo primeiro furo, e o feixe de luz se abre como num  leque, indo atingir os dois furos da segunda placa. Ao passar pelos dois furos  da segunda placa, então, os dois pequenos feixes se encontram e interferem,  produzindo uma figura típica, conhecida como franjas de interferência. Esse  fenômeno é muito semelhante ao que ocorre na superfície de um lago tranqüilo,  quando jogamos nele duas pedras, simultaneamente. Cada uma das pedras cria suas  próprias ondas e, essas ondas vêm e se encontram em um lugar intermediário,  formando uma turbulência bem característica, conhecida como interferência.  Matematicamente é fácil de compreender a interferência, mas se lembrem que para  que ocorra interferência é necessário que existam duas ondas, ou mais.  É precisamente aí que a realidade nos prega uma peça de  arrepiar. Como fótons podem ser emitidos com a freqüência que se queira,  podemos fazer com que um único fóton seja emitido através do primeiro furo, a  intervalos de tempo regulares. Como se trata de um único fóton, obviamente ele  não pode atravessar simultaneamente os dois furos da segunda placa, então não  pode ocorrer interferência de espécie alguma do outro lado. Mas ela acontece.  De alguma forma que não compreendemos o fóton passa pelo primeiro furo,  transforma-se em onda e então passa pelos dois outros furos, gerando as franjas  de interferência. Esse é o único modo que temos para compreender esse  comportamento bizarro dos fótons: eles apresentam propriedades de partícula e  de onda, embora ninguém saiba exatamente o que vem a ser isso. Afinal, fótons  são entidades duvidosas mesmo, desde que Newton e Huygens defenderam sua  natureza corpuscular e ondulatória, respectivamente, de modo que o experimento  de Young com fótons não chegaria a causar comoção pública.  Ocorre que as figuras de interferência aparecem também se  elétrons ou outras partículas carregadas, como núcleos de átomos de hélio, são  utilizadas no lugar dos fótons, de modo que temos que aceitar que a matéria  também tem comportamento duplo. Ninguém sabe exatamente o que é um elétron ou  um átomo, mas também ninguém duvida que essas partículas podem ser chamadas de  matéria. Um átomo com seus prótons, nêutrons é muito grande se comparado, por  exemplo, a um elétron isolado, pois um único próton ou nêutron tem quase 2000  vezes a massa de um elétron. E mesmo assim, quando essas grandes partículas são  enviadas através das fendas do experimento de Young, mesmo uma após outra,  lentamente, elas interferem e formam franjas. De alguma forma que ninguém sabe  explicar partículas alfa e beta passam pelo primeiro furo e depois acontece  alguma coisa com elas. Parece que deixam momentaneamente de ser matéria e se  transformam em ondas, passando pelos dois outros furos e interferindo. Além  disso, se tentamos colocar detetores no meio do caminho das partículas para  descobrir se elas atravessam as fendas da segunda placa como partículas ou como  ondas, elas simplesmente mudam seu comportamento: deixam de apresentar  características de onda, escolhem apenas um dos caminhos e não criam as franjas  de interferência típicas. Isso é muito grave porque nos mostra um comportamento  estranho e fundamental da natureza, como se houvesse uma barreira ao conhecimento  que podemos ter. A natureza evidentemente não é o que achamos que ela é. Nós  sabemos que se jogarmos uma bolinha qualquer num furinho, ou ela passa ou ela  não passa. Não tem meio termo. E se tiverem dois furinhos, ela pode passar num  deles, pode passar no outro, ou em nenhum, mas nunca nos dois ao mesmo tempo.  Só que com fótons e partículas carregadas é exatamente isso o que acontece, e  todas as coisas são feitas destas partículas.  Einstein nunca aceitou completamente a mecânica quântica em  virtude do caráter intrinsecamente aleatório de alguns fenômenos. Ele foi um  dos criadores da moderna teoria quântica, mas jamais admitiu que essa dúvida  fundamental, demonstrada na experiência das fendas de Young, fosse uma  propriedade intrínseca da natureza. Einstein achava que mais cedo ou mais tarde  encontraríamos uma explicação realista, isto é, uma explicação material  previsível e clássica para este fenômeno. Em contrapartida outros fundadores da  mecânica quântica, como Bohr, Planck e Heisenberg, previam que não se acharia  explicação melhor que essa. Para eles a natureza é assim, naturalmente  duvidosa, intrinsecamente dual. A disputa ficou acirrada quando Einstein criou  um movimento contra a interpretação idealista da mecânica quântica,  apresentando um paradoxo chamado EPR, que deriva das iniciais dos sobrenomes de  Albert Einstein, Bóris Podolsky, e Nathan Rosen. O experimento EPR ficou muito  famoso, e era uma dedução lógica que negava a possibilidade da comunicação  instantânea entre partículas quânticas, sob alegação de que isso feria a teoria  da relatividade. Tratava-se de um experimento apenas mental, porque não havia  na época condições técnicas para a realização física do experimento.  O experimento EPR envolvia a correlação de dois fótons  criados num mesmo evento quântico, afastados posteriormente. A mecânica  quântica previa que esses fótons estavam correlacionados eternamente, não  importando o quanto eles estivessem afastados, e que uma ação sobre um deles  poderia ser detectada em   outro. Einstein, Podolsky e Rosen diziam que não, se nenhuma  informação tivesse tempo de ser emitida entre eles, e isso dependia da  velocidade da luz. Nada pôde ser provado naquela época, mas em 1964 o físico  irlandês John Bell deduziu matematicamente um teorema que é chamado desigualdade  de Bell, ou teorema de Bell, e nesse teorema ele afirma o seguinte: Uma  experiência igual ao EPR vai produzir uma correlação entre os fótons maior do  que a esperada porque o universo é não local. Todas as forças da física  clássica são locais. Eu sei onde elas estão. Elas são intermediadas por meio  qualquer. Mas John Bell fez uma dedução de duas páginas que até hoje não foi  derrubada que diz que para o mundo ser como é, para ele ser aparentemente  local, no fundo, ele tem que ser não local. E não local significa: existe uma  interconexão entre todas as coisas. Não há como separar uma coisa da outra.  Essa é a mensagem do teorema de Bell. Vocês sequer imaginam quantos físicos se  levantaram contra Bell na tentativa de derrubar este teorema matemático  relativamente simples, e até hoje nunca ninguém conseguiu.  Em 1972 um físico francês, muito cordial e amigável, chamado  Alain Aspect, fez uma experiência na Universidade de Paris que provou que EPR  os fótons estavam inevitavelmente correlacionados, como Bohr e Heisenberg  tinham previsto, contrariando Einstein, Podolsky e Rosen. Então, a experiência  EPR que tinha sido desenvolvida para derrubar a teoria quântica, no fim acabou  comprovando-a por meio da experiência do Aspect. Então nós estamos perante duas  constatações importantes: o teorema de Bell diz que a realidade é conectada, e  o experimento de Aspect prova isso. Resumindo, tudo está conectado. Duas  partículas que participaram de uma interação qualquer, que um dia foram uma  unidade, nunca mais se separam. É impossível. Toda separação é ilusória. A  melhor explicação que temos para isso não é a de que uma forma de energia viaja  de lá para cá, porque isso violaria a teoria da relatividade. A melhor  explicação que nós temos para isso é: nós estamos enxergando dois fótons, mas,  na verdade eles são um só. Os que entenderam as conseqüências disso devem ter  sentido um arrepio agora. E é a verdade.  Mas a natureza nos reserva muitas surpresas. Uma delas é o  princípio da incerteza, de Heisenberg. Em palavras comuns, o que ele diz é: se  conhecermos precisamente onde está uma partícula não é possível saber bem qual  é sua velocidade, e vice-versa. Essas duas variáveis são interdependentes, de  modo que se fizermos uma experiência para detectar onde está a partícula,  naquele momento da medição perdemos a informação da velocidade, de modo que  parece que a partícula se espalha no espaço, ocupando-o totalmente. O famoso  gato de Schrödinger é um experimento mental que tem relação com esse aspecto  dúbio da natureza. Numa interpretação quântica o gato está vivo e morto dentro  da caixa, pois as duas possibilidades se interpenetram. Não há como dizer se  ele estará vivo ou morto ao abrirmos a caixa. Nenhuma experiência até hoje  realizada violou o princípio da incerteza. Essa é a mecânica quântica, e tudo o  que nós vimos até agora são pressupostos da física. Agora, nós vamos ver a  aplicação disso.
 
 A Aplicação da Mecânica  Quântica 
 O próximo assunto é muito interessante, sobre o qual todos  já ouvimos falar: trata-se do holograma. Um dos modelos de universo, de memória  e de visão, fala em   holograma. Então, vale à pena sabermos do que se trata. A  idéia é simples. Lembram-se das franjas de interferência de Young, sobre as  quais falamos há pouco? Pois os hologramas têm muita relação com aquilo.  Primeiro tomamos um LASER, isto é, uma luz coerente, onde cada fóton tem a  mesma fase e o mesmo comprimento de onda dos outros fótons, e dividimos o feixe  em dois através de um semi-espelho. Com um dos feixes iluminamos o objeto que  queremos holografar, por exemplo o computador que está aqui sobre a mesa. O  outro feixe é dirigido diretamente para o filme holográfico, enquanto a luz que  veio para o computador é refletida em sua superfície e também vai para o filme.  Ora, são dois feixes luminosos interagindo, então ocorre uma interferência. A  figura que se forma na lâmina fotográfica é chamada de holograma. O processo  todo é bem simples. Não tem grande mistério. É uma figura de interferência. A  coisa charmosa do holograma é que a luz que veio para o computador foi refletida  para todo o filme fotográfico, então cada pedacinho do computador está em cada  pedacinho do holograma. É como se a imagem estivesse esparramada. Claro que  isso parece confuso ao olhar, de modo que se olhamos diretamente um holograma  feito desta forma não vemos nada, mas se dirigirmos a ele um feixe LASER de  comprimento de onda semelhante ao usado em sua elaboração, podemos enxergar a  imagem do objeto fotografado, com uma propriedade diferenciada, podemos ver em  três dimensões as faces do objeto que tinham visada direta para o filme. E se  for cortado um pedacinho do holograma, ainda é possível ver a imagem inteira,  ou pelo menos da parte do objeto que enviou luz para aquele pedaço do filme. O  holograma, em si, é simples até. Mas é interessante para nós porque serve como  boa analogia para aquela idéia do todo contido nas partes. O holograma é  clássico. Não é nem quântico, nem relativístico. É clássico mesmo. Mas ele é  interessante, porque o espanto de quem vê um holograma pode despertar para os  aspectos ocultos da realidade.
  Há pessoas que imaginam que o funcionamento mental, a  memória, a visão, ou até o universo, possam ser explicados por uma teoria quase  holográfica. Isso é muito interessante. Wilder Penfield, neurocirurgião e  pesquisador da década de 1920 fez importantes pesquisas envolvendo sensações  estimuladas por sinais elétricos. Ele percebeu que não havia um mapa elétrico  dos sinais visuais, como se imaginava, e que as memórias podiam ser evocadas  inteiras por choques elétricos em determinados pontos do cérebro, o que é  compatível com uma idéia holográfica de funcionamento cerebral. Karl Lashley,  neuropsicólogo, continuou as pesquisas de Penfield com gatos e ratos. Ele tirou  partes do córtex visual e partes de nervos óticos, e descobriu que os animais  continuavam tendo comportamentos bem precisos, como se ainda tivessem a visão,  dificultando ainda mais a compreensão da operação destas funções.  Uma interpretação holográfica da memória também pode  facilitar a integração destes fatos, porque ainda que certas partes do cérebro  tenham sido danificadas ou removidas, em muitos casos ocorre recuperação de  informações completas. Karl Pribran, discípulo de Lashley, também propôs algo  nessa linha. O número de informações que podem ser guardadas num holograma é muito  grande, e está limitado apenas pela granulometria do filme fotográfico. De  certa forma essa alta taxa de armazenamento de informações em um holograma  chamou a atenção dos teóricos da neurologia para a possibilidade da memória  biológica utilizar mecanismo semelhante no cérebro. Outro fator que desperta  interesse nessa analogia é a capacidade de modificar a recuperação da  informação armazenada num holograma simplesmente modificando o ângulo de  incidência do feixe laser, num mesmo ponto do filme. Nos hologramas dos cartões  de crédito, por exemplo, esse fenômeno é visível, e com o movimento de  inclinação é possível ver duas figuras que se sobrepõem. Isso é interessante  para as teorias da memória porque uma mesma região do cérebro poderia guardar  muitas memórias, dependendo de como o potencial de excitação é aplicado na sua  recuperação. De qualquer maneira as imagens, ou seja, as memórias podem estar  distribuídas pelo cérebro de uma forma semelhante à holográfica.  O holograma também pode produzir uma imagem num lugar onde  não existe o objeto, como num espelho, só que sem o espelho e sem o objeto.  Nesses casos, muito explorados em exposições de arte e museus, podemos ver a  imagem como que flutuando no ar, saltando da moldura. Essa propriedade dos  hologramas também encontra uma contrapartida humana nas alucinações, que são  peças audiovisuais que algumas pessoas, em certas situações, vivenciam e  confundem com a realidade. Karen DeValois e Russell DeValois, pesquisadores  universitários contemporâneos da visão, chegaram a uma conclusão bastante  interessante sobre isso. Na perspectiva deles, o cérebro trabalha as imagens  visuais de uma forma holográfica, como mostrado neste slide. Aqui a luz  entrando no olho sofre uma operação matemática denominada transformada de Fourier,  que é um processo matemático semelhante ao que se usa para fazer, no  computador, um holograma. Então parece que o olho também faz uma espécie de  processamento matemático típico dos hologramas.  Paul Pietsch trabalhou com salamandras, que são animais também  conhecidos como lagartixas, que reconhecidamente se recuperam de lesões de  extirpação de membros. Em suas pesquisas ele treinou certos comportamentos  nestes animais, e posteriormente expôs suas cobaias a diversos tipos de danos  cerebrais, incluindo picar e moer o cérebro inteiro. As salamandras, segundo  Pietsch, não morrem quando seus cérebros são retirados, porém ficam num estado  letárgico, semelhante ao coma, recuperando suas funções normais gradativamente  após o cérebro ser recolocado na caixa craniana. Em outras palavras as  salamandras vão recuperando as atividades motoras e a memória das informações  aprendidas, e voltam a procurar comida no mesmo lugar quando recebem os  estímulos com os quais foram treinadas antes da extirpação. As conclusões de Pietsch  são dramáticas: ou as memórias destes animais não estão no cérebro, ou estão  armazenadas nele de forma holográfica. Profa. Denise Menezes: Essa visão de memória  holográfica, do cérebro funcionando como holograma é muito interessante. Na  verdade, essas pesquisas são muito antigas. O conhecimento da memória avançou  muito. O professor Kandell ganhou Nobel há um ou dois anos atrás com um  trabalho sobre memória. Essa idéia de que não há um lugar onde você lese e  perca uma memória específica não é verdade. Há sim especificidade topográfica  para a perda de memória. A memória é muito complexa. Nós temos a memória  distribuída. Nós temos a memória no hipocampo como uma memória transitória. Ela  está transitoriamente aí. Depois essas informações são alocadas no córtex de  associação de acordo com a função principal. Se é uma memória visual, em córtex  de associação visual, e por aí vai. Hoje em dia nós já sabemos que há perda de  memória com lesões específicas só que não do jeito que se pensava naquele  tempo. Agora, eu acho que isso não invalida o raciocínio. Eu acho que ainda tem  muito para ser descoberto nesse campo. Eu   não consigo imaginar a memória como uma proteína e sim como uma imagem em    potencial. Então, se existe a possibilidade de você  criar memória a partir de uma proteína que você tem no cérebro, de certa forma  tem a ver com a idéia de holograma sim. Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Deixe-me perguntar uma  coisa para você, Dra. Denise. Essas pesquisas mais modernas sobre as quais você  está falando não definem a memória como estando num certo lugar, ou eu estou  errado? Elas definem que há pontos cuja manipulação afeta a memória, não é  mesmo? Profa. Denise Menezes: Mais ou menos isso. Mas  o que eu queria dizer é que na época do Pribram, ele dizia que se você lesa o  cérebro, você não perde memória nenhuma, e não é verdade. Você perde sim. E  você perde memórias bem específicas. Você pode não perder determinada memória e  perder outra memória de acordo com o local do cérebro que você tem lesão.  Então, existe, na verdade... Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Mas, veja bem, Dra.  Denise. Tem uma questão fundamental que eu acho que precisa ser considerada.  Uma coisa é você dizer que um ponto no qual você mexe apaga a memória. Mas,  isso pode ser entendido de outra forma. Pode ser entendido como: esse órgão faz  a conexão com a memória, que pode nem estar no cérebro. Profa. Denise Menezes: Perfeito. Sem a menor  dúvida. É o mesmo que você dizer: Quebrou a tomada, a televisão não funciona.  Então, a imagem é criada na tomada. Não. Não é. Ali é uma conexão. Quanto a  isso eu não tenho a menor dúvida. Só que muitas coisas que foram ditas nestes  trabalhos não se comprovaram. Agora, a idéia em si, eu acho que sim, eu acho  que a gente vai caminhar nessa direção. Com certeza que a memória é um  potencial. O cérebro só é a forma de acesso. Agora, Há lesões em determinados  locais que promovem perda, vamos dizer, não da memória, mas, do modo de acessar  essa memória. E perde. Não é como na salamandra. A salamandra só tem o que vem  no genoma. É lógico que ela refaz. Nós temos alguma coisa a mais do que a  salamandra.  Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Existe um problema  fundamental que ocorre em todas as ciências, que consiste em que certas idéias  e resultados de experimentos parecem comprovar hipóteses à revelia de teorias,  mas sempre há uma teoria subjacente a qualquer experimento ou conclusão, mesmo  que pareça não haver. Num experimento é impossível evitar um lastro conceitual  justamente porque é esse lastro que determina, em grande parte, os métodos  utilizados. Então essas pesquisas sobre a memória que foram premiadas com o  Prêmio Nobel, às quais a Dra. Denise referiu-se há pouco, podem ser utilizadas  tanto para mostrar que a memória está localizada, quanto para mostrar que foi encontrado  um ponto que seria o responsável pela ligação do cérebro com um banco de dados  localizado em outro lugar, como uma antena transceptora de radiocomunicação, e  também muitas outras hipóteses que podem vir a ser imaginadas. O fato é que o  conhecimento de que agindo sobre um ponto afetamos um certo tipo de memória não  constitui evidência de que a memória esteja localizada neste ponto. Então, a  idéia de que a memória pode estar distribuída holograficamente, seja no cérebro  ou fora dele, continua plausível.  O que normalmente denominamos partículas aparecem como ondas  ou como partículas, conforme nosso experimento. Isso nós vimos agora há pouco.  Partículas são ondas ou são partículas dependendo de como olhamos para elas.  Neste slide temos os resultados do experimento de Alain Aspect, de 1982. Em  azul e em vermelho podemos ver no gráfico os resultados da correlação medida  entre fótons distantes, originados de um único evento quântico. Vejam que eles  são perfeitamente correlacionados, o que não era previsível porque eles estavam  muito afastados um do outro para terem algum tipo de comunicação. E, no  entanto, eles tinham. Essa correlação é uma evidência que apóia a hipótese de  David Bohm e de John Bell de que o universo é não local. Para compreender  plenamente o que significa ser o universo não local, vamos imaginar o estado de  plasma elétrico, que por acaso temos bem aqui, dentro dessas lâmpadas  fluorescentes. A luz dessa lâmpada é gerada pela excitação de átomos de uma gás  de mercúrio de baixa pressão, que colidem contra elétrons térmicos liberados  pelos filamentos aquecidos. Isso é um tipo de plasma, e num plasma os átomos  excitados, ou íons, se comportam como aqueles cardumes de peixes que se movem  como se fossem um único ser vivo. Quando um deles vira para um lado, todos  viram juntos. Os íons se comportam assim no plasma. Eles fazem ondas e outros  movimentos semelhantes a uma dança, parecendo que estão todos ligados em um  único centro de controle. É muito interessante. Dessa mesma forma se comportam  átomos de gases supergelados, num fenômeno que é conhecido como Condensado de  Bose-Einstein. Esse fenômeno estranho ocorre quando um gás de bósons é  resfriado até próximo do zero absoluto, uma temperatura muito baixa. Esses  átomos entram em ressonância de maneira que todo o conjunto de átomos daquele  gás se comporta como se fosse um único átomo, com estados de energia bem  definidos. O que normalmente não se encontra na natureza. É um efeito quântico ainda não bem compreendido, porque implica em comunicação em velocidades  superiores à da luz. Pois bem, dizer que o universo é não local significa que  há uma interligação do tipo da de Bose unindo todas as coisas. Significa que  estamos conectados instantaneamente a tudo o que acontece no universo.  Neste slide temos uma metáfora que ajuda a construir o  raciocínio que estamos tentando fazer. Imagine esse plano amarelo como se fosse  um universo, e aquelas lagartas que estão ali representadas são seres planos,  deste universo plano. Eles existem no plano e, portanto, nem sequer imaginam  que exista um “para cima” ou “para baixo”. Neste mundo bidimensional hipotético  só existe movimento no plano, isto é, norte, sul, leste e oeste, por exemplo.  As lagartas planas não só não enxergam para cima e para baixo, como também não  desconfiam que possa existir essa outra dimensão. Mas a dimensão vertical  existe no nosso mundo tridimensional, então nós podemos ver que existe um anel  de seção cilíndrica, um toróide ou uma aliança, que atravessa esse mundo plano,  seccionando-o em dois pontos distantes. As lagartas não podem perceber que  existe o toróide, mas elas percebem um misterioso comportamento interdependente  nas intersecções que existem em seu plano. Em algum momento uma das lagartas  vai fazer um projeto de pesquisa para descobrir por que quando se mexe numa  destas intersecções a outra reage, e vai ter que se esforçar para interpretar  esse resultado experimental quase absurdo, porque evidentemente não existe uma  conexão entre elas. Talvez surjam algumas seitas que expliquem a ligação como um  sinal de que seu mundo está prestes a ser destruído, ou que são sinais deixados  por seres vindos de outros planetas, ou simplesmente que são símbolos sagrados  deixados por um deus. Realmente, no plano dessas lagartas não há nenhum modo de  explicar como ocorre essa ligação, que pertence a uma dimensão inexistente em  seu mundo, e que somente pode ser observada por seres cuja percepção esteja  adaptada para três ou mais dimensões.  Por analogia podemos imaginar que pode. Existe uma quarta  dimensão física na qual esse fenômeno quântico de fótons interligados, por  exemplo, pode ser explicado facilmente, porque nela o elo de ligação  tetradimensional se torna evidente. Assim, uma explicação possível é que esses  fótons são um só, e que simplesmente estão conectados numa dimensão que não  percebemos. Mas existem muitos outros fenômenos, até bem familiares, que  poderiam ser explicados supondo que existe uma interligação dimensional  invisível para nós. Exemplos disso são todas as forças conhecidas, cujo meio de  condução nos é invisível. Outro problema associado, e para o qual não se tem  explicação é: Como pode ser detectada rotação num universo vazio? Se não  existissem estrelas, planetas, satélites, asteróides, cometas, nem qualquer  outra coisa fora da Terra, como saberíamos que a terra estava a girar? Não  haveria como descobrir. Então, de alguma forma nós estamos conectados ao fundo  de estrelas. Há uma conexão imediata da Terra com todas as estrelas do  universo, e vice-versa. Porque se elas não existissem não haveria rotação, mas  Terra rotaciona.  Esse outro slide mostra um efeito interessante, que ainda  não foi compreendido adequadamente. Os elétrons passam por dentro daquele  tubinho sem sofrer ação do campo magnético que existe a poucos milímetros de  distância, apesar da teoria garantir que deveria haver interação. Não se sabe  porque o fenômeno, que se chama Efeito Bohm-Aharonov, acontece, mas ele é mais  uma evidência de que existe uma interligação global, chamada por David Bohm de  Holomovimento, que explicaria uma espécie de ordem implícita que cria o  universo como a gente o enxerga, dando-lhe as propriedades fantasmagóricas  descobertas pela mecânica quântica. Nessa linha, Pierre Teilhard de Chardin,  que foi um filósofo, biólogo e religioso francês, e Jean Charon, um físico seu  compatriota, sugeriram que o elétron teria algum tipo de consciência, e Karl  Pribran, de quem falamos anteriormente, propôs que nosso cérebro reconstrói a  realidade a partir de uma ligação matemática do nosso cérebro com o universo.  Já Kurt Anderson, psicólogo do Instituto Rensselaer, diz que o acesso à  informação deve ser holográfico e depende da ressonância do indivíduo, isto é,  depende do conteúdo da psique.
 
 A Ligação da Física com  o Funcionamento da Mente 
 Mergulhado em tantas dúvidas, vamos acrescentar mais uma.  Falaremos agora sobre o tempo. Para Isaac Newton o tempo é absoluto,  independente, e flui em velocidade constante sem relação com qualquer outra  coisa, enquanto que para Einstein o tempo é relativo, e depende do estado de  movimento, ou seja, da velocidade, e também da gravidade e da aceleração. Paul  Davies é um físico australiano contemporâneo com vários livros publicados, está  radicado em Londres, e diz que não há um só tempo. Se não há um só tempo,  provavelmente não há uma só realidade. Mas a qual realidade a consciência é  relacionada? Será a consciência um fenômeno local? Ela existe materialmente?  Ela pode ser sintetizada? Como é que se relaciona com os sentidos? Serão  estados cerebrais? Será que consciência é um conjunto de estados cerebrais e é  delimitada pelo corpo?
  Nick Humphrey é um neuropsicólogo da atualidade que tem  livros publicados sobre a questão da consciência, e uma visão bastante radical  sobre as emoções. Ele garante que os sentimentos são criações esquenomórficas  da evolução que impedem a criação de um computador realmente humano, um  computador que tenha sentimentos, porque os sentimentos são erros da natureza,  e erros não podem ser corretamente simulados. Já Ken Wilber e Stanislav Grof  fizeram muitas pesquisas na área da consciência, trabalhando no desenvolvimento  da Psicologia Transpessoal, e também falam no funcionamento holográfico do  universo ou da memória. Então voltamos ao assunto da sincronicidade, pois é  evidente que um universo interligado eventualmente apresentaria comportamentos  sincronísticos. Quando algo acontece em qualquer lugar, isso tem efeito em  todos os outros lugares. Então é necessário que esse comportamento interligado  seja levado em consideração em qualquer atividade humana, especialmente na  psicologia. E estando interligado, deve haver uma causa em todos os efeitos  sincronísticos que acontecem, ou seja, todas as sincronicidades têm uma razão,  ainda que não a compreendamos imediatamente. E sabemos muito mais. Sabemos que  esses eventos sincronísticos não são causados por fluxos de energia, embora  sempre produzam algum. Há um capítulo inteiro sobre isso no livro Física e  Psicologia.  A energia não tem estrutura, não é composta, e na verdade  sequer é algo material. Ninguém jamais viu energia, porque nenhuma forma de  energia tem estrutura. A energia é um potencial de realização de trabalho, e  como potencial, é mais filosófico que material. Esse é o conceito físico.  Quando dizemos que uma molécula de glicose tem energia, estamos dizendo que, de  alguma forma, algo nessa molécula é capaz de levar à realização de um trabalho.  Esse algo, que chamamos energia, é um análogo ao conceito platônico de forma,  mas seguramente não é algo real, no sentido usual da palavra. Deixe-me dar um  exemplo bem prático. Eu preciso de algo que faça barulho. Pronto. O livro que  está na minha mão certo? Eu o levantei, dando energia potencial gravitacional  para ele. Só que esta energia não pode estar nele porque ele não esquentou.  Ninguém sabe onde é que está essa energia porque também ninguém sabe o que é  energia. Mas se eu o largar, perceba o barulho de seu choque com o chão. Esse  barulho foi o efeito da transformação parcial da energia potencial  gravitacional em energia sonora, que foi levada até os ouvidos de todos nessa  sala através de uma onda sonora. Outra parte dessa energia transformou-se em  calor, esquentando um pouco o livro, e assim por diante. Então, isso é energia.  A capacidade de realizar trabalho.  Só que a energia depende da forma. Quando esse livro foi  levantado, o que mudou? Isso. Só o que mudou foi a posição desse livro em  relação ao chão. Isso é informação, não é energia. Percebem? Isso é um número  pitagórico. É informação platônica. Mudou a altura. Claro que isso é relativo  porque o chão está aqui, mas poderia estar em outro lugar qualquer, se  existisse um degrau, ou eu estivesse soltando o livro do alto de um prédio.  Portanto, a quantidade de informação que algo possui define sua complexidade, e  é esta mesma informação que determina como a energia será utilizada. Informação  é, por exemplo, o lugar onde o átomo de carbono está na molécula de glicose, e  é isso que faz com que ela possa transferir energia, criando movimento e calor.  Assim fica evidente que a energia não pode ser a explicação de tudo. Você pode  usar a energia para explicar de um modo simples os fenômenos cotidianos, como o  funcionamento do cérebro e dessa lâmpada, mas uma descrição mais profunda e  precisa tem que mostrar que a energia é derivada de um processo informacional  que tem a ver com posição, que tem a ver com algo indizível que podemos chamar  de forma.  Todos nós estamos familiarizados com a idéia de que os  símbolos têm o poder de manipular energias e produzir complexos, pelo menos no  tocante à psique, mas isso é somente a ponta do iceberg. Mas se o símbolo tem  esse poder, onde é que está a energia do símbolo? Está no mesmo lugar que  estava no livro. Não está nele. O símbolo é imaterial. Ele é uma forma. Então,  se não estamos preocupados com a aplicação tecnológica e pragmática do fenômeno  físico, mas sim com sua utilização no contexto humano, não devemos envolver  energia. Não precisamos, na maioria das vezes, falar em energia, mas sim em  informação, porque o símbolo é informacional e controla a energia, portanto ele  é superior à energia e é ele quem faz o trabalho, quem possui um significado  intrínseco e está presente nos arquétipos. Num automóvel, por exemplo, a  energia é associada ao combustível, mas ela nada pode dizer-nos sobre como foi  produzida ou para quê será utilizada, pois isso quem determina é o símbolo,  manifestado na inteligência embutida no motor e no motorista.
 
 Debate Platéia: Poderia pensar em transdutor na medida em que  você fala de informação? Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Transdutor tem um  conceito físico bem definido. Transdutor é aquilo que pega uma forma de energia  e transforma em outra. O  símbolo, então, nesse sentido não pode ser um transdutor porque ele não pega  uma energia e transforma em   outra. Ele que cria a possibilidade de haver trabalho. Ele é  que dá energia ao sistema e determina seu comportamento. Foi a informação que  fez o livro gerar o som. Não foi a energia. Então, a informação é superior a  ela. Platéia: Essa não é a linguagem quando você fala em superparadigma. Quer  dizer, então, tudo também passa a ser observado dentro desse superparadigma. É  isso?  Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Veja bem: Cada vez que  conseguimos fazer uma coisa nova, conseguimos também fazer uma interpretação,  uma nova leitura. Por esse motivo a educação é tão importante. Quem estuda  enxerga o mundo de outras formas, outras perspectivas. No tempo do  superparadigma do universo-relógio aquele era o melhor jeito de enxergar o  universo. Porque o universo parecia funcionar como um relógio. Não estava  errado. Estava bem de acordo com o conhecimento que se tinha naquele momento. O  superparadigma do universo-energia faz parte de tudo o que se sabia sobre a  máquina térmica, sobre a revolução industrial, que era baseada no carvão e nos  conceitos de força e energia. Atualmente temos uma outra visão. Nós temos  coisas novas sendo descobertas, e acho que a principal delas é a parte mais  nova da física que é chamada de Computação Quântica. A computação quântica  concluiu inequivocamente que os bits de informação tem entropia. Ou seja, eles  carregam em si uma forma de modificar o universo. E eles provavelmente são os  tijolinhos iniciais do universo. São os bits básicos do universo, e eles são  precursores da energia. Hoje não existe mais sentido em falar no  universo-energia. Hoje nós falamos na linguagem do universo-informação. Isso  não quer dizer que no futuro nós não tenhamos um novo superparadigma, com outra  compreensão do mundo. Mas, hoje a melhor compreensão não é o universo-energia  porque nós já passamos dessa fase. Platéia: Minha pergunta é exatamente sobre energia.  Porque a visão simbólica está muito ligada à visão de energia psíquica. Como é  que você vê essa questão? Como é que você pensa isso? Porque é alguma coisa que  está sendo pensada atualmente. Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Jung nunca aceitou plenamente  a idéia de energia psíquica, que ele recebeu pronta de seus professores. Uma  leitura cuidadosa das suas obras deixa claro que Jung sabia que esse conceito  não poderia responder a todos os fenômenos relacionados com a mente. Uma prova  disso é que o próprio Jung escreveu que a psique teria que ser considerada um  sistema quase entrópico, por exemplo. Ora, os sistemas energéticos ou são  entrópicos ou não são. Não há meio termo. Além disso, em mais de uma ocasião  Jung escreveu que a questão psicofísica permanecia em aberto, e que talvez  nunca fosse solucionada, e mesmo quando utilizava a idéia de energia psíquica  Jung tinha claro de que ela teria que ser de uma natureza diferente, ou seja,  poderia inclusive nem ser energética. Mas precisamos compreender que a  concepção consensual era de um universo de natureza energética, e o contexto  científico da época era fundamentalmente favorável ao mecanicismo e à  relatividade, de modo que abandonar o conceito de energia psíquica sem propor  um termo substituto adequado não pareceria uma opção sensata para ninguém,  especialmente considerando as dificuldades que cercavam a pesquisa psíquica e  as acusações de anticientificidade que freqüentemente faziam a Jung. Em nossa  época, na qual a natureza energética do universo está sendo questionada, Jung  provavelmente abandonaria a noção de energia psíquica em favor de um termo ou  expressão envolvendo a informação, porque este conceito está mais relacionado  ao conteúdo simbólico da psique, e não possui as restrições entrópicas associadas  à energia, preparando o terreno para a solução da chamada “questão  psicofísica”. Profa. Denise Menezes: É interessante a  observação que você fez. No meio onde eu transito, que é o meio médico  homeopático, nós temos absoluta consciência de que usamos o termo energia, o  termo campo, sem precisão conceitual. Você me ajudou muito quando você disse  que campo foi uma palavra inventada para alguma coisa que não se explica. É  exatamente isso. Porque nós ainda não sabemos explicar como a pessoa mantém o organismo  funcionando daquele jeito, e como é que eu dou um remédio que está diluído  acima do número de Avogadro, que não tem mais nenhuma molécula da substância  original, só água e álcool, e ele faz efeito. Eu pego outro remédio que também  foi diluído acima do número de Avogadro, só tem água e álcool, e ele não faz.  Um faz efeito e o outro não, porque um é o remédio da pessoa e o outro não é. O  que é isso? Eu também não sei. Então nós médicos homeopatas usamos termos que  nós sabemos que são inadequados, mas que são compreendidos. Ninguém ousou  inventar outros. Porque não adianta inventar uma outra palavra se nós ainda não  sabemos exatamente do que estamos falando. Por não sabermos, usamos uma que já  existe, que é conhecida e que simboliza algo que todos entendem. Se eu não sei  o que é, deixa o campo que já foi inventado com essa finalidade e pronto. É  lógico que eu espero que um dia a gente vá entender. Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Vamos pensar juntos. A  primeira teoria sobre calor envolvia a existência de uma partícula que se movia  entre os corpos como se movem os fluidos, denominada calórico. Cerca de vinte  anos depois da proposição do calórico, outros estudos demonstraram que a noção  de calor como uma partícula era equivocada, e que a compreensão do calor como  sendo uma troca energética desprovida de partículas permitiria descrições mais  precisas do comportamento da realidade. Apesar disso o calórico demorou mais  oitenta anos para sair completamente dos livros de física. Assim também  aconteceu com a idéia de que o éter era o meio interestelar necessário para a  propagação de luz, que influenciou físicos ao longo de toda a primeira metade  do século XX apesar dos resultados da experiência de Michelson-Morley mostrarem  que essa era uma hipótese improvável. Esse é o problema dos conceitos  equivocados: como as palavras têm força, trazem informações que designam ou  simbolizam aspectos da realidade, e podem impedir avanços importantes tanto na  ciência quanto no desenvolvimento humano. Provas disto, por exemplo, são a  programação neurolingüística e a sugestão ou hipnose. Então nós, que mexemos  com a cabeça dos outros, seja como professores, analistas ou conselheiros em  qualquer área, temos que tomar cuidado com as palavras. Nós não acertamos  sempre, e temos o direito de errar, mas é preciso estar disposto a reconhecer  erros, e corrigi-los. Isso é um dos pilares do comportamento científico. Se  existe um sinal dizendo que energia e campo não são as melhores palavras para  explicar determinados fenômenos ou aspectos da realidade mental, é bom que  façamos uma reflexão. Por que insistir no uso de palavras que pertencem ao  contexto de um modelo ultrapassado de universo, sabendo que essas mesmas  palavras levarão inevitavelmente a erros e mal-entendidos? Essa atitude recalcitrante  pode prolongar o processo de assimilação do novo paradigma, que abre uma série  de perspectivas e possibilidades ampliadas. No final, entretanto, com ou sem a  nossa concordância, a superioridade do novo modelo vai ficando evidenciada  pelos sucessos alcançados, e as novas gerações as assimilam automaticamente. As  idéias antigas acabam nos livros de história e nos museus.  Agora, vamos pensar um pouquinho nas referências da Dra.  Denise à homeopatia. Eu não consigo imaginar situação mais favorável para a  assimilação do modelo informacional, e abandono do modelo energético, do que a  homeopatia. Vocês vêem essa água aqui nesse vidrinho? Eu a pego e chacoalho cem  vezes. Quem estuda homeopatia sabe o que eu estou fazendo. Essa água nunca mais  vai ser a mesma, pois a água esteve na minha mão e nela tem alguma coisa  diferente, com toda certeza. Eu não tenho e menor dúvida disso, e nem as  pessoas que acreditam na homeopatia. Mas, se você mandar isso para um  laboratório eles não vão achar nada diferente nela. Não vai ter um átomo  estranho. Não vai ter cheiro nem qualquer partícula diferente, não vai ter  esquentado nem esfriado, e os laboratoristas vão dizer: “aqui só há água”. Mas  nós sabemos que tem alguma coisa diferente aqui. O que essa água ganhou quando  foi chocalhada por mim, e não por uma máquina, foi minha intenção de levar a  cura a um outro ser. Intenção que agora é simbolizada pela água, que é levada  pela água. Chacoalhar, então, é um processo necessário apenas no nível  simbólico. O que a água ganhou foi informação. Essa água agora é poderosa  porque tem ligação com uma intenção de cura. Ela tem uma profunda ligação  comigo e com quem a usará. Essa água contém um significado, e se isso for  mostrado para alguém, e essa pessoa perceber a informação contida nessa água,  ela pode ser curada. Vocês sabem que isso funciona, mas depois de diluir tantas  vezes uma substância na água, tudo o que sobra é água e diluição. Agora, se eu  disser que tem um campo, ou uma energia, ou outro tipo de matéria, qualquer  cientista pode facilmente provar que estou errado. Não há nada nessa água, a  não ser a intenção de cura. E funciona. Mas intenção não é energia. Não é  campo. É informação. E se eu disser que tem campo, mas não é o campo da física,  ou tem energia, mas não a energia da física, então seria melhor utilizar uma  outra palavra para isso, não é mesmo? Para quê usar uma palavra que já possui  um significado complexo, somente para ter que dizer depois que o significado é  outro? Peça para alguém explicar no que esses campos e energias psíquicas  diferem dos da física, e você verá que essa pessoa acabará elencando uma série  de propriedades compatíveis com o conceito de informação contido em um símbolo.  Então é melhor dizer logo que o conteúdo informacional da água foi alterado  pela intenção de quem preparou a diluição, que nada mais é do que uma operação  simbólica, como qualquer ritual, destinado a dirigir a atenção para um foco,  neste caso a potencialização do medicamento, e a cura. Profa. Denise Menezes: O que eu estou dizendo é  o seguinte: se não houver observador, nada aconteceu com a água. É o observador  que está atribuindo uma qualidade diferente à água que você chacoalhou. A água  que cura, por exemplo. Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Exato. O que é esse  significado? O que é essa informação? É exatamente sobre isso que nós estamos  falando. É isso que move o mundo. É isso que modifica as coisas. É isso que faz  o livro cair ao chão. Não é a energia.  Vou passar agora para as dez perguntas prometidas no início.  São dez perguntinhas para a gente quebrar a cabeça com elas. Eu vou passá-las  bem rapidamente. Baseado em tudo o que nós vimos, poderíamos perguntar:  Em que sentido as coisas existem? O que significa existir  num universo que está totalmente interconectado? O que significa eu ser o João?  O que significa o passar do tempo, ou qual o sentido da passagem do tempo, se  sabemos que as partículas estão conectadas instantaneamente? O que significa  passar? O tempo passa, afinal?  O que significa morrer em termos de informação? Para onde  vai a informação quando alguém morre? Energia a gente sabe onde vai, mas a  informação que é a pessoa, a informação que é o valor intrínseco das coisas,  essa informação que é entrópica, para onde vai? Agora há pouco falamos nisso,  nas pesquisas mais modernas da física da computação quântica, e vimos que os  bits são entrópicos. Ou seja, eles se conservam. Bits não desaparecem. Bit é um  ente físico não energético, mas que controla a energia, ou seja, os bits são  qualitativamente superiores à energia.  O que significa solidão num mundo que está totalmente  interconectado? Em que sentido é possível ser solitário?  O que significa estar aqui numa situação de universo  holográfico? Onde é que eu estou, na verdade?
 As pesquisas da psicossomática têm lastros físicos? Ou seja,  quando o inconsciente de uma pessoa fica doente e seu corpo também fica doente,  isso acontece porque existe algum elo material ou energético agindo? Há alguma  lei física que prove isso? Há como mostrar que existe algo físico agindo? Em  termos energéticos, talvez não. Mas e se esse elo fosse simbólico?
 Por que o universo que não sou eu produziria um fenômeno que  tem significado para o eu? Já pensaram nisso? Parece evidente que somente damos  significado àquilo que existe dentro de nós, e isso não é nenhuma crença  religiosa. Não é uma fé cega em coisa alguma. O universo tem que ser igual ao  eu, senão o eu não o entenderia. Jamais “descobriríamos” leis físicas, ou  qualquer regularidade natural porque somente possui significado aquilo que se  relaciona comigo, aquilo que encontra eco dentro do eu. Vocês sabem disso.
 Platéia: Aquela pergunta que você falou que todo mundo  faz: Então, porque o universo precisa de mim? Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Nós conversamos antes,  mas não combinamos que a Dra. Denise ia fazer essa pergunta. A pergunta que  costumam fazer nesse momento em uma palestra é mais ou menos assim: “Mas se o  universo é uma coisa só, se tudo está interconectado, porque nesse momento eu  acho que eu sou eu? E sou separado do universo. Porque o universo se dividiu?  Porque o universo deixou de ser um e passou a ser muitos, pelo menos  ilusoriamente?” Não há resposta para isso, mas tenho uma estória muito  semelhante àquelas que contamos para explicar às crianças algo que achamos que  elas não são capazes de entender de maneira literal. Vamos à estória, que é  mais ou menos assim:  Aquilo que é um não conhece a si mesmo  porque o um não pode se conhecer. Para isso tinha que haver um espelho, ou  alguém para conversar, mas não existe nada fora do um, então o um não se  conhece. As pessoas precisam de espelhos para se conhecer, por isso tudo o que  existe é uma forma de espelho, porque mostram diferentes aspectos do eu. O um  não se conhece. Ele simplesmente é. Mas surge uma dor de solidão, que é o mesmo  que uma vontade muito forte de se conhecer, e essa vontade é tão forte que o um  perde o medo de sentir falta da sua parte que vai embora e se divide. Já não  existe apenas o um, mas agora existem dois, e cada parte do um pode ser o  espelho da outra parte, e pode aprender com a outra, mas isso não é o bastante  porque cada parte vê a outra mas não vê a si mesmo, então surge novamente em  cada um deles uma vontade de se conhecer de verdade, e cada um se divide em  dois, e isso é bom. É ilusório e temporário, mas é bom. Agora são quatro, e  cada um pode conhecer outros três, que antes foram parte dele próprio, mas  sobra sempre um pouquinho do eu que não pode se conhecer, porque não é outro,  mas é possível continuar essa divisão para sempre, então é sempre possível  conhecer um pouquinho mais do eu, mas nunca tudo. Por isso todas as coisas  nascem do um, e vêm com um desejo enorme de conhecer, pois assim elas continuam  a se dividir, e se dividir, e cada vez mais o um se conhece, de modo que no fim  resta apenas o conhecimento do um, e cada vez menos dor de solidão.
 
 Só uma coisinha. Sincronicamente ontem à noite eu estava  vendo uma entrevista com o Roberto Freire e, hoje no jornal eu vi a mesma  coisa. Ele está lançando a autobiografia dele e, o título é: O eu é o outro.  Porque ele não sabe falar de si mesmo senão através dessa ligação da relação  com os outros.
 Então, depois dessa estorinha e desse depoimento sobre  sincronicidade, vamos continuar com nossas dez perguntas:
  se matéria e energia são a mesma coisa, e nós vimos que pela  relatividade, pelo funcionamento da bomba atômica, matéria e energia trocam de  lugar uma com a outra. São correspondentes. Se matéria e energia são a mesma  coisa e alguém acredita num universo energético, ou numa energia psíquica, isso  não seria a mesma coisa que ser materialista?  se os campos morfogenéticos do Rupert Sheldrake existem - e  ele fez umas experiências que parecem indicar que existe algo que delimita o  crescimento de alguns seres vivos - esse campo não é energético porque ele  existe independente do ser. Então, como ficam os argumentos teleológicos? Há um  objetivo evidente, porque se tem um mapa, tem um caminho. Mapas foram feitos  para pessoas encontrarem certas cidades, ruas e rios. Então, quem fez o mapa?  Como o mapa apareceu? Como ficam os argumentos teleológicos?  J. B. Rhine, na década de 1940, fez na universidade de Duke,  na Carolina do Norte, muitas experiências que comprovaram inequivocamente que  existe telepatia. Só que a telepatia é muito estranha porque ela ocorre  independentemente da distância, então não é possível atribuí-la a qualquer  processo energético porque a energia diminui com a distância. Se você se afasta  o projetor de slides, por exemplo, a imagem vai ficando cada vez mais escura.  Se você emite um sinal de rádio, com o afastamento da emissora o sinal vai  ficando cada vez mais fraco. Telepatia não funciona assim. Ele fez experiências  colocando pessoas em submarinos do outro lado do mundo, com pessoas na sala do  lado, e a telepatia acontecia com a mesma freqüência e com a mesma intensidade  em qualquer caso. Então ele mesmo percebeu que não era possível explicar o  fenômeno como se fosse causado pela transmissão de alguma coisa. Então vem a  pergunta: como é que pode existir segredo se existe telepatia? É uma pergunta  que a gente deve se fazer.  Meus queridos, eu quero agradecer muito a  atenção de vocês e pedir desculpas pelos atropelos da pressa, e dizer que foi  muito importante mesmo, pra mim, estar aqui. Ter esse público atento, querido e  tão numeroso, me proporcionará um final de semana muito feliz. Muito obrigado. Profa. Denise Ramos: João, eu queria dar um  testemunho a respeito da sua brilhante palestra. Em julho eu estive com Irwin  Laszlo que é um dos maiores físicos da atualidade, consultor internacional na  ONU. E a sua palestra foi idêntica à dele. Idêntica. Eu fiquei muito orgulhosa  de ser brasileira pelo seu trabalho. Muito obrigado.
 Profa. Marion Gallbach: Boa tarde a todos.  Dando continuidade ao nosso simpósio com essas palestras maravilhosas, tão  vivas e estimulantes, eu gostaria de apresentar com muita honra e alegria o Dr.  Byington, que é nosso velho conhecido. Ele é médico psiquiatra e psicoterapeuta  junguiano. Membro fundador da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica e  membro da Sociedade Internacional de Psicologia Analítica. Ele tem vários  livros publicados e com certeza vai exercer a função transcendente e fazer um  fecho criativo para nós. Obrigado.
 
 Para o sistema nervoso,  o símbolo reúne a matéria e o significado
 Prof. Dr. Carlos A.  Byington
 Agradecido estou eu, Marion, pela acolhida tão carinhosa, e  à Denise, Liliana e a todo o Departamento pelo honroso convite de estar com  vocês aqui hoje e partilhar as palestras tão criativas do João e da Denise.
  Eu fiquei um pouco indiscriminado com tanta informação e  cheguei a ter uma preocupação obsessiva com a sobrevida do gato na experiência  do Schrödinger, citada pelo João. Não consegui encaminhar o problema por falta  de conhecimento no nível da Física e, por isso, vou tentar salvar o gato no  nível simbólico da Psicologia.  Seguindo Jung e a teoria dos arquétipos, eu tenho dedicado o  centro da minha criatividade à conceituação da Psicologia a partir da dimensão  simbólica. É através dessa perspectiva que eu quero considerar as questões aqui  hoje abordadas.  Eu gostaria de propor que raciocinássemos tentando usufruir  de toda a nossa capacidade simbólica. Nosso cérebro tem cem bilhões de  neurônios, que associam nossas vivências com inúmeras metáforas e estabelecem  significados, que se articulam dentro do todo. É a própria natureza do nosso  sistema nervoso que nos leva a sermos animais simbólicos, como nos chamou  Cassirer. Dessa maneira, temos a capacidade de pensar além da concretude das  coisas, em função de incontáveis significados articulados pelo sistema nervoso  e a cultura em cada nova vivência.  Mas aí surge um problema muito grande, porque nossa  Consciência não tem a capacidade de compreender todos os significados  simbólicos de nossas vivências, apesar de freqüentemente ela achar que sabe  tudo.  Jung chamou de Self à totalidade da Psique e também ao  principal dos arquétipos, que a tudo coordena. Prefiro manter o conceito de  Self para a totalidade consciente-inconsciente e chamar o principal dos  arquétipos de Arquétipo Central.  Jung descreveu o principal dos instintos como o instinto de  individuação. Esse instinto é expressão do Arquétipo Central e coordena o  crescimento da personalidade para desenvolver o seu potencial criativo através  de vivências simbólicas, cuja elaboração forma a identidade do Ego e do Outro  na Consciência.O funcionamento do sistema nervoso cria uma tensão  permanente entre o Ego e o Arquétipo Central na elaboração de qualquer símbolo.  Por um lado, o Ego é formado e transformado pela vivência dos símbolos no  aqui-e-agora e se apega às circunstâncias. Por outro, a capacidade máxima do  Arquétipo Central nos guia em direção à totalidade cósmica e à Consciência da  eternidade e do infinito, e, com isso, estimula o desapego a tudo o que é  circunstancial. Que polaridade extrema e estressante! O mais complicado desta  situação é que, durante sua formação e transformação pelos símbolos,  coordenados pelos arquétipos, o Ego identifica-se freqüentemente com o  Arquétipo Central. Nesses casos, muito comuns na infância, mas, infelizmente,  também presentes na vida adulta, o Ego sente-se o autor do processo e não  somente o seu sacerdote e o seu produto. Advém daí a onipotência ou inflação,  que tantos distúrbios trazem à vida de um modo geral e à teoria do conhecimento  em particular.
  É dentro dessa limitação, mas, ao mesmo tempo, dessa  extraordinária ambição do Ego, que eu ampliei o conceito de símbolo como a  entidade intermediária entre o Ego e o Arquétipo Central, mas não simplesmente  como expressão de significados subjetivos, como acontece tradicionalmente, mas  também como representante de significados objetivos. Ou seja, quero apresentar  a vocês um conceito ampliado de símbolo, que engloba o subjetivo e o objetivo e  que, por isso, reúne as ciências humanas e exatas dentro da teoria do  conhecimento. Denomino o conhecimento oriundo dessa reunião de ciência  simbólica, que é a moldura teórica de uma visão de mundo que concebo como  humanismo simbólico.  A Psicologia assim concebida é uma ciência símbolo-centrada  e não Ego-centrada, arquétipo-centrada ou neurotransmissor-centrada.  A Psicologia símbolo-centrada concebe o desenvolvimento da  Consciência individual a partir dos símbolos, cuja dimensão coletiva se  expressa por mitos inseridos na história. A capacidade prospectiva atribuída  por Jung à dimensão simbólica permite-nos conceber o mito formado pelas  circunstâncias históricas e, ao mesmo tempo, coordenador prospectivo do  desenrolar da história. O Mito Cristão, por exemplo, surgiu com a imagem  arquetípica do Messias, em circunstâncias históricas, que prenunciavam a  repressão genocida dos romanos contra os judeus, ocorrida em 70 a.C. No entanto, esse Mito  não se restringiu a essa época e tornou-se o principal símbolo estruturante  para a implantação do padrão de alteridade na Cultura Ocidental durante dois  mil anos.  Dentro desse paradigma símbolo-centrado e mito-centrado,  podemos perceber que as ciências modernas se desenvolveram a partir da  implantação histórica do Mito Cristão, do mito da compaixão, no qual se propõe  uma atitude de alteridade onde o Ego trata o Outro em igualdade de condições.  Trata-se de um Ego capaz de virar sua outra face, ou seja, de examinar sua  posição sob a perspectiva oposta à sua para buscar a verdade dentro da empatia  afetiva. Como tenho mostrado em minha obra, essa posição dialética da relação  Ego-Outro corresponde à implantação na Consciência individual e coletiva do  Arquétipo da Alteridade. A constelação mítica que incrementou maciçamente essa  implantação ocorreu com o Mito de Buddha no século VI aC e com o Mito Cristão  no início de nossa Era.  No entanto, a implantação histórica mítica do relacionamento  de alteridade colidiu com a atitude autocrática da tradição patriarcal que,  durante dez mil anos, coordenou a relação Ego-Outro do indivíduo e da  sociedade, propiciou e foi coordenada pela tendência mítica monoteísta e  acompanhada pelo sistema político monárquico. Ao contrário da alteridade, cuja  relação dialética Ego-Outro é essencialmente democrática e regida pelo  princípio da sincronicidade, descrito por Jung, a atitude patriarcal  autocrática é expressa pela posição polarizada dentro da causalidade racional.  Esta posição separa e diferencia radicalmente a relação Ego-Outro, favorecendo  o elitismo, a luta de classes, o culto da tradição e, por conseguinte, também a  ditadura e a solução unilateral dos conflitos, freqüentemente acompanhadas pela  projeção do bode expiatório, que, em último caso, leva à guerra e até mesmo ao  genocídio.  É claro que todos nós aqui presentes favorecemos o Arquétipo  da Alteridade pela criatividade e o amor, e não pela unilateralidade e pela  repressão patriarcal. No entanto, se a gente olhar lá no fundo da alma, onde  moram nossos arquétipos, temos que admitir que a atitude patriarcal é muito  mais fácil de assumir e de exercer, porque seus resultados práticos são muito  mais imediatos do que a atitude democrática de alteridade. Por isso, quanto  mais difícil, doloroso e ameaçador for um conflito, mais rápido tendemos a  correr para a unilateralidade repressiva patriarcal, mesmo com a conseqüente  perda proporcional da liberdade e a restrição da criatividade e do amor. O  dilema para o Arquétipo Central e para o Ego é muito grande, porque o Arquétipo  Patriarcal é o arquétipo da organização e, por isso, o resultado de sua  ativação é muito prático e eficiente. Freqüentemente, o elitismo do Ego na  posição polarizada patriarcal conduz à estigmatização do Outro, transformando-o  em bode expiatório e justificando moral e legalmente qualquer ataque a ele,  inclusive o seu assassinato.  Os grandes movimentos históricos para a implantação da  alteridade no Ocidente sofreram com a patriarcalização circunstancial ou  duradoura a partir de situações de crise. Em muitos deles, essa regressão  patriarcal foi de tal ordem que a alteridade foi ferida e reprimida, e sua  pujança criativa foi praticamente extinta, obrigando o arquétipo a expressar-se  em outra dimensão psíquica.
 Já na própria conversão do Império Romano ao Cristianismo  identificamos a primeira grande patriarcalização regressiva do Mito através da  estruturação elitista e intensamente autocrática da hierarquia da própria  Igreja Católica. O crescimento do poder da Inquisição durante os séculos  seguintes expressou a patriarcalização crescente do Mito, a qual chegou ao  extremo de perpetrar a perseguição, a tortura, o assassinato e até mesmo a  guerra das cruzadas e o genocídio dos albigenses em nome do Messias da  alteridade e da Compaixão.
  O movimento socialista foi outro grande capítulo da História  do Ocidente, no qual o ideal da busca de fraternidade foi impiedosamente  patriarcalizada e culminou em ditaduras assassinas. A busca do regime  democrático republicano pela Revolução Francesa apresentou uma patriarcalização  emblemática e fulminante que não extinguiu, mas adiou consideravelmente a  implantação histórica do regime político democrático. Nada mais expressivo do  Arquétipo da Alteridade do que o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” da  revolução. E nada também mais expressivo de uma radicalização patriarcal  dissociada do que a invenção da guilhotina por Lavoisier, criada para  exterminar em praça pública os oponentes do regime e que culminou na morte dele  próprio e na ditadura guerreira de Napoleão.  O Arquétipo da Alteridade, exatamente devido à posição  dialética da relação Ego-Outro, na qual o Ego e o Outro são instados a  comparecer com todas as suas características para se relacionar, é o arquétipo  que favorece a totalidade da expressão simbólica na dimensão simbólica  coordenada pelo Arquétipo Central. Por isso, o Arquétipo de Alteridade é sempre  sistêmico e próximo da atividade simbólica do Arquétipo da Totalidade na  posição contemplativa.
 Freqüentemente, a patriarcalização da alteridade é a  conseqüência de uma fixação originada num distúrbio na sua implantação. Foi o  que ocorreu na história da ciência, no final do século dezoito, quando a razão  tomou o poder na Universidade. Junto com a forte reação à terrível ferida  ocasionada pela perseguição da Inquisição aos cientistas durante três séculos,  formou-se uma gravíssima fixação da alteridade no Self Cultural. Quando a  ciência finalmente tomou o poder no templo do saber, ela expulsou da  Universidade a Inquisição. Devido a essa fixação que dissociou o Self Cultural,  junto com a religiosidade intolerante e fanática, o método científico expulsou  também o subjetivo, o que levou de roldão o sentimento, a ética, a intuição, a  introversão e a vivência emocional de totalidade. Foi essa dissociação que  deformou a busca de alteridade do Humanismo desenvolvida pelo Iluminismo nos  séculos dezessete e dezoito, e criou o positivismo materialista do século  dezenove, cuja conseqüência emblemática foi o genocídio atômico do século  vinte.
 
 Como assinalei na pequena apostila distribuída para vocês no  início desse Simpósio, o sistema nervoso possui a capacidade simbólica plena  necessária para o exercício da alteridade. O conjunto das nossas estruturas  corticais e subcorticais tem a possibilidade de reunir em relação dialética,  nos símbolos, todas as polaridades da nossa vida física e emocional. Uma dessas  polaridades é, certamente, a polaridade neurotransmissão-significado, que está  na base da polaridade mente-corpo, cuja dificuldade de articulação dialética é  tão grande que estamos dedicando à sua elaboração o nosso simpósio de hoje.
 
 À luz destas considerações, volto ao início da palestra para  enfatizar que o símbolo estruturante é o conceito central da Psicologia  Simbólica Junguiana, porque ele reúne sempre e de novo as características  subjetivas e objetivas que já estão presentes em toda a atividade biológica,  neurológica e psicológica.
 
 O problema então é que a Consciência individual e cultural é  expressa apenas numa parte do sistema nervoso e, por isso, é limitada para  expressar toda a complexidade e profundidade neurobiológica através da  alteridade. Como vimos, a Ciência também sofreu grandemente a patriarcalização  da alteridade e tem que se conscientizar e corrigir as suas limitações para  poder resgatar a sua capacidade simbólica plena dentro da posição dialética de  alteridade. Só aí a polaridade mente e corpo (significado e neurotrasmissor)  pode ser retirada da posição polarizada patriarcal em que freqüentemente é  situada e reduzida ao princípio da causalidade, para ser vivenciada dentro da  relação dialética de alteridade, na qual podem ser percebidas todas as  conotações da mente e do corpo em função do princípio da sincronicidade dentro  do humanismo simbólico.
 
 Mais uma vez muito obrigado à direção do simpósio pelo  convite, ao João e à Denise pelo que eu aprendi, e a todos vocês por sua  atenção.
 
 Debate Profa. Liliana Wahba: Boa tarde para todos.  Esse evento realmente é histórico por ser o primeiro simpósio do núcleo de  estudos junguianos, por ter reunido três pensadores de magnitude e por ter um  público tão interessado e atento. Continuando as palavras do professor  Byington, se ele disse que depois de duas brilhantes palestras ficou com o ego  indiscriminado, imaginem aqui eu depois de três brilhantíssimas palestras. Vou  dar um exemplo para vocês de causalidade e sincronicidade e de pensamento  causalista e prospectivo. É assim: se eu fico no pensamento causalista, eu  tenho que entender tudo das três brilhantes palestras para coordenar este  debate. E isso eu não vou conseguir. Por outro lado, se eu focar no pensamento  sincronístico, holístico e prospectivo, eu devo achar que tudo isso está  interconectado e tem um sentido, vou ficar na minha humildade acompanhando  esses saberes e os testemunhando. Acho que assim funcionará melhor. O professor  Byington já está aqui. Professora Denise Menezes, por favor. E o professor João  Bernardes. Nós vamos começar o debate. Vocês poderão dirigir perguntas e também  os palestrantes entre si. Aqui na mesa teria alguma pergunta que alguém queira  dirigir ao colega? 
 Prof. Alberto Lima: Eu gostaria de dirigir  a pergunta a qualquer um dos três palestrantes. Ou aos três, se quiserem  responder. Parece aos senhores oportuna a chamada deste simpósio em razão do  seu tema nesse momento cultural?
 
 Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Esse momento está  efervescente. Nos últimos quinze dias, nós tivemos em Porto Alegre dois  eventos que têm muito a ver com este: um encontro de transdisciplinaridade que  reuniu filósofos, padres, físicos, psicólogos e uma série de outras pessoas. A  platéia foi imensa. O teatro onde nós fizemos esse evento superlotou. Foi  montado, também, um evento de espiritualidade e qualidade de vida pela  Associação Rio-Grandense de Medicina Psicossomática, Sociedade Brasileira de  Psicooncologia, pela PUC e outros órgãos. Por que? Porque há essa percepção de  que é preciso entender a realidade com olhos interdisciplinares, ou  transdisciplinares, com esses olhos que nós estamos olhando aqui. Então, esse  momento cultural é justo, é necessário e faz parte de um movimento mais amplo.
 
 Profa Denise Menezes: Se vocês voltarem  atrás, na década de sessenta, de setenta, todo tempo as pessoas estavam  dizendo: "Agora está havendo um movimento". Esse movimento sempre  houve, mas infelizmente nunca conseguiu ser a maioria. Nunca conseguiu se  impor. Eu tive a oportunidade de assistir, um dia desses ao filme Ponto de  Mutação e pensava na ingenuidade do Capra, quando dizia: "o mundo está  mudando agora" . Só que o agora nunca chega. Por outro lado, eu concordo  que quem pensa dessa forma, quem sente, quem percebe essa necessidade de se  unir esforços, de se unir conhecimentos, de se unir intuições, de se unir os  diversos olhares que existem no mundo sobre o ser humano, tem que fazer, mesmo  que seja a minoria. Não importa. Porque nós estamos felizes em estar aqui, eu  tenho certeza. Não sou só eu que estou feliz por estar aqui. Eu acho que todo  mundo que está aqui está muito feliz com certeza. Então, nessa altura não me  importa que repercussão isso vai ter para o mundo. Para mim eu sei que está  tendo. Para uma coletividade está tendo. Eu acho ainda maior o valor destas  coisas estarem acontecendo agora, porque nos anos sessenta, setenta, o mundo  estava propício a isso e agora não está. Então, nós somos os resistentes. Eu  acho que isso até embeleza muito mais. Quando é que vai chegar este momento da  quantidade gerar qualidade e haver realmente um salto, eu não sei. Eu sei que,  se é uma corrida de revezamento, neste momento nós estamos com o bastão.
 
 Prof. Carlos A. Byington: Tenho a impressão que  este simpósio nos permite reunir o subjetivo e o objetivo que é hoje  fundamental para a integridade humana. O momento é muito auspicioso porque  estamos numa fase em que a humanidade corre grande perigo. As devastações  ecológicas do Planeta, a miséria de muitos povos e, sobretudo, o problema  político do terrorismo. Trata-se agora de um problema da totalidade e nós não  podemos mais ficar à parte dentro das especialidades. Temos que ficar na  relação da parte objetiva com a subjetiva. Do ser humano com a sociedade. E com  o próprio Planeta e o Cosmos. É essa preocupação com a sobrevivência que nos  impele para um simpósio como este, no sentido de percebermos a nossa inserção,  a nossa função e os valores que norteiam a sociedade. Todos os índices  planetários que vemos em publicações mundiais como, por exemplo, a publicação  World Watch nos Estados Unidos, são indicativos de um grande perigo da  sobrevivência da nossa espécie. Não só no plano ecológico, mas, no político, no  econômico e no social. Por isso, é necessário despertarmos para um nível de  Consciência simbólica maior, onde percebamos cada vez mais a relação das partes  com o todo, e a sua função dentro do desenvolvimento da humanidade.
 
 Platéia: São tantas questões... Eu acho que está todo  mundo aqui meditando, refletindo, tentando juntar as idéias até para formular a  questão. Mas, há uma pergunta que eu tenho feito nos últimos tempos e gostaria  de saber a opinião de vocês. Como é que vocês vêem esse caminhar junto com uma  teoria única do conhecimento juntando essas diferentes áreas, métodos e  linguagens?
 
 Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Nós temos um problema.  O ser humano é limitado. Nós temos um aparelho psíquico que não nos permite ter  uma percepção da totalidade. A ciência como se apresenta hoje, conta com cerca  de oito mil disciplinas diferentes no mundo. Oito mil disciplinas são estudadas  nas universidades. Absolutamente não existe ser humano capaz de dominar a  linguagem e o conhecimento específico de todas essas áreas. O que se faz então?  Eu não sei. Eu não tenho certeza, mas eu sou otimista. Ao contrário de Jung que  no livro III das Cartas, responde uma carta, dizendo que o otimismo naquele momento  prestaria um desserviço à humanidade. É claro que a situação era diferente  naquele momento histórico. Era uma situação de pós-guerra. Mas, eu nunca  consegui ser outra coisa senão um otimista. Então, eu sei que existe uma saída  para isso. Eu não consigo enxergá-la. Certamente não é todo mundo conhecer  tudo. O caminho passa por esse diálogo a que o professor Byington se referiu:  esse diálogo dialético entre o que se conhece e o que está sendo conhecido. É  por aí. Os jovens de hoje são melhores que os jovens da minha época. Muito  melhores. Eu tenho esperança de que nós estamos caminhando para um processo de  conscientização melhor e ,apesar dos problemas, não estamos retrocedendo.
 
 Profa Denise Menezes: Eu concordo. Eu acho  muito difícil imaginar quando uma teoria única do conhecimento vai ser  alcançada. Se é que vai ser alcançada. Mas, o caminho para se tentar alcançar  já é muito importante. Já dá muitos frutos. Então, mesmo que isso permaneça um  objetivo inalcançado, só de você tentar alcançá-lo você já está construindo  muita coisa, já está levando à frente e, seguramente, está aumentando o serviço  que se pode prestar à humanidade.
 
 Prof. Carlos A. Byington: O aumento do  conhecimento das neurociências nos permite reunir com ele o conhecimento  psicológico já adquirido e tentar compreender melhor a destrutividade do ser  humano e a formação da nossa Sombra. E é isso que nós vemos no mundo hoje com a  miséria, os milhões de pessoas morrendo de fome e de doenças, a devastação  ecológica e, a capacidade de projeção da violência, no outro como bode  expiatório. Vemos um potencial destrutivo enorme no terrorismo e na maneira de  se lidar com ele. Acredito que esse maior conhecimento da psicologia reunida à  neurociência possa nos mostrar um espelho para refletirmos melhor. Necessitamos  ver o terrorismo simbolicamente dentro dos problemas do Planeta. Como  agressividade desesperada, descontrolada e destrutiva, como a guerra de  minorias contra nações. Não podemos só achar que o terrorismo é um mal situado  em países ou pessoas, e que simplesmente deve ser bombardeado para ser  erradicado. Isso é o que preconiza a posição polarizada do Arquétipo  Patriarcal. No entanto, dentro da dialética de alteridade vemos um lado em  antagonismo com o outro, mas com muitas qualidades negativas e positivas de  ambos os lados. A percepção dialética e simbólica do terrorismo nos permite uma  atitude mais abrangente para lidar com ele, mais inteligente do que somente a  repressão, que só faz alimentar ainda mais a sua virulência. Os dados são  assustadores e o conhecimento, a ciência, a busca de compreensão do erro e da  virtude em ambos os pólos das polaridades dentro da totalidade é nossa única  saída.
 
 Platéia: O Dr. Byington falou que a difusão da cultura  nos monastérios infringiu um controle editado pelo poder central. E nós ouvimos  o relato histórico de como isso ocorreu. Durante todo esse tempo, desde a  antigüidade até agora, o controle foi exercido, pelo que eu entendi, sobre o  que era produzido. Então, eu fiquei pensando se não seria possível chegar a uma  frase provocativa e perguntar se nós caímos no paradigma da informação ou no  arquétipo da informação? Além disso, o Dr. Byington disse também que o saber,  sem Consciência, é tremendamente perigoso porque leva à dissociação  sujeito-objeto. Ele deu até como exemplo a neurociência, que pode ser levada  para uma dissociação como essa. Quando a gente fica olhando para uma citosina,  a gente não vê nada lá a não ser algo simples. O humano é algo mais além. Por  isso que ele colocou que, se a neurociência não se der conta disso, acaba  também numa dissociação. Então, eu pergunto: onde a informação ganha sentido  estruturante para o ser humano? Onde ela se torna uma função estruturante plena  para cada pessoa?
 
 Prof. Carlos A. Byington: Na sua teoria da  evolução, Teilhard de Chardin apresentou a biologização e a neurologização como  etapas na aquisição da Consciência. E a Consciência formando a logosfera, a  noosfera, que seria o conhecimento a serviço da humanidade dentro do qual  podemos incluir hoje o conhecimento da Sombra. Considero esse paradigma da  informação, que chamo de supraconsciência, a conscientização do conhecimento  criativo da humanidade e, ao mesmo tempo, da formação da nossa Sombra. Acredito  ser essa a principal informação que precisamos hoje para atender aos males que  nos afligem.
 
 Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Existe uma frase  padrão, que diz que saber é poder. Agora, o que significa isso em termos  práticos? Ainda hoje uma pessoa muito querida, uma amiga me perguntou o  seguinte: por que nós não temos acesso imediato ao todo, já que o todo está aí  e nós estamos caminhando em direção ao todo? Todo nosso processo de  individuação é justamente esse caminho. É se encontrar de novo. É perceber quem  a gente é de verdade e, porque a gente já não vai direto lá, não pula esse  espaço? Isso está bem dentro do problema. Eu não tenho resposta para isso, de  novo, porque eu teria que usar um argumento teleológico. Deve existir uma  razão. Por que eu estou separado do todo e só tenho percepções parciais do  todo? Eu e a humanidade. Por que a gente está passando por isso? Tem que  existir uma razão. Eu poderia citar algumas possibilidades, mas todas elas são  tendenciosas; então, eu acho que cada um pode fazer esse questionamento. Por  que nesse momento nós não estamos com acesso total e ilimitado a toda  informação, já que nós estamos conectados a tudo? Deve existir um motivo para  isso. Quando esse acesso é feito com uma certa ordem teleológica, ele é bom. É  um movimento de apreensão do todo, de crescimento, de espiritualização. Enfim,  um crescimento que não leva ao caos. É parecido com a questão da telecinesia,  por exemplo, Poltergeist. Um menino, um adolescente está com algum problema,  passando por uma fase difícil, e começa causar fenômenos ao redor. Como  funciona esse fenômeno? Ele tem algum poder? Ele está manipulando através da  informação. Mas, isso é ruim porque ele não sabe o que fazer com aquilo. Ele  nem sabe o que ele está fazendo. No entanto, de alguma forma, é ele quem está  produzindo esse fenômeno sem conhecimento do que está fazendo. Ele está  manipulando algo que ele não conhece. Ele não domina. Ele não sabe e, ainda  assim, ele tem essa possibilidade de manipular, e esse é o perigo. Mas, no  momento em que você sabe, que você compreende, que você assimila, então deixa  de ser perigoso. É bom. Todo conhecimento é bom.
 
 Profa Denise Menezes: Eu gostaria de fazer  três comentários bem rápidos de coisas mais ou menos diferentes. Um em relação  a quando se fala do perigo, dos riscos do desenvolvimento das neurociências, se  estiver dissociado. Eu acho que nós não podemos nunca esquecer que no nosso  mundo atual praticamente não existe pesquisa descompromissada. Na verdade, não  existe uma pesquisa pelo saber. Existe uma pesquisa pelo domínio. O  financiamento para a pesquisa tem um objetivo que não é o conhecimento. É o  poder. Foi-se o tempo de madame Curie que nunca patenteou a radioatividade e  cuja  diversão era andar de bicicleta.  Nunca ficou rica com a sua descoberta. Hoje em dia não. Esse é o maior risco.  Não é o desenvolvimento da neurociência em si. Mas, a quem serve esse desenvolvimento, quem  financia esse desenvolvimento. E não é só a neurociência. Eu acho que são todas  as pesquisas. Nós estamos num momento muito difícil em que nós vemos fraude,  nós vemos manipulação de resultados, e não é só na área médica, é em todas as  áreas. Então, eu acho que esse é o grande perigo. E aí eu passo para a segunda  observação. Na verdade, a salvação é reconquista de valores. É o questionamento  de valores. Eu acho que isso é o que pode trazer um salto de qualidade. Eu não  acredito que o que falte, na verdade, seja mais conhecimento. O que falta é  mais sabedoria. É diferente. Nós podemos acumular muito conhecimento e  destruirmos o mundo. Então, não é falta de conhecimento. É falta de sabedoria  mesmo. É a falta, este é o terceiro comentário, do contato com o todo que não  passa pelo conhecimento. O contato com o todo que às vezes nós fazemos  espontaneamente através de uma oração, de uma meditação, de um relaxamento,  andando numa floresta. Eu tenho certeza que a maioria das pessoas aqui já viveu  uma experiência transcendente. Você adquire sabedoria. Você pode olhar a sua  vida depois da experiência e verificar que você se modificou de alguma forma.  Que você tomou decisões que deram uma guinada na sua vida, uma direção muito  mais positiva, mais construtiva. Melhor não só para você, mas para o meio à sua  volta, para todas as pessoas que convivem com você. Isso é sabedoria. E essa  sabedoria não depende de conhecimento em absoluto.
 
 Platéia: Tendo em vista esse avanço todo na física, que  conceitos da psicologia analítica vocês sugeririam que fossem revistos?
 
 Prof. Carlos A. Byington: Na Psicologia Simbólica  Junguiana, que venho descrevendo, trabalhei dois conceitos de Jung que eu acho  importante ampliarmos. Um é o conceito de arquétipo, que ampliei para englobar  também a Consciência. Quando restringimos o arquétipo somente ao inconsciente  coletivo, ficamos unilateralmente na psicodinâmica inconsciente, que é  limitante para a compreensão da totalidade. Através da descrição das cinco  posições arquetípicas da Consciência, que são maneiras arquetípicas de nos  posicionarmos, podemos incluir os arquétipos também como padrões próprios da  Consciência. A segunda ampliação é o subjetivo e o objetivo dentro do conceito  de símbolo. Essas duas modificações são contribuições para o pensamento  Junguiano para podermos desenvolver melhor a vida simbólica, que é a grande  mensagem de Jung. A elaboração simbólica consciente e inconsciente, coordenada  pelos arquétipos, inclui, na tarefa de viver, o conhecimento do bem e do mal  que formam a Consciência e a Sombra.
 
 Profa. Marion Gallbach: gostaria que o Prof.  Byington e o Prof. João Bernardes comentassem. O Dr. Byington falou do fator  subjetivo que se encontra dissociado na ciência e de se ter uma visão  unilateral para o objetivo. Ou seja, a dominância da objetividade. No entanto o  fator subjetivo, nós sabemos, é uma realidade viva. Ele também está muito  ligado com a anima. Então, quando ele é mandado embora, descartado, tenho a impressão  que ele se retira “magoado”, e isto não fica sem seqüelas. Porque ele é a  essência do feminino que não pode ser negada num universo no qual há feminino e  masculino e ambos os lados, objetivo e subjetivo. Isso me pareceu poder estar  relacionado com o que o Dr. João falou, de alguma coisa inexplicável que depois  no experimento atrapalhava tudo. Não conseguiria reproduzir o que Dr. João  disse, mas me fez lembrar desta questão do fator subjetivo que não vai deixar  de afirmar sua existência, só porque não é considerado. Como se algo que não é  reconhecido acabasse se afirmando por atrapalhar.
 
 Prof. Carlos A. Byington: Freud e Jung mostram na  psicologia do século XX que o subjetivo negado sai sob a forma de projeção no  outro. Sai sob a forma da Sombra, de um inconsciente reprimido, que ataca o  outro. O desafio da alteridade então, é você se relacionar de maneira  quaternária. Para admitir a luz e a sombra em você e também no seu  interlocutor. É o relacionamento quaternário de alteridade que traz a  conscientização dessas projeções. Reprimir o subjetivo traz o efeito  bumerangue. A projeção no outro volta com agressividade do outro sobre você. O  aumento de Consciência precisa ser bipolar, e é essa realidade que os símbolos  trazem e permitem elaborar.
 
 Prof. João Bernardes da Rocha Filho: Vamos tentar fazer o  seguinte caminho: as posições da gente mudam. A gente aprende, cai, tropeça,  levanta. Errar é muito importante para aprender. Então, eu não gostaria que  vocês saíssem daqui hoje com uma impressão de que o conhecimento é perigoso e  de que saber, faz mal. Eu acho que é exatamente o oposto disso. Eu acho que não  se consegue sabedoria (se bem que definir sabedoria é muito difícil) sem  conhecimento. Não adianta eu fazer uma viagem para o cosmos, conhecer um guru,  entrar num estado de transe ou ter revelação. Isso me dá simplesmente uma  capacidade de compreender as coisas com outros olhos. Mas, o conhecimento é  importante. Se ele não fosse importante nós não teríamos um mecanismo que nos  dá prazer ao conhecer. Esse mecanismo existe porque é necessário. Conhecer é  bom, apesar de certas pessoas dizerem que o conhecer não é bom. Às vezes eu  conheço uma coisa que eu não gosto. Mas, mesmo que você veja uma pessoa sofrer  por algo, ter uma doença e ficar mal, tempos depois, quando ela estiver  recuperada, ela diz: “Eu viveria tudo de novo”. Todo mundo já ouviu esse mesmo  relato. Eu casaria com aquele mesmo cafajeste. Não é isso? Porque conhecer é  bom e, o conhecimento, esse sim é transformador. O conhecimento é que permite  que você erre e daí diga: “Puxa vida! Eu sabia que não devia ter feito, mas, eu  fiz. Agora eu não faço mais ou, eu faço certo”. Isso cria um ser humano  transformado e sábio. Mas, a sabedoria que vem de graça por uma revelação, não  é completa. Não pode ser. Saber, conhecer, ter acesso ao todo, envolve um pouco  de envolvimento, envolve um pouco de suor, envolve um pouco de trabalho. Vocês  todos que estão aqui devem estar, com perdão da expressão, com o traseiro  achatado de ficar sentado o tempo inteiro. Isso é cansativo. Mas, vocês vieram  aqui por um motivo, vocês têm uma razão para estar aqui. Cada um de vocês,  esses olhinhos que passaram aqui perguntando com vontade de falar, não sairão  daqui do mesmo jeito que entraram. Sairão pessoas melhores graças ao conhecimento.  Eu tenho fé nisso. Eu aposto na educação. Sem fazer propaganda mas tem uma  frase linda que tocava todos os dias na televisão: educação é tudo. Por que?  Porque educação te dá a possibilidade de checar os seus erros e corrigi-los.
 
 Profa Denise Menezes: Sabedoria não exclui  nem substitui conhecimento. Mas conhecimento não é tudo.
 
 Platéia: Vocês dois falaram muito dessa interligação e,  eu estava lembrando quando vocês estavam falando de um experimento do Rhein  sobre telepatia. Eles puseram duas pessoas que não se conheciam em duas salas  separadas e propuseram que um passasse informação para o outro. A chance de  acertar foi meio a meio. Não teve nenhum processo telepático ocorrendo. Mas,  entretanto, eles perceberam que quando as pessoas ficavam na sala de espera  conversando antes do experimento, aumentava muita chance de haver um fenômeno  telepático. Aí eles foram em cima disso. Então, eles punham sujeitos que  ficavam meia hora batendo papo antes da experiência e, eles acertavam muito  mais. Havia muito mais telepatia. Então, eles fizeram experiências com pessoas  que se gostavam muito e, aumentava mais ainda a transmissão da informação. Com  isso eles conseguiram provar que a transmissão da informação mesmo que seja  telepática depende de um contexto amoroso. O símbolo se transmite através do  amor também. A informação vazia de significado é bem diferente da informação  com significado amoroso. Se pudesse fazer comentário sobre isso para a gente  encerrar, eu acho que seria bom.
 Profa Denise Menezes: Eu faço questão de  responder primeiro porque quero ouvir a finalização pelo professor Byington.  Existe um livro chamado Experiências Psíquicas Atrás da Cortina de Ferro. No  tempo da União Soviética eles já tinha um número imenso de experiências que  deram certo com telepatia, telecinesia, como por exemplo mover carrinhos com a  força da mente. Essas experiências são descritas nesse livro. Quando nós  fazemos experiências com coisas ainda tão desconhecidas para nós, nós temos  muito maior risco de erro metodológico. Do ponto de vista científico quando  você quer provar uma tese, faz um experimento e ele não prova a sua tese, você  não pode dizer: provou que não existe. Você pode dizer: não provou que existe.  O que é muito diferente. E seguramente tem muita coisa que precisa ser feita  para se conseguir ter uma maior eficiência nesse tipo de pesquisa. Eu  pessoalmente não tenho a menor dúvida de que é possível ocorrer premonição,  telepatia, telecinesia. Mas essa é uma área onde a fantasia corre tão solta que  a chance de você ir fundo num relato e descobrir que não era nada é muito  grande. O que não significa que esses fenômenos não existam. Por outro lado, se  uma única vez você provar que é verdade, mesmo que não se consiga nunca mais  repetir, você terá provado definitivamente. Porque  a questão é se é possível ou não é possível.  Mas esta é uma área em que a ciência oficial pesquisa com um instrumental muito  inadequado. Quem pesquisa de uma forma mais contundente muitas vezes não tem  formação científica. Então, como será a ciência para uma área tão nova? Que é  antiga e, ao mesmo tempo é nova porque ainda é desconhecida. De qualquer forma  faz muito sentido para mim isso que você falou, porque uma idéia que eu tenho é  de sintonia. Do que quer que seja essa sintonia. De energia, de campo, de  informação. Aliás, informação é o que percebemos. Se não percebermos, não é  informação. Então, não importa qual seja essa explicação, eu acredito nessa  idéia de sintonia. Por exemplo, quando duas pessoas se apaixonam, elas sempre  têm a sensação de que se conhecem de outra encarnação. Mesmo que daí a dez anos  não exista mais nada. Não importa. Quando eles se apaixonaram aquilo era eterno  e infinito. Nem que fosse a fantasia dela apaixonada pela fantasia dele, mas  havia uma sintonia. E na hora em que há sintonia ocorrem muitos fenômenos que a  ciência não explica. Então, para mim faz todo sentido do mundo a experiência  que você relatou. Prof. Carlos A. Byington: Eu queria terminar  agradecendo a sua presença aqui. Durante a última fala da Denise, onde ela liga  amor e conhecimento, eu me lembrei da vivência de totalidade necessária para  humanizar o conhecimento, na qual é indispensável a vivência de amor. O grande  poeta cristão, São João da Cruz, nos dizia referindo-se a Deus: “Aonde  te escondeste,Amado,  e me deixaste com gemido?
 Como  o cervo fugiste,
 Tendo-me  ferido;
 Busquei-te,  mas já havias ido.
 Pastores  que forem
 Além  dos montes:
 Se  por ventura virem
 Aquele  a quem eu mais amo,
 Digam-lhe  que adoeço, sofro e morro.”
  Acho que ele expressava com sua poesia a  necessidade que temos da totalidade, aquilo que Jung chamava instinto de  individuação. Essa vivência na ciência foi bem expressa por Einstein, quando  preconizou a relação do cientista com o universo em função do amor. Acho que  essa afetividade está na ciência, porque é necessário empatizar o objeto para  conhecê-lo. A relação de empatia não é só necessária para conhecer pessoas. É  necessária com a natureza e com o objeto em qualquer pesquisa, porque a empatia  é uma forma de afeto. O que a Denise estava falando é favorecido  extraordinariamente pela relação afetiva. Para ilustrar isso, quero contar a  vocês sobre um índio tapuia que se iniciou na cultura tupi guarani. Ele se  chama Kaká Werá Jecupé e, na última quarta-feira, foi nosso convidado no grupo  de estudos sobre Psicologia Simbólica Junguiana. Ele faz pesquisa na USP e  escreveu diversos livros, entre os quais A Terra dos Mil Povos, editado pela  Editora Fundação Peirópolis, no qual relata a história dos índios do Brasil,  contada pela primeira vez por um índio. Ao falar de seus ancestrais, eu senti  sua grande capacidade de reunir a transmissão do conhecimento e do amor. De  repente, lembrei que ele estava falando de ancestrais que foram exterminados de  maneira brutal. De culturas que foram atacadas e destruídas. De culturas  suicidas de tanto sofrimento e depressão. E, no entanto, ele estava  transmitindo o conhecimento de Tupã, que para eles é o princípio, a energia  universal, com uma serenidade, com uma paz e uma tranqüilidade extraordinárias.  E, eu pensei: como esse índio tem amor dentro dele para conhecer e transmitir  coisas tão sofridas e nos dar aquilo com tanto carinho e abertura. Ali eu vi a  ligação do amor com o conhecimento de uma maneira magistral. Acho que nós hoje  aqui também compartilhamos um ágape. Uma reunião afetiva patrocinada pela  Denise Ramos, pelo Departamento e por essa velha casa, a PUC, que tanto tem  feito pelo desenvolvimento do Humanismo entre nós. Profa. Liliana L. Wahba: Agradeço a presença e a  generosidade de nossos palestrantes. Nós saímos fertilizados, e eu sinto ter  mielinizado meu sistema nervoso com informação, que não se restringe à  informática. Foi trazida a simbologia da totalidade com amor, uma imagem que  nossa espécie necessita para contrapor-se à destrutividade. A todos vocês,  muito obrigado.  |