Partido Social Democrático – PSD: Raízes e Origens
Em 27 de setembro de 2011, depois de muitas idas e vindas, atritos com o PFL, polêmicas em torno das assinaturas para a fundação do partido e ressentimento de muitas outras legendas o Partido Social Democrático, o PSD obtinha seu registro nacional no Tribunal Superior Eleitoral, tornando possível para que já em 2012 o partido recém-criado pudesse disputar as eleições municipais por todo o país. Hoje, com parte das polêmicas anteriormente citadas deixadas de lado, o PSD apresenta números que o consolidam como uma força política nacional que, de quebra, ainda renegou ao Democratas (DEM) um papel coadjuvante na política brasileira. Apenas após o primeiro turno das eleições municipais de 2012, o PSD obteve 494 prefeituras, sendo o quarto partido que mais ganhou prefeituras, elegeu 4.602 vereadores pelo país, 418 vice-prefeitos. Além disso no Mato Grosso, o PSD se consolidou como principal partido da base do governo desse estado, em Santa Catarina garantiu-se como segundo maior partido e na Bahia conquistou 70 prefeituras. Isto tudo sem mencionar que o partido já nascera com 55 deputados federais, terceira maior bancada do congresso nacional, dois senadores e dois governadores, Omar Aziz e Raimundo Colombo, no Amazonas e Santa Catarina, respectivamente.
No entanto, analisar o PSD apenas por esses números ou ainda desconsiderar as causas que levaram a criação do partido seria uma análise simplista e reducionista de um quadro complexo e que diz muito sobre o próprio sistema partidário brasileiro. O presente artigo se desenvolve a partir de uma iniciação científica, ainda em fase de elaboração, que busca evidenciar justamente isso, ou seja, o PSD desde seus primórdios como PFL torna claras algumas dinâmicas do sistema partidário atual, evidenciando o comportamento dos atores políticos, o funcionamento das instituições do regime político brasileiro e os condicionantes dos dois elementos anteriores. Não é do intuito deste artigo aprofundarmo-nos nesses condicionantes, contudo, a própria história do partido fundado por Kassab nos parece suficiente, por enquanto, para explicar algo que passa na maioria das vezes desapercebido em outras análises de partidos políticos, isto é, o partido como organização. Em outras palavras, a estrutura, o arcabouço institucional ou a dimensão administrativa do partido.
A forma com que se deu a formação do DEM e, posteriormente, do PSD, nos mostra como os partidos brasileiros se constituem, tratando-se de suas atividades administrativas, coagidos continuamente pelo pragmatismo norteador de seus integrantes, e é isto que este trabalho almeja mostrar. Vale a pena frisar que isto não implica dizer que os partidos políticos brasileiros não sejam coesos ou que, no limite, são fracos e desorganizados, apenas significa que os partidos políticos brasileiros têm elementos específicos que os constrangem.
Existem duas especificidades que caracterizaram o Partido da Frente Liberal (PFL). A primeira delas e provavelmente a mais conhecida foi seu fisiologismo governamental, isto é, como a própria expressão já indicava, a relação entre o PFL e a estrutura estatal era tamanha que a relação entre ambos era quase simbiótica. O PFL conseguia a partir dessa relação obter cargos públicos, acesso ao Fundo Partidário, tempo no Horário de Propaganda Eleitoral Gratuita, enfim, espólios em geral, que satisfaziam os interesses dos componentes do partido. Esses elementos ajudavam o partido a garantir certa projeção a suas figuras, que por sua vez garantiam seu lugar no Estado nas eleições subsequentes e que terminavam por garantir os elementos anteriormente citados. Era um ciclo razoavelmente simples que garantia ao partido um protagonismo na política nacional e a satisfação de seus grupos de interesse.
Já a segunda característica representa um corolário da primeira. Se o PFL tinha uma necessidade em obter espólios públicos das mais diversas naturezas, e o partido tinha, na década de 90, o nordeste brasileiro como principal fonte de votos, o partido se via fragilizado no restante do país, obrigando-o a formar coalizões partidárias. O PFL era notório por sua capacidade em formar coalizões, o exemplo que salta aos nossos olhos é a vice-presidência de Marco Maciel no período de Fernando Henrique Cardoso. Entretanto, mais importante do que a vice-presidência, é o fato de que o PFL detinha uma posição central no presidencialismo de coalizão da década de 90. O partido exercia uma posição central no governo, de forma que não ter o PFL na base de governo representava ao governo uma séria debilidade na capacidade de cumprir sua agenda. Ora, se o PFL garantia a satisfação de seus grupos de interesse e parte desta garantia se dava por sua posição no presidencialismo de coalizão, obtido a partir das coalizões partidárias, um partido não pode formar coalizões se não garante coesão.
Num sistema partidário concebido no senso comum com um alto nível de infidelidade partidária, o PFL mostrava-se como um contraponto. Não seria possível para o PFL garantir sua posição, se não fosse coeso. Afinal, não teria sentido possuir um partido desconexo em sua base aliada, pois ele não asseguraria previsibilidade aos objetivos da agenda governamental. Isto toca centralmente na dimensão administrativa dos partidos políticos, isto é, o controle da elite partidária sobre seus integrantes para produzir uma expressão uníssona, do partido, torna-se imprescindível.
Nos partidos brasileiros uma das ferramentas para assegurar um certo nível de coesão são as comissões provisórias. As comissões provisórias garantem um alto nível de centralização na estrutura administrativa do partido, pois fazem com que a elite partidária incida diretamente sobre diretórios municipais e estaduais, impossibilitando que certas forças regionais criem divergências intrapartidárias e que, por conseguinte, iriam a oposição ao plano nacional do partido.
As comissões provisórias são comissões que têm seus integrantes definidos pelo mais alto nível institucional do partido, nomeando certas lideranças nas instâncias inferiores. Elas recebem o nome de provisórias, pois, em teoria, seriam observadas apenas nos momentos iniciais do partido. Contudo, no PFL esse foi um mecanismo amplamente usado. Em 2005, vinte anos após sua criação, o partido possuía 207 diretórios municipais e 438 comissões provisórias. Garantindo que a elite partidária detinha um grande controle sobre o partido.
Ademais, as comissões provisórias eram criadas a partir de resoluções, visando uma acomodação dos interesses da elite partidária, em detrimento das forças regionais. Um exemplo de resolução com esse intuito é transcrito abaixo:
"A Comissão Executiva Nacional do Partido da Frente Liberal – PFL, no uso das suas atribuições no art. 105 do Estatuto do Partido. […]
Resolve:
Art. 1° Dissolver o Diretório Regional do PFL do Estado de Goiás.
Art. 2° Designar Comissão Provisória Regional com a seguinte composição: Presidente – Ronaldo Ramos Caiado [...]"
No entanto, este grau de estabilidade e prosperidade do PFL foi sendo transformado à medida que o partido perdia espaço no nordeste para o Partido dos Trabalhadores (PT), rompendo com o ciclo anteriormente estipulado. Ademais, com a perda da posição situacionista em 2002, fora o encolhimento do partido vista as derrotas eleitorais, o PFL fragilizou-se, sem satisfazer mais seus quadros políticos. Este comportamento pode ser compreendido a partir do cientista político Angelo Panebianco, autor no qual nós aqui concordamos.
Panebianco coloca que a dimensão do partido só serve como variável independente em dois momentos. Primeiro, abaixo do limite de sobrevivência de um partido. Cada partido possui sua própria estrutura burocrática, arcabouço institucional e, obviamente, interesses. Se todos esses fatores estão sendo contemplados, podemos dizer que a dimensão do partido não determinará seu comportamento, contudo, se um partido necessita, por exemplo, de 10 cadeiras legislativas para retirar uma determinada quantia em dinheiro do Fundo Partidário e adquirir uma parcela de tempo satisfatória no Horário de Propaganda Eleitoral Gratuita (HPEG) e este possui apenas 5 cadeiras, seu comportamento será agressivo, neste caso, a dimensão do partido serve como variável independente, pois ela sozinha é capaz de explicar o motivo do partido para lançar candidato próprio ou tirar outro partido da disputa. O outro momento em que a dimensão do partido serve como variável independente é quando é atingido o limite de enrijecimento. Continuemos no exemplo do partido que necessita de 10 cadeiras legislativas. À medida que ele cresce, nos três pleitos seguintes ele conquista, respectivamente, 13, 17 e 21 cadeiras. Nesse momento de expansão o partido adquiriu maiores recursos, isso implica numa maior burocratização, maior complexidade, maior especialização no trabalho intrapartidário, etc. Resumindo, o partido aumenta de tamanho, cria cargos e interesses novos e, obviamente eles precisam ser atendidos. De forma que 15 cadeiras passam a ser o novo mínimo de assentos necessários para que o partido se perpetue. Se nos próximos dois pleitos o partido cai de 21 para 18 e 14 cadeiras, respectivamente, o partido terá menos recursos para satisfazer uma maior estrutura organizacional. Contudo, os novos interesses criados não podem simplesmente desaparecer, assim como os novos cargos criados, também pelo fato de que os novos cargos do partido são dotados de poder político. Nesse momento o partido encontra-se ao seu limite de enrijecimento. O partido não é capaz de diminuir de tamanho a ponto de se desburocratizar, fazendo com que o partido satisfaça todos seus membros. Caso ele permaneça abaixo deste limite, o partido tende à instabilidade.
Situação similar ocorreu com o PFL. Não só suas consecutivas derrotas no nordeste o enfraqueceram, como a perda da posição situacionista em 2002, pela primeira vez em sua história, consagrou a decadência pefelista. O partido não era mais capaz de satisfazer todos seus grupos de interesses ou clientelas políticas, pois não dispunha dos recursos necessários. Também não era capaz de diminuir o partido de tamanho, já que enfrentava o limite de enrijecimento, evidenciado por Panebianco, levando à instabilidade.
Conforme o primeiro mandato de Lula se desenrolava, o partido ficava cada vez mais instável. Seu círculo interior tinha cada vez mais dificuldades de manter o poder partidário centralizado. As dissoluções de diretórios e convocações de comissões provisórias, com datas de vigências indefinidas, não eram mais capazes de controlar o partido. A situação ficou definitivamente crítica em 2006, quando o PFL novamente perdeu as eleições presidenciais. A partir deste momento, a elite partidária vendo que determinadas instâncias regionais do partido adquiriam mais poder, em especial a de São Paulo, concluiu que a única forma de retomar o controle do partido seria com um projeto completamente novo, que possibilitasse a formulação não de um novo partido, mas de um novo estatuto que recomeçasse a burocracia intrapartidária, institucionalizando a centralização do partido. Nascia o DEM, com o poder em seu art. 67, referente à Competência da Executiva Nacional de controlar todos os aspectos da vida intrapartidária.
Mesmo com um estatuto que garantia amplos poderes à Comissão Executiva Nacional, o DEM foi criado num momento em que algumas instâncias e quadros políticos já possuíam grande autonomia. O estado de São Paulo e a cidade de São Paulo foram, por exemplo, as exceções, pois não tiveram seus diretórios dissolvidos e comissões provisórias convocadas. Isso de deu pelo fato de que essas instâncias eram formadas por quadros próximos a Kassab. Quando ele assumiu a prefeitura de São Paulo em 2006, a prefeitura lhe concedeu o capital político necessário para se articular, aglutinando forças suficientes que o tornaram resistente às decisões da comissão executiva nacional democrata.
Contudo, Kassab não via formas de se projetar no âmbito nacional no DEM, em especial pelo seu alto grau de centralização. Com um quadro coeso e políticos do DEM em situações semelhantes à dele, o prefeito de São Paulo conseguiu formar um novo partido, o PSD. Ademais, a criação do PSD evidencia dois importantes aspectos da realidade política brasileira. Em primeiro lugar, mostra o elevado grau de pragmatismo entre os políticos brasileiros, como provado no esboço interior que tratava das informações introdutórias da pesquisa. Em segundo lugar, quanto mais um partido é descentralizado, mais organizado ele é, pois o espaço de manobras políticas possível a forças regionais, faz com que interesses divergentes sejam conciliados, garantindo um alto grau de coesão interna. Em contrapartida, se um partido é centralizado, menos organizado ele o é, pois o torna suscetível ao aparecimento de frações e facções intrapartidárias. Exemplo disto foi o DEM. Sua centralização enorme com poder estatutários possibilitou que políticos descontentes com os rumos democratas e com suas carreiras políticas se juntassem a Kassab e ao PSD.
Este breve percurso da história do PSD nos mostrou certas regularidades dos partidos e do sistema partidário brasileiro. Além disso, sua história torna mais provável que o PSD como organização concilie os interesses de seus integrantes, não sendo apenas um veículo para os objetivos políticos de sua elite. Isso não significa que o PSD visa ser um partido de massa, assim como é concebido por Maurice Duverger, mostra apenas que as forças regionais que existem no partido tenham suas demandas atendidas pelo círculo interior do partido. Um exemplo disso é a projeção de outras figuras do partidos no âmbito nacional, não sendo de São Paulo, por exemplo. Como Kátia Abreu, senadora de Tocantins, Omar Aziz, governador do Amazonas e Raimundo Colombo, governador de Santa Catarina.
A priori, podemos esperar que o comportamento do PSD seja agressivo. O tamanho com que o partido nasceu exige que os interesses dos grupos dissidentes, sobretudo do DEM, sejam atendidos. Nesse momento vamos de encontro, mais uma vez, com Angelo Panebianco, pois este comportamento agressivo é necessário para que se atinja um limite de sobrevivência, isto é, uma quantidade mínima de recursos ainda devem ser garantidas para que o partido se estabilize.
Além desse comportamento, podemos observar uma certa preocupação que o partido tem de criar mecanismos burocráticos que dialoguem com setores da sociedade. Isto vem sendo uma tendência nos partidos brasileiros frente ao sucesso do PT nas eleições nacionais e sua proximidade com centrais sindicais. O chamado "PSD Movimentos" coordena as ações sociais e sindicais do partido. Este braço do partido nos parece ter o intuito de informar ao partido as principais demandas de setores da sociedade para que o partido não se assemelhe com seus antecessores, PFL e DEM, criando um mínimo de arcabouço institucional que o distancie de um partido de quadros.
Portanto, o PSD parece ser um modelo referencial para o sistema partidário nacional. O partido consagra o pragmatismo político e a ausência de ideologia. Parece-nos uma resposta residual dos condicionantes do próprio sistema partidário brasileiro, do que o resultado de um grupo de pessoas que buscam representar qualquer clivagem social ou com uma visão de mundo singular e transformadora.
Bibliografia
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COBERLLINI, Juliano. "O poder como vocação: o PFL na política brasileira". Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2005.
GUARNIERI, Fernando H. E. "A força dos partidos fracos – um estudo sobre a organização dos partidos brasileiros e seu impacto na coordenação eleitoral". Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009.
PANEBICANO, Angelo. "Modelos de Partido – organização e poder nos partidos políticos". São Paulo: Martins Fontes, 2005.

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