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Marina e a Rede

Marina Silva e outros “sonháticos” apresentaram o manifesto de um novo partido, por ora batizado “Rede”. Assume-se que com a Rede virá uma nova candidatura à presidência da República. À parte a empolgação que cerca ocasiões do tipo, cabe discutir se o país precisa de um novo partido. Se, nesse novo partido, Marina terá viabilidade e qual será seu papel na eleição presidencial. Por fim, que perspectivas teremos com eles, Marina e a Rede.
Num sistema político que ficou arcaico, de disputas desgastantes e ações redundantes tudo parece resultar numa mesmice modorrenta. Nesse ambiente, a renovação é, em tese, bem-vinda. Mas, só haverá renovação se, mais que novo, o partido for moderno e suas intenções não forem as de sempre. Não basta a retórica pós-moderna, como a sugerida no nome da nova agremiação.

 

Há que ter algo a dizer: um bom diagnóstico do mundo e do Brasil; uma precisa visão de seus problemas e desafios. Então, estabelecer outros parâmetros e novas práticas; apresentar a agenda positiva, superar impasses entre estabilidade e desenvolvimento, por exemplo; restituir à política a dignidade de Projeto, o sentimento de Esperança. Sim, sem ingenuidade, uma utopia norteadora, por que não? E, alcançado o Poder, utilizá-lo como meio, não como fim.
Uma experiência assim só será assimilada ao longo do tempo, na ação cotidiana. Na construção zelosa de uma reputação distante do cinismo, de um lado, e do frequente moralismo fariseu, de outro. Levará anos. Mas, capitular à miséria da realpolitik presente fará dessa Rede nada mais que um novo partido velho. E nem decepção será.


Claro, Marina tende à disputa presidencial, em 2014, tipo de oportunidade perfeita para apresentar o partido, atrair novos setores, aumentar a conexão da Rede. Transformar a eleição num debate sério sobre o “novo” será o desafio. O risco será reduzir o partido a instrumento eleitoral da candidata. Por isso, cabe, antes, definir se Marina estará contida à Rede ou se a conterá. A tensão dialética vai além do trocadilho e é comum: vide Lula e o PT.
O caminho é coletivo: definir a visão de mundo, o corpo doutrinário; percorrer o país, colher assinaturas, organizar diretórios, estar nas lutas sociais, fazer-se seguir para além do infrutífero oba-oba do voto de protesto são tarefas essenciais. E complexas. Sobretudo, como é  desejável, sem financiadores que, mais tarde, cobrem fatura do apoio. Nem tudo que cai na Rede é “peixe”. Cuidado. Difícil, talvez romântico. Necessário como princípio, porém.
Logo, se os propósitos forem sinceros, não caberá ilusão: a missão mais urgente será a construção partidária. Se a pouco provável vitória eleitoral vier, será surpresa a administrar. O que se deveria visar são os acúmulos na renovação do sentimento e da compreensão da atividade política no Brasil. O surgimento de uma nova militância, seus valores e suas lideranças.


Paradoxalmente, a liderança de Marina Silva será testada: quanto menos a impuser ao movimento de renovação de sua Rede, mais eficaz será. Claro, a ex-senadora é um expressivo feixe de símbolos -- nela residem a questão ambiental, a decepção com o PT, a resistência ao PSDB, o gênero, a raça, o multiculturalismo. Mas, há outras questões: a nova economia, a sociedade moderna e desigual, a liberdade sexual, a delicada questão do aborto, a ciência e a religião, a necessária reforma do sistema político. Se a Rede não é maior que o mar, é certamente maior que Marina. Nessa amplidão oceânica, há muito que navegar. Marina é apenas um porto.

 

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

 

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