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Meios de Comunicação e Processo Político: O começo de uma pesquisa

Andréa Reis
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

 

Resumo: A campanha eleitoral para a prefeitura de São Paulo em 2004 terá uma grande importância histórica. Será a primeira com um candidato a reeleição. A cidade será o cenário principal de uma batalha que começará em 2004 e só terminará em 2006 e, a provável alternância da tradicional disputa entre o petismo e o malufismo para uma disputa entre PT e PSDB. Sabendo-se do peso que terá essa disputa apresenta-se a seguinte questão: poderia a agenda institucional da prefeitura de São Paulo construir o cenário de representação da política hegemônico, criando a retórica da continuidade para a eleição municipal de 2004 e, assim, garantir a reeleição de Marta Suplicy? A proposta desse artigo é a de iniciar a análise dessa indagação selecionando como período de estudo as semanas de 11 a 14, e 17 a 21 de maio de 2004, exatamente a semana na qual José Serra lançou a sua candidatura à prefeitura paulistana.

Palavras chaves: Comunicação política; campanha eleitoral; reeleição municipal.

 

Introdução

O cenário das campanhas eleitorais na capital paulista, desde 1988 até 2000, foi marcado pela disputa entre o petismo e o malufismo. A partir dos anos 90, verificam-se dois tipos de pleitos e de campanhas eleitorais municipais: as eleições de 1992 e 1996, nas quais não havia a possibilidade da reeleição e, a eleição de 2000, com a possibilidade de o prefeito ser reeleito . Porém, devido à baixa popularidade e a péssima administração que o prefeito Celso Pitta estava tendo ao final de seu governo, esse preferiu não participar da disputa. Portanto, a campanha eleitoral de 2004 será a primeira na história do município onde teremos uma disputa a reeleição.

A importância da próxima disputa municipal não está limitada apenas ao fato dessa ser a primeira com uma disputa à reeleição, mas também pelo fato de que a cidade de São Paulo será o cenário principal de uma disputa que começará na eleição de 2004 e, que só acabará na eleição de 2006. O controle da administração municipal da capital paulista é essencial tanto ao Partido dos Trabalhadores para reeleger o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006, como também para o Partido da Social Democracia Brasileira que ambiciona o retorno ao poder central.
A capital paulistana que apresenta o maior eleitorado do Brasil com 13 milhões de eleitores - sendo que quase dois terços residem na periferia da cidade - e controla o terceiro maior orçamento da República, poderá ainda contar com uma outra novidade na campanha municipal de 2004, a disputa entre o PT e PSDB alterando a tradicional disputa entre o petismo e o malufismo. O partido do governador Geraldo Alckmin nunca conseguiu vencer uma disputa na capital, sendo que em 2000, o PSDB quase conseguiu ir para o segundo turno justamente tendo como candidato Geraldo Alckmin. Seria esse o surgimento de um novo bloco histórico?

Os conceitos de bloco histórico e de hegemonia desenvolvidos por Gramsci são considerados por muitos pesquisadores como sendo conceitos chaves. O bloco histórico é formado pela união de duas superestruturas: a sociedade civil e a sociedade política. Segundo a definição de Gramsci, sociedade civil é a que define "a direção intelectual e moral" (Portelli, 1977: 22) do sistema social, que é também o fundamento intelectual e moral do Estado - sendo que esse é formado pela sociedade civil e política. Dentro do bloco histórico seu papel essencial cabe à sociedade civil.

O elemento chave da sociedade civil é a sua articulação interna, através da qual difunde sua ideologia para a classe que não é a dirigente. Essa organização é a responsável pela "estrutura ideológica" da classe dirigente, inclui também os meios de comunicação e outros instrumentos que possam influenciar a "opinião pública".

A sociedade política apresentará a seguinte definição nesse paper: "sociedade política ou ditadura, ou aparelho coercitivo para conformar as massas populares ao tipo de produção e economia de um determinado momento" (Portelli, 1977: 30). Para Gramsci essa agrupa as funções de coerção e, deve ser sempre um prolongamento da sociedade civil pelo fato de que a conquista do poder político culmina no controle da sociedade, portanto seu papel deve ser secundário dentro bloco histórico.

O autor faz duas distinções para a utilização da coerção pela sociedade política, sendo que utilizarei a "habitual, que consiste no controle dos grupos sociais que não 'consentem' na direção da classe fundamental: esses grupos - as classes subalternas - entram em contradição com a classe dirigente em certo grau da evolução das relações sociais e econômicas. Esta utiliza, pois, a coerção mais ou menos 'legal' para manter a sua dominação" (Portelli, 1977: 31). A sociedade política está sempre apoiada no aparelho de Estado, porém, segundo Gramsci, não existe "um Estado em que um mesmo grupo possa, somente por meio da coerção, continuar a manter de forma durável sua dominação" (Portelli, 1977: 32).

A sociedade política e a sociedade civil colaboram-se mutuamente e, a opinião pública é que favorece o consenso em torno de seus atos. A separação entre as duas sociedades que formam a superestrutura não é claramente demarcada, muitas vezes a classe dominante utiliza e combina uma e outra para o exercício de sua hegemonia, mas essa nunca será total uma vez que não contempla igualmente todos os níveis estruturais e, Gramsci vê que a conquista da sociedade política é também a conquista da hegemonia já que essa se estende ao conjunto do Estado.

A formação de um novo bloco histórico acontece num momento de crise no seu interior, quando o lanço de união entre a estrutura e as superestruturas é rompido e, "só ocorre um desaparecimento do antigo bloco histórico se a crise de estrutura gera uma crise orgânica, ou crise de hegemonia" (Portelli, 1977: 105). É também uma crise de hegemonia, pois Gramsci afirma que há uma forte ligação entre essa e o bloco histórico.

Com essas definições básicas apresentadas brevemente na introdução desse paper sobre os conceitos de bloco histórico e de hegemonia poder-se-ia definir que será considerado como bloco histórico e hegemônico, nesse momento, a sociedade política representada pela prefeitura municipal de São Paulo, mais precisamente na figura da prefeita Marta Suplicy (PT) que estará disputando sua reeleição.

O conceito de Cenário de Representação da Política (CR-P) desenvolvido por Lima baseia-se no conceito gramsciano de hegemonia, no qual, "o conceito de hegemonia tem que ser entendido no contexto de sua teoria política como sendo o complemento fundamental que sustenta um bloco histórico determinado na medida em que, tendo como base material a sociedade civil, articula o consenso indispensável, ao lado da coerção, para a manutenção do poder" (Lima, 2003: 02). Para o autor, essa hegemonia pode ser decomposta em vários "cenários", ou seja, espaços onde as ações acontecem e, que pode ser um sistema constituído e constituidor de significados. O CR-P representa um "cenário de representação" que é específico da "política". Apesar do estudo de Lima (2001) ter centralizado na televisão o papel central de criar a hegemonia, ele não descarta o peso dos outros meios de comunicação na formação desse processo. Para identificar o CR-P hegemônico ou o CR-P contra-hegemônico - também chamado de alternativo - é preciso que se identifique os CR-Ps por meio de seus elementos constitutivos (EC) que são entendidos como as representações, ou os temas, contidos no conteúdo das mensagens da programação ou das matérias impressas.

Há vários trabalhos que utilizaram o conceito de CR-P, como os de Porto (1995), que estuda o CR-P criado pelas telenovelas da Rede Globo durante o período eleitoral de 1994; Guazina (1997), que analisou a telenovela Explode Coração; Guazina e Porto (1995), que analisaram o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) de televisão de 1994; Reilly (1996) utilizou o conceito para investigar a campanha de Ronaldo Reagan para a presidência dos EUA em 1980 e Fabrício (1996), que relacionou o conceito com o telejornalismo nas eleições presidenciais do México em 1994.

Almeida (1998) realizou uma pesquisa na qual se utiliza do conceito de hegemonia e não de CR-P para mostrar a importância que as informações fornecidas pelas pesquisas eleitorais têm para a definição das estratégias de marketing político, bem como para a disputa da hegemonia política e ideológica presente na sociedade: "o uso estratégico das pesquisas não é o aspecto quantitativo, analisando isoladamente, o que mais importa, mas o conjunto de informações que são colhidas e que permitem desenvolver ações políticas que possibilitem a manutenção dos pontos ou sua alteração" (Almeida, 1998, 21). Realizando uma análise da campanha presidencial de 1994 dos candidatos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, o autor mostrou o papel e o uso, principalmente estratégico, das pesquisas na disputa eleitoral, que possibilitaram o desenvolvimento de ações políticas para manutenção ou alteração das definições das estratégias de comunicação do marketing eleitoral.

O conceito de hegemonia utilizado por Almeida (2002: 26) é novamente o gramsciano, em que:
"hegemonia é uma combinação de liderança ou direção moral, política e intelectual com dominação, exercida por meio do consentimento e da força, da imposição e da concessão, de e entre classes e blocos e frações de classes. A hegemonia se constrói a partir da sociedade civil e de suas diversas instituições e do Estado, e pode se dar de forma ativa, como vontade coletiva, ou se manifestar de forma passiva, por intermédio de um apoio disperso ao grupo dirigente/dominante. Gramsci afirma ainda que a hegemonia sempre terá um certo grau de instabilidade, pois pressupõe a existência de forças contrárias, que de algum modo a ela resistem, apresentando ou podendo propor projetos alternativos".

Portanto, a hegemonia é também uma cultura, e deve ser entendida como uma relação de dominação entre as classes sociais.

Em minha dissertação de mestrado (Reis, 2003), realizei um estudo sobre a campanha eleitoral de 2000 à Prefeitura de São Paulo, analisando a influência das pesquisas eleitorais produzidas pelo Instituto Datafolha sobre as estratégias de comunicação do HGPE, pesquisando os programas eleitorais dos candidatos Marta Suplicy (PT), Paulo Maluf (PPB), Geraldo Alckmin (PSDB), Romeu Tuma (PFL) e Luiza Erundina (PSB), bem como todas as pesquisas eleitorais realizadas pelo Instituto Datafolha durante o 1º turno. Utilizando a metodologia qualitativa, reproduzi todas as propagandas eleitorais dos candidatos confrontadas com suas intenções de votos, visando a verificar como cada candidato evoluiu nos populacionais desagregados por sexo, idade, escolaridade e renda, e qual foi a resposta dada a essa evolução dentro do HGPE de cada um desses candidatos.
Apesar de não tratar diretamente sobre o conceito de hegemonia e nem de CR-P em minha dissertação de mestrado, pesquisando a interferência das pesquisas eleitorais nas estratégias de construção do HGPE pode-se constatar que são vários os atores em jogo durante a campanha eleitoral e que, no caso, os candidatos se ajustavam às alterações reveladas pelas pesquisas eleitorais.

Almeida (1999: 09), dialogando criticamente com o conceito de CR-P que valoriza o papel da televisão no processo eleitoral, "mostra que o conceito de CR-P precisa ser melhor discutido à luz da força e capacidade de intervenção que o Estado e a sociedade civil continuam tendo", isso porque os meios de comunicação fazem parte integrante do bloco de poder, ou melhor, da estrutura, e que eles não estão acima das demais. O autor ainda coloca que os trabalhos anteriormente destacados que se utilizaram desse conceito não analisaram o papel do Estado, "que, no caso do Brasil, mostrou que continua tendo um papel importante, especialmente agora, a partir da implantação da possibilidade de reeleição dos governantes" (Almeida, 1999: 09).

Shapiro et alii (1994) mostram a necessidade da construção de um modelo mais completo para analisar a influência da mídia, que deve considerar o momentum e as preocupações estratégicas. Diante de tal afirmação, considera-se que com uma análise dos temas mais presentes na agenda-setting (tratados pelos meios de comunicação), na agenda institucional (através das propagandas institucionais e de utilidade pública do poder executivo) e na agenda do público (refletidas nas pesquisas de opinião), pode-se realizar um trabalho que auxilie na construção desse modelo.

A origem das mensagens que formarão a agenda da mídia, segundo Barros Filho (1995: 185) sugere que três questões são importantes para observar o fenômeno do agendamento: "como se opera a seleção temática da mídia? quem seleciona os temas que serão agendados pelo público?, quem agenda a mídia?". Parte dessa resposta está nos próprios acontecimentos da realidade, mas os jornalistas decidem o que deve e o que não deve ser publicado. Chaia (1998: 01), ao realizar um estudo sobre a cobertura da imprensa sobre a Câmara Municipal de São Paulo, verificou que "a maioria das matérias na Câmara Municipal de São Paulo, veiculadas pelos jornais da cidade, são depreciativas, desqualificam os políticos e denunciam vários tipos de problemas no Legislativo municipal". A autora constatou também que o processo de seleção das notícias que serão veiculadas pela imprensa baseia-se nas preferências e avaliações pessoais dos jornalistas. Portanto, para que a política aconteça nas atuais sociedades, esta deve tornar-se pública e os acontecimentos políticos precisam passar pelos meios de comunicação.

Em relação ao que foi exposto, principalmente pensando-se na importância já mencionada que terá a próxima disputa municipal de 2004, na qual haverá pela primeira vez um candidato à reeleição, poder-se-ia levantar a seguinte hipótese: poderia a agenda institucional da prefeitura de São Paulo construir um cenário de representação da política hegemônico, criando a retórica da continuidade para a eleição municipal de 2004, objetivando garantir a reeleição da prefeita Marta Suplicy?

Analisando o que Figueiredo (2000) chamou de as retóricas "dos mundos possíveis" durante a campanha eleitoral de 1996, percebeu-se que o grande mote dessa eleição foi o da continuidade, o que foi aceito pelo eleitorado, o qual "parece ter aprendido a rejeitar o desperdício, a renegar o discurso destrutivo e a condenar as propostas que visam a interromper obras em andamento para iniciar novas" (Figueiredo et alii, 2000: 170). Porém essa retórica não garante a eleição do candidato do prefeito e nem do próprio prefeito quando existe reeleição. A retórica da continuidade só se sustenta,

"se a interpretação da situação sobre o mundo atual for dominante, sua interpretação sobre o mundo futuro será dominante e, por conseguinte, a situação terá as maiores chances eleitorais; por analogia, esta proposição também é válida para a oposição. (...) Nesse caso, apelos à credibilidade do garantidor do mundo futuro, seja ele o próprio mandatário ou seu sucessor, têm função secundária. O importante é identificá-lo com a interpretação dominante: como construtor do bom mundo atual e futuro" (Figueiredo et alii, 2000: 156).

Figueiredo et alii (2000) afirmam que, para saber qual interpretação do mundo atual é a dominante, são necessárias pesquisas de avaliação da administração em curso, tanto pré-eleitoral quanto durante a campanha. Nota-se que a boa avaliação da administração Paulo Maluf ao final de seu mandato ajudou a eleger seu candidato Celso Pitta em 1996, bem como a má avaliação do governo de Mário Covas prejudicou o candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo em 2000.

Metodologia de análise.

Para verificar a hipótese, foram analisadas todas as matérias transmitidas pelas emissoras de rádio: Jovem Pan AM e FM; Eldorado; Bandeirantes; Capital; CBN e Tupi, e pelas emissoras de TV: Rede Globo; Bandeirantes; TV Cultura; TV Record e Rede TV, durante as semanas de 11 a 14, e de 17 a 21 de maio de 2004.

A metodologia utilizada é a mesma que Azevedo (2001) desenvolveu para analisar a cobertura eleitoral de 2000 em São Paulo. Para avaliar a natureza da cobertura eleitoral e o seu nível de objetividade, o autor considerou o conceito de enquadramento que o candidato recebeu nas matérias:

"(1) a valoração deve ser entendida como o balanço de cada matéria (texto) ou imagem (foto/charge) levando-se em conta o saldo das informações, se beneficia, prejudica ou é neutra à candidatura de cada postulante; (2) Adotei com modificações os critérios utilizados pela Folha de S. Paulo para definir a avaliação das matérias em relação aos candidatos: + (positivo): matéria sobre ou com o candidato reproduzindo programa de governo; promessas; autodeclarações ou declarações do autor da matéria ou de terceiros (pessoas ou entidades) favoráveis (contendo avaliação de ordem moral, política ou pessoal) ao candidato; reprodução de ataques do candidato a concorrentes; - (negativo): matéria reproduzindo ressalvas, críticas ou ataques (contendo avaliação de ordem moral, política ou pessoal) do autor da matéria, de candidatos concorrentes ou de terceiros a algum candidato; * (neutro): agenda do candidato, pesquisa, citação sem avaliação moral, política ou pessoal do candidato" (Azevedo, 2001: 17).

Com essa metodologia análisei um total de 220 matérias recebidas do serviço rádio escuta da prefeitura de São Paulo sendo: 23 da Jovem Pan AM; 26 da Jovem Pan FM; 45 da Rádio Eldorado; 66 da Rádio Bandeirantes; 04 da CBN; 01 da Tupi FM e 01 da Rádio Capital. Das emissoras de televisão foram: 19 da Rede Globo; 09 da Rede Bandeirantes; 13 da TV Cultura; 12 da TV Record e 01 da Rede TV.

"Falem bem ou falem mal, mas falem de mim".

A semana escolhida para análise não foi ao acaso. Exatamente no dia 11 de maio a Rádio Jovem Pan AM noticiou a candidatura de José Serra à Prefeitura de São Paulo, determinando assim o início da disputa entre PT e PSDB na capital. A divulgação dos documentos da conta bancária de Paulo Maluf na Suíça foi determinante para o lançamento da campanha. José Serra que sempre negou ser candidato, começou a ver com bons olhos a disputa em São Paulo. A federalização da campanha municipal fez parte do comentário do âncora do Jornal da Record do dia 12 de maio:

BÓRIS CASOY: por enquanto a candidatura de Maluf está de pé apesar das constatações de suas contas no exterior. Ele se desgastou no episódio, masnão se pode deixar de lado a fidelidade do eleitorado do ex-prefeito.
Certamente esse será um dos mais difíceis pleitos em São Paulo, até agora, Maluf, Serra, Marta e Erundina estão embolados nas pesquisas. Se todos forem confirmados candidatos teremos um horário eleitoral extremamente divididos em pequeníssimas partes para cada partido. Além disso o próprio Lula classificou a eleição paulistana como vital para ele, o que transforma o pleito, pelo menos em parte, num plebiscito contra ou a favor do seu governo.

Analisando as matérias do período selecionado, nota-se que 8,6% (19 reportagens) tiveram como tema a federalização da disputa municipal, enquanto que 10,45% (23 reportagens) apresentaram o embate entre Estado e Município, ressaltando que o governo estadual paulista é administrado pelo PSDB. No entanto, a maior parte das reportagens tratavam apenas dos temas relacionados ao município, 77,7% (171 reportagens).

Realizando uma breve distinção entre as reportagens produzidas pelas emissoras de rádio e televisão percebe-se que as matérias radiofônicas estão relacionadas ao que se pode chamar de "pequenos" problemas do município, tais como: buracos nas vias públicas, reclamações dos ouvintes, revitalização de praças e bairros, os transtornos causados pelas obras da Prefeitura, denúncia da privatização do espaço público, enfim, problemas muitas vezes ligados ao dia-a-dia dos ouvintes/eleitores, enquanto que as matérias televisivas tratam apenas dos "grandes" assuntos como o caso Paulo Maluf, conjuntura eleitoral, caos na CET, entre outros.

Durante a semana de 11 a 14 de maio os assuntos dominantes das pautas foram à candidatura de José Serra e as denúncias contra Paulo Maluf, sendo que a maioria das matérias foram negativas para a prefeita Marta Suplicy, no primeiro caso devido a grande publicidade que o lançamento da candidatura tucana recebeu dos meios de comunicação, como no caso transcrito abaixo da TV Cultura do dia 13 de maio:

APRESENTADOR - EDERSON GRANETTO: Agora é oficial. O candidato à Prefeitura da Capital é mesmo o presidente nacional do partido José Serra. A candidatura foi lançada hoje à tarde com apoio de tucanos de peso como os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Goiás.

REPÓRTER - MARIA JULIA: o lançamento foi no salão nobre da Câmara Municipal de São Paulo. José Serra estava acompanhado pelo governador de São Paulo Geraldo Alckmin, o de Minas Aécio Neves e de Goiás Marconi Pirilo. Os outros quatro pré-candidatos também estavam presentes, fizeram questão de dizer que abriram mão da candidatura porque Serra tem mais chances de vencer a eleição.
(..)

REPÓRTER: no discurso Serra disse que a cidade de São Paulo está sendo vítima da incoerência do PT e faz o contrário do que prometeu. Criticou o aumento de taxas e impostos, a realização de obras caras e o que ele chamou de inação na área da educação. Serra prometeu trabalhar para melhorar as condições de vida da população.

JOSÉ SERRA: o objetivo da nossa campanha é a cidade, é melhorar as condições de vida, é destravar São Paulo para que ela possa caminhar para frente.

REPÓRTER: escolhido o candidato à preocupação agora é com as alianças.


WALTER FELDMAN - DEPUTADO FEDERAL PSDB: tradicionalmente a aliança mais provável é com o próprio PFL, mas eu hoje me empenho muito na aliança com o PPS do deputado Arnaldo Jardim.

GERALDO ALCKMIN - claro que será muito bom se a gente conseguir ampliar essa aliança. Nós respeitamos a posição de outros partidos, outras candidaturas, mas o PSDB fará um esforço sim para poder ampliar.

REPÓRTER: enquanto o PSDB anuncia a candidatura de José Serra á Prefeitura de São Paulo, o PT promove um encontro para discutir quais serão as táticas nas eleições municipais deste ano. Por hora a candidatura de Serra parece não preocupar o PT.

JOSÉ GENOINO - PRES. NAC. PT: não vamos escolher adversário porque nós temos muita motivação para continuar governando São Paulo e vamos ganhar os corações e as mentes da população dessa grande cidade para continuar governando com a Marta Suplicy.

APRESENTADOR: tem que contar também com a presença de Paulo Maluf. O PP não vai desfiliar o candidato até o fim das investigações sobre o suposto dinheiro que ele teria em contas no exterior. A convenção do PP vai ser no dia 20 de junho e vai ficar entre Paulo Maluf e o deputado Celso Russomano.

Com relação as contas de Paulo Maluf no exterior, essas foram negativas pelo fato do Ministério Público pedir uma investigação por crime de omissão contra a Prefeita Marta Suplicy e o Secretário dos Negócios Jurídicos Luiz Tarcisio Teixeira Ferreira, porque a Prefeitura de São Paulo demorou para contratar um advogado para acompanhar o caso em Jersey.

Das 78 matérias analisadas nessa semana 19 tiveram o enquadramento do tipo neutro, 25 do tipo positivo e 34 do negativo. Contudo, nota-se que na semana posterior ao lançamento da candidatura de José Serra ocorreu um considerado aumento das reportagens sobre a administração municipal e sobre a conjuntura eleitoral, com um total de 142 matérias sendo 37 com o enquadramento do tipo neutro, 40 do tipo positivo e 65 do tipo negativo. Portanto dentro do período analisado tem-se uma porcentagem maior de notícias com o enquadramento negativo para a Prefeita Marta Suplicy com 45%, enquanto que 29,5% do tipo positivo e 25,4% do tipo neutro.

Na semana de 17 a 21 de maio a Prefeitura de São Paulo promoveu o lançamento do "Bilhete Único" que permite aos passageiros usarem mais de uma condução por duas horas pagando só uma tarifa. O bilhete único é um cartão magnético, que vai substituir os modos convencionais de pagamento da passagem como dinheiro, passe ou vale-transporte. A maior parte das reportagens negativas desse período estão ligadas as reclamações sobre falhas no sistema de carregamento do cartão feito em máquinas instaladas nas casas lotéricas e nos postos da SPTrans como a da Rádio Jovem Pan AM do dia 19 de maio:

Luciana Ferreira: Apesar da modernização pela qual o transporte está passando, o sistema apresentou problemas exatamente no dia do lançamento desse cartão, muitas casas lotéricas não conseguiram fazer o carregamento do bilhete único, pois o sistema estava fora do ar, o imprevisto irritou muitos usuários, que até chegaram a defender a manutenção do passe de papel, como é o caso da estudante Carolina Pereira.

Carolina Pereira: Todo mundo prefere o papel, porque ele trava na catraca. Agora eu não pude comprar, porque fui comprar na casa lotérica e estava fora do sistema e tenho que ir na 15 de Novembro, porque aqui não passa.

Luciana Ferreira: Segundo a Secretaria Municipal de Transportes, o problema foi causado pela grande demanda de passageiros nas casas lotéricas, mas segundo o órgão a questão deve estar resolvida dentro dos próximos dias.

Outros fatores que auxiliaram no aumento de matérias com enquadramentos negativos para a prefeitura foram as denúncias de fraude na Limpurb e a manifestação de ambulantes da Zona Leste contra a Prefeita Marta Suplicy durante a inauguração de um shopping popular, que ocuparam um grande espaço nas reportagens das rádios, enquanto que nos telejornais foram os lançamentos da candidatura de Paulo Maluf e do "bilhete único".

Apesar de numericamente a porcentagem das notícias com o enquadramento negativo para a Prefeita Marta Suplicy ser maior que os outros dois, não se pode afirmar que prefeitura não esteja conseguindo criar um discurso hegemônico, uma vez que a soma dos enquadramentos positivo e neutro seja igual a 54,9% .

A formação de um novo bloco histórico, como foi afirmado acima, acontece num momento de crise no seu interior, quando o lanço de união entre a estrutura e as superestruturas é rompido, o desaparecimento do antigo bloco histórico somente ocorre quando a crise de estrutura gera uma crise de hegemonia.

Somente a análise dos enquadramentos das matérias é insuficiente para afirmar a existência de uma crise de hegemonia nesse momento, porque o período escolhido é muito restrito e por apresentar quatro importantes fatores para a alteração no cenário eleitoral: lançamento das campanhas de José Serra, de Paulo Maluf, as fortes denúncias contra Paulo Maluf e o lançamento do "bilhete único". Contudo, com a análise das 220 reportagens nota-se um fato curioso, a constante presença de matérias positivas para a Prefeita Marta Suplicy provenientes das periferias da capital.

Sendo essa a segunda vez que José Serra será candidato a Prefeitura de São Paulo, em 1996 disputou juntamente com Celso Pitta pelo então PPB e Luiza Erundina pelo PT, fiz um levantamento da porcentagem de votos que esses partidos alcançaram nas duas últimas eleições municipais nas setes regiões, conforme a tabela abaixo:

Tabela 1: Análise da votação dos Partidos por região


Norte-Oeste PT PPB PSDB
1996 24% 45% 15%
2000 39% 16% 16%
Leste 1 PT PPB PSDB
1996 29% 46% 12%
2000 41% 16% 12%
Leste 2 PT PPB PSDB
1996 32% 44% 12%
2000 43% 17% 12%
Centro-Norte PT PPB PSDB
1996 21% 54% 15%
2000 35% 20% 17%
Sudeste PT PPB PSDB
1996 21% 55% 16%
2000 38% 21% 18%
Centro-Sul PT PPB PSDB
1996 20% 50% 22%
2000 32% 17% 30%
Sul PT PPB PSDB
1996 30% 42% 13%
2000 42% 14% 13%

 

A região centro-sul foi à única na qual o PSDB obteve uma pequena diferença com relação ao PT, nas demais sempre ficou abaixo dos 20%. Esse fato justifica a atuação tão presente da prefeitura nessas regiões, na tentativa de manter o atual bloco histórico, conforme as três reportagens transcritas abaixo:

Veículo: TV Record - Programa.: Jornal da Record - 19 de maio
Matéria:. CEU agora tem aula de karatê.

MARCELO REZENDE: o Centro Educacional Unificado agora também tem aula de artes marciais. O karatê ensina golpes certeiros nos adversários, mas também isso daí o golpe é bobagem, o fundamental é criar o exercício, criar esporte para que o jovem saia da possibilidade do crime e possa a partir daí ter um caminho novo na vida.

REPÓRTER: os finais de semana os moradores da periferia de São Paulo são mesmo diferentes, o lazer que antes era longe agora está bem próxima. Graças ao CEU toda a comunidade tem onde se divertir e praticar a cidadania. A aula de cidadania de hoje aqui no CEU inclui Karatê. O pequeno Cristiano de apenas 5 anos também veio entusiasmado, ele não quer perder nenhum ensinamento e agora nos baços da mãe ele disse que já aprendeu.

Veículo: ELDORADO - Programa: Jornal Eldorado - 13 de maio
Matéria:.Banco de leite

LOCUTOR : A Prefeita inaugura o primeiro banco de leite na zona leste e continua sem falar com a imprensa desde que falou da Europa. A reportagem é de Luiz Mota.

Luiz Mota - repórter: Marta Suplicy inaugurou nesta quarta-feira o primeiro banco de leite humano da zona leste, no hospital Ermelino Matarazzo. Assim como nos outros eventos que participou nessa semana após a viagem à Europa, a Prefeita não concedeu entrevistas, ela restringiu-se a fazer um breve discurso no qual enumerou medidas da administração na área da saúde, compras de mamografos e ampliação no serviço de controle de natalidade e atendimento a mulheres vítimas de violência. Marta Suplicy aderiu ao uso das metáforas e comparou a cidade a uma casa.

Marta Suplicy: Uma casa você chegava o sofá estava rasgado, a televisão embaralhada, a geladeira de noite desligava e perdia-se tudo o que estava dentro, e você chegava e falava por onde eu começo nesse caos. E se estabelece as prioridades e vai tum, tum, tum. Então eu posso dizer nesse quarto ano as nossas prioridades estão sendo executadas e a gente já vai criando novas metas e muito animados com o seu trabalho, porque tem muita coisa ainda para terminar e muita coisa para fazer.

Luiz Mota: Marta Suplicy não deixou de lembrar o esforço da Prefeita para remontar o sistema de saúde sucateado, segundo ela pelo PAS de Paulo Maluf e Celso Pitta. A petista ressaltou também a briga contra a máfia dos transportes, vitória que teria permitido a administração lançar o bilhete único.

Veículo: Rádio Bandeirantes - Programa: Ciranda das cidades - 13 de maio
Matéria: Entrevista com a secretária de gabinete da prefeita, Mariana Bittar ref. cursos tecnológicos e de nível superior-zona leste.

Locutor: Estamos na linha com a assessora técnica do gabinete da prefeita de São Paulo, Dona Mariana Bittar. Boa tarde Dona. Mariana.

Mariana Bittar (assessora técnica do gabinete da prefeita): Boa tarde Milton.

Locutor: Na segunda feira última, foi publicado no diário oficial do Município uma lei que autoriza a criação de uma fundação que irá proporcionar aos moradores da zona leste cursos técnicos até de nível superior. Esta correta esta informação?

Mariana Bittar: Sim. Esta fundação na verdade ela será ...........de uma rede de ensino técnico e superior, pesquisa e extensão na zona leste de São Paulo.

Locutor: E como é que ela irá funcionar. É nos moldes daquilo que já temos em São Paulo, é nos moldes das Fatecs, por exemplo?

Mariana Bittar: Não. Elas são um pouco mais que a Fatec na verdade, porque ela administra uma rede de ensino técnico e superior que envolve tanto o ensino superior tecnológico como o ensino superior bacharelado, ou seja, ela tem faculdade e ensino técnico.

Locutor: E no primeiro passo falando-se em faculdades, que faculdade se imagina?

Mariana Bittar: É, a primeira unidade será um centro de educação tecnológica voltado para a área de saúde pública, é os primeiros cursos são na área técnica e tecnológica. É você tem na verdade cursos, a lista de curso são, você tem cursos na área técnica de análises clínicas, higiene dental, farmácia, serviços de saúde e na área superior já estão em formação da saúde, já estão em serviços de saúde. Num segundo ano você vai ter a primeira unidade tecnológica que será uma unidade de engenharias e administração pública e privada (...)

Locutor: No momento foi escolhido a zona leste?

Mariana Bittar: No momento foi escolhido na zona leste porque existe um programa na prefeitura em São Paulo, que é o programa de desenvolvimento econômico da zona leste, o objetivo deste programa é atrair investimentos para a região e gerar empresas na região por isso é uma instituição de ensino, é chave na verdade se você quer atrair investimentos e quer incluir a população local da zona leste é essencial que você tenha qualificação desta mão de obra.

Não se pode fazer ainda nenhuma consideração, nem mesmo que breve, devido ao restrito período que foi analisado, porém pode-se afirmar que a disputa municipal de 2004 em São Paulo será uma das mais disputas, tendo interferências tanto do governo federal como do governo estadual, justificando assim o presente artigo que inicia a análise dessa campanha.

Bibliografia

ALMEIDA, Jorge (2002). Marketing Político: hegemonia e contra-hegemonia. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo.


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