O jornalismo independente de Caros Amigos: um processo de contra-hegemonia
Marcelo Barbosa Câmara
Introdução
Tornar público ou não um determinado fato ou idéia,
eis um dilema da política nos dias de hoje. Para tanto só
a mídia e principalmente o jornalismo são capazes de proceder
a esta publicidade. Portanto, o entendimento das formas de se construir
a notícia é fundamental para se saber que publicidade as empresas
de jornalismo estão produzindo e oferecendo aos seus consumidores.
Este artigo, que tem como base pesquisa realizada para formulação
de dissertação de mestrado [sob orientação da
professora Vera Lúcia M. Chaia e com o título de "Caros
Amigos: Esfera Pública, Política e Jornalismo Independente
(1997-2002)"] defendida na PUC/SP em março de 2002, buscará
discutir estas questões e uma forma de se fazer jornalismo que aqui
chamarei de jornalismo independente, sua forma especifica de construir reportagens
e o que sua comparação com a produção jornalística
das grandes empresas de jornalismo pode revelar na relação
entre mídia e política. Dado o espaço exíguo
deste artigo, a complexidade e o número de temáticas criadas
na pesquisa levam a que se proceda a um breve resumo do que foi levantado
a respeito de Caros Amigos. Porém, procurarei demonstrar o que de
mais relevante há na pesquisa, que é a análise da forma
de produção da notícia pelos que fazem a revista.
Esfera Pública: uma idéia ainda possível?
Têm-se que é pela mídia a forma possível de obter
informações, numa sociedade de massas, acerca do que acontece
na esfera da política nos dias de hoje. Mais especificamente é
nas diversas formas de se fazer jornalismo em nossos tempos que se encontram
ou se deveria encontrar subsídios para que o cidadão pudesse
se informar e a partir das informações e analises veiculadas
por essas diversas mídias tomar suas decisões; que vão
desde o voto até o fato de concordar ou não com políticas
econômicas, programas sociais elaborados e postos em pratica pelos
que governam. Assim, com o jornalismo veiculado via internet, televisão,
rádio, jornais e revistas se formaria uma gama suficientemente diversificada
de formas de abordar a notícia, com conteúdos diversos, de
maneira a ilustrar o cidadão com opiniões capazes de lhe dar
condições de efetivamente tomar decisões. A mídia
e o jornalismo propriamente dito constituem-se desta forma peças
fundamentais na formação da Esfera Pública.
Utilizando-se o conceito de Esfera Pública analisado por Habermas
(1984), estaremos nos referindo ao espaço em que seriam efetivados
os debates a respeito das decisões a serem tomadas no direcionamento
de uma racionalização possível dentro da sociedade.
Porém, o fato de este conceito ainda perdurar e ainda constituir-se
como algo crível é fato que no mínimo deve merecer
reflexão.
As transformações por que passa a Esfera Pública dentro
da perspectiva de Habermas podem ser divididas em três momentos: o
primeiro, no qual haveria uma circunscrição dos interesses
privados da nobreza no tocante à construção da Esfera
Pública; o segundo, constituído pela Esfera Pública
Burguesa, no qual a racionalidade e a reflexão a respeito dos interesses
da burguesia seriam os parâmetros de sua construção;
e, por último, um terceiro momento, no qual se processaria uma refeudalização
da Esfera Pública. Novamente seriam interesses privados, agora dos
que detêm os meios de comunicação de massa (MCM) ou
que têm influência sobre os MCM, os que delimitam o que e como
deve ser feita a publicidade das coisas.
Já delimitando a diferença entre a racionalidade e o consenso
que a laboriosa exposição de idéias formava no tempo
da Esfera Pública Burguesa, Habermas observará que o que acontece
nos tempos dos MCM é a formação de um "consenso
fabricado", assinalando: "Naturalmente, o consenso fabricado não
tem a sério muito em comum com a opinião pública, com
a concordância final após um laborioso processo de recíproca
'Aufklärung', pois o 'interesse geral', à base do qual é
que somente seria possível chegar a uma concordância racional
de opiniões em concorrência aberta, desapareceu exatamente
à medida que interesses privados privilegiados a adotaram para si
a fim de auto-representarem através da publicidade" (Habermas,
1984:228).
Assim a importância de se colocar o conceito de refeudalização
da Esfera Pública enquanto base para o entendimento do papel dos
MCM na publicidade e no tipo de publicidade que estes meios se prestam a
fazer se coloca como atual na reflexão entre as relações
entre a mídia e a política.
Se nos voltarmos para cobertura jornalística tomando como exemplo
qual abordagem as grandes empresas de jornalismo no Brasil adotam, via de
regra, no que se refere à política poderemos observar qual
consenso é criado na sociedade a partir da publicidade destas empresas.
A formação da agenda política brasileira que veio a
dar o tom dos governos de Fernando Collor a Fernando Henrique Cardoso demonstra
o poder que as grandes empresas de jornalismo têm, desde apoiar candidatos,
caso de Fernando Collor e o apoio que lhe foi dado principalmente pela Rede
Globo de Televisão, e de ser o ponto fundamental para a absorção
pela sociedade [sobre a formação da hegemonia neoliberal e
o papel da imprensa no período mencionado, consultar Francisco Fonseca
em Divulgadores e vulgarizadores: a grande imprensa e a constituição
da hegemonia ultraliberal no Brasil (2001)] dos pressupostos ideológicos
do que fundamentou a forma de governar destes presidentes. Nesse sentido,
"o fenômeno político eleitoral em que se transformou a
eleição de Collor à Presidência, seu processo
de impeachment, a construção do imaginário popular
com os pressupostos ideológicos do neoliberalismo, a implantação
do Plano Real, a candidatura de FHC e seu governo, que contou e conta com
uma cobertura específica por parte das grandes empresas de jornalismo,
são dados que revelam o caráter da relação entre
mídia e política e a construção de uma agenda
específica advinda desta relação" (Câmara,
2002: 16).
A publicidade dos temas que fariam parte desta agenda neoliberal apareceria
nas grandes empresas de jornalismo na mesma medida em que outras formas
de se pensar a política e a organização da sociedade
ou desapareceriam ou seriam tidas como incapazes de se adequarem à
realidade. A realidade seria, portanto o que é possível de
se conceber partindo-se dos dogmas neoliberais. Os que se opuseram verdadeiramente
ao neoliberalismo no Brasil foram execrados pelas grandes empresas de jornalismo:
é o caso do MST e de Itamar Franco, deixando, é claro, de
lado as diferenças entre o que representam do ponto de vista político
o MST e o ex-presidente da República [sobre o tratamento dado pela
imprensa a estas oposições ao governo neoliberal especialmente
na era FHC, ver Marcelo B. Câmara em "Caros Amigos: Esfera Pública
e Jornalismo Independente (1997-2002)" (2002)].
Por outro lado, os que não procederam a oposição tão
veemente foram consideravelmente agraciados com a simpatia de pelo menos
parte das grandes empresas de jornalismo ou tiveram sua imagem retocada,
ou seja, já não eram bichos papões. Assim foram as
matérias da Veja que retratavam o PT light ou cor-de-rosa, nos tempos
de candidatura de Marta Suplicy; em matéria mais recente, a revista
República, hoje com o nome de Primeira Leitura, tece elogios ao caráter
conciliatório do que chama de PT de Lula e Zé Dirceu [em 11
de outubro de 2000, a revista Veja publica matéria na qual observa
o crescimento eleitoral do Partido dos Trabalhadores, colocando como um
dos principais fatores daquele crescimento o abandono dos ideais socialistas
e a diminuição da influência dos sindicalistas no PT.
Em agosto de 2001, a então República enaltece as virtudes
do PT moderado e não-revolucionário dirigido por nomes como
Lula e Zé Dirceu].
O apoio dado durante mais de uma década à realização
e à divulgação de políticas neoliberais não
conheceu grandes dissonâncias por parte das grandes empresas de jornalismo.
Vez ou outra uma certa crítica, ao se referirem a alguma crise causada
pelas próprias políticas econômicas por eles apoiadas.
Instituições como o FMI (Fundo Monetário Internacional)
não conheceram grandes questionamentos por parte desta mídia,
e são vez ou outra criticadas de forma pontual; questões como
a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e seu
principal interessado, os EUA, também podem merecer crítica
vez ou outra sem que os fundamentos das políticas econômicas
apoiadas sejam abalados por críticas mais profundas e contundentes
[em edição de 21 de agosto de 2002 a IstoÉ, em matéria
de capa, critica a política econômica de Bush e o provável
uso que o presidente americano fará da crise econômica brasileira
quando da negociação para implantação da Alca].
Em vez de constituir-se em forma de dissenso ou fonte de informação
diversificada ao leitor, a abordagem que alguns temas passam a perceber
dentro das grandes empresas de jornalismo denotam, isto sim, a incapacidade
de que estas empresas foram portadoras durante todo o período de
consolidação das políticas neoliberais no país.
Incapazes, é claro, se pensarmos em informações e análises
da política que dêem margem ao entendimento do processo político
e na formação de um consenso formado num amplo processo de
enfrentamento de idéias na disputa política. Assim, ao negarem
a própria conseqüência de seu fiel apoio às políticas
econômicas de nossos governos neoliberais, atestam que não
deram ao público-leitor a oportunidade de entender que a implantação
daquelas políticas cedo ou tarde resultaria em algo semelhante ao
atual estado de coisas da economia brasileira, como relata a matéria
citada de IstoÉ.
Se algumas empresas de jornalismo divergem pontualmente de um ou outro ponto
acerca da gestão da economia brasileira, é certo também
que não há nas grandes empresas de jornalismo nada que possa
demonstrar que dentre elas haja grande divergência a ponto de que
aconteça uma quebra da hegemonia do discurso neoliberal na produção
de suas notícias.
O jornalismo de Caros Amigos
Se nos últimos anos a produção das grandes empresas
de jornalismo vêm se pautado pela hegemonia do discurso neoliberal,
algumas iniciativas têm caminhado no sentido de se opor a este processo.
A principal publicação no campo da contra-hegemonia ao neoliberalismo
tem sido a da Editora Casa Amarela, a revista mensal Caros Amigos. E, mais
do que somente oposição ao ideário neoliberal, Caros
Amigos pauta-se pelo inverso, em sua forma de fazer jornalismo, do que se
pratica nas grandes empresas.
Pluralidade de idéias, formas diversas de se pensar a política
e a sociedade nas paginas da revista. Precisamente os que ficaram de fora
dos MCM nos tempos de neoliberalismo ou ainda os que estão mais próximos
do campo democrático-popular são, via de regra, os que colaboram
e fazem Caros Amigos.
Esta forma de se fazer jornalismo veio de algo que vai além da fundação
da revista, em 1997. A preocupação com um jornalismo independente
e sem concessões editoriais a anunciantes ou outras formas de pressão
estava presente nos tempos da Revista Realidade e dos chamados, na década
de 70, alternativos, como Bondinho e Ex.. Sérgio de Souza, atual
editor da Caros Amigos, Roberto Freire [Roberto Freire desligou-se de Caros
Amigos no início de 1999.], um dos fundadores e idealizadores da
revista, Mylton Severiano, Gilberto Felisberto Vasconcelos, Walter Firmo
são exemplos de jornalistas [sobre os jornalistas de Caros Amigos
ver também "Caros Amigos: Esfera Pública, Política
e jornalismo Independente (1997-2002)"] que, a par de suas posturas
ideológicas, não necessariamente convergentes, cultivam o
jornalismo independente e a produção jornalística que
concebe que posturas ideológicas diversas possam ser divulgadas,
coisa inconcebível nas grandes empresas de jornalismo.
Na caracterização do que seja um jornalismo independente deve-se
levar em conta algumas questões que considero fundamentais na diferenciação
entre o jornalismo independente e o jornalismo praticado pelas grandes empresas
de jornalismo, que se pode perceber no levantamento e na análise
de seus elementos.
1) O fato de que formas diversas de se conceber a cultura, a política
e a organização da sociedade são passíveis de
serem refletidas e divulgadas numa mídia, fato que acontece no jornalismo
de Caros Amigos;
2) Os anunciantes e a relação que mantêm com
as empresas de jornalismo via de regra delimitam os espaços de liberdade
na produção da notícia;
3) As fontes escolhidas ou preteridas ao se produzir a notícia
delimitam a abordagem.
O estudo deste jornalismo diverso do produzido pelas grandes mídias
se mostrou um caminho para o entendimento das relações entre
mídia e política.
A construção de um jornalismo independente
Percorrendo as páginas de Caros Amigos desde seu primeiro número
até o número 60 (trata-se de publicação mensal)
observou-se a inexistência de anunciantes que corriqueiramente estão
presentes de maneira perene nas grandes revistas de circulação
nacional. Para sermos mais exatos, estes anunciantes apareceram e logo desapareceram,
como que por encanto, provavelmente ao perceberem o conteúdo editorial
da revista. A indagação a ser feita seria exatamente esta:
por que não anunciar em Caros Amigos se seu público-leitor,
como comprovou pesquisa da própria revista em 1997, tem poder aquisitivo
semelhante ao dos leitores de IstoÉ, República ou Carta Capital?
"De fato, nosso leitor consome tanto quanto o de outras revistas de
circulação nacional, mas no Brasil é pecado mortal
fazer jornalismo crítico. Ser independente, quer dizer, não
prestar favores editoriais também merece condenação.
E falar que é de esquerda, então, é sacrilégio,
ou seja, ainda há - e muitos - publicitários e empresários
para os quais somos comedores de criancinhas e, portanto, não merecemos
existir." (Entrevista realizada em 15/6/2000, com Sérgio de
Souza, editor de Caros Amigos).
A falta de anunciantes não é novidade em publicações
que discordam da perspectiva e do caráter monocórdio da notícia
e das analises das grandes empresas de jornalismo. Em sua dissertação
de mestrado, Célia Costa Cardoso (1995) também observa a escassez
de anunciantes nos chamados alternativos dos tempos do regime militar. Naquele
período jornais como Movimento, além da censura do regime,
tinham que lidar com a escassez de anunciantes, fato que denota que uma
linha editorial não-engajada ao caráter antipopular da estrutura
da sociedade brasileira já não agradava parcela considerável
do empresariado brasileiro Isso não é portanto exclusividade
da Caros Amigos e dos tempos de hoje.
Nesses anos de existência, a revista vem sendo bancada às custas
de pequenos anunciantes e de anúncios das prefeituras de Belém,
Santo André e Acre, além, é claro, da venda em bancas
e assinaturas. Porém, o fato de abrir espaço para anúncios
das prefeituras do Partido dos Trabalhadores não alterou a linha
editorial da revista e nem impediu que Caros Amigos empreendesse, em repetidas
oportunidades, severas críticas ao PT. Naturalmente que, mesmo não
tendo sido oposição ferrenha à política neoliberal
dos tempos de FHC, o PT conta com eleitores e militantes que se identificam
com boa parte da linha editorial da revista, fato que pode demonstrar, mais
do que uma postura política de aguda oposição ao regime
por parte do PT, uma vontade de vincular sua imagem à da revista
e ao caráter democrático popular de Caros Amigos.
Na construção de um jornalismo independente, não é
a falta de anunciantes que caracteriza este modo de se produzir a notícia,
mas o fato de não prestar favores editoriais a anunciantes ou a grupos
políticos, podendo formular críticas até aos próprios
anunciantes da revista, caso de Caros Amigos e o PT. A própria relação
do PT com a revista e sua linha editorial constitui-se exemplo de postura
democrática também do partido enquanto anunciante, posto que
na revista circulam, e não raramente, além de críticas,
opiniões de políticos de outros partidos e de colaboradores
afinados com formas de conceber a política que divergem das do PT.
Apesar de fundamental, a relação com anunciantes não
é a única característica do jornalismo independente.
A escolha das fontes também compõe o tipo de postura editorial
que um grupo jornalístico possa vir a ter. Não se faz necessária
uma observação exaustiva da produção jornalística
das grandes empresas do setor para se comprovar o tipo de fonte a que recorrem
em praticamente todas as matérias. De maneira indiferente, não
importando a mídia que escolhermos, internet, televisão ou
jornalismo escrito, são as opiniões dos que estão no
circulo de poder que embasam as matérias destas mídias. Portanto,
a autoridade suprema em Previdência Social é o ministro desta
pasta; se abordarem o tema moeda é Armínio Fraga, atual presidente
do Banco Central, a grande fonte. E assim é que se pretende, segundo
o discurso destas mídias, ser imparcial e informar ao cidadão-leitor.
O critério de escolha de reportagens, colaboradores e entrevistados
em Caros Amigos já denota as diferenças entre as fontes do
jornalismo das grandes empresas e do jornalismo independente: "(...)
O critério principal é o entrevistado ser absolutamente independente
de forma a poder criticar até o próprio meio em que atua.
No caso das reportagens, a preocupação é mostrar exemplos
edificantes, em alguns casos; em outros, revelar coisas que não são
reveladas na imprensa; em outros ainda registrar o universo das periferias
ou do campo, exatamente onde vive a maioria da população,
com seus problemas e suas virtudes." (Entrevista realizada em 15/6/2000,
com Sérgio de Souza).
Se seguidas, as afirmações de Sérgio de Souza, editor
de Caros Amigos, a linha editorial da revista já se diferenciaria
totalmente das grandes empresas de jornalismo. Neste sentido, acompanhando
as edições mensais e as especiais da revista, num total de
mais de 70 números, pude testar as afirmações do editor
da revista, formando o que seriam as temáticas e observando o enquadramento
[sobre o conceito de enquadramento ver Mauro Porto em "Muito além
da informação - mídia, cidadania e o dilema democrático
- Comunicação & informação". São
Paulo, em Perspectiva, revista da Fundação Seade. Volume 12/n°
4/out-dez/1998 pág.17] dado à notícia no período
pesquisado.
Temáticas e enquadramento da notícia
Se a mídia tem o poder de permitir ou não que certos temas
venham a ser públicos, também tem o poder de dar a forma pela
qual os consumidores de notícias conhecerão movimentos sociais,
as formas de se conceber a política, a cultura e a sociedade.
Nos números pesquisados de Caros Amigos, dois movimentos sociais,
principalmente, constituíram temáticas especificas da revista,
o que demonstra a forma como trata certos temas e dando a oportunidade de
comparação entre o enquadramento de Caros Amigos e o de outras
revistas não-independentes.
Grande demônio dos tempos de FHC, tanto para o grupo político
à volta do projeto político do presidente como para absolutamente
todo o jornalismo não-independente, o MST teve em Caros Amigos o
único espaço possível numa mídia direcionada
a um público mais amplo, e não somente a militantes e simpatizantes
do movimento, para que suas formas de organização, seus objetivos
políticos e sua luta pela reforma agrária pudessem ser divulgadas.
Se for necessária a publicidade ampla do que acontece na sociedade,
Caros Amigos deu ao MST a oportunidade de se mostrar ao público-leitor
da revista como um movimento que vai muito além do universo pontual
das invasões. "A abordagem de Caros Amigos no que se refere
às questões relativas ao MST difere da mídia em geral
não somente em relação às denuncias sobre a
perseguição política empreendida pelo Estado brasileiro
e pela mídia em geral, mas também por buscar esclarecer o
leitor quanto aos objetivos e às conquistas já obtidas no
campo através da luta e da organização do movimento."
(Câmara, 2002:115).
A primeira de uma série de reportagens sobre o MST foi "Pontal:
Do grande grilo aos Sem-Terra", que na edição de maio
de 1997 de Caros Amigos reconstituía a história da luta pela
terra na região do Pontal do Paranapanema, no interior do Estado
de São Paulo, até o surgimento, em março de 1984, do
Movimento dos Sem-Terra no Pontal do Paranapanema.
A marcha dos sem-terra a Brasília, em 1999, foi retratada na edição
de novembro daquele ano. A organização da marcha [Caros Amigos,
naquela edição, relata que a marcha foi iniciativa do Consulta
Popular, movimento que nasceu em 1997, e que conta com a participação
do MST, da Central dos Movimentos Populares, da Articulação
Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais, do Movimento de Pequenos Agricultores,
do Movimento dos Atingidos pelas Barragens, das pastorais sociais da CNBB
e de sindicalistas (CA nº 32, nov.1999:.28.)], os objetivos do movimento
com a organização da manifestação e as análises
que os integrantes do MST fazem sobre o atual regime político e também
dos partidos de esquerda do Brasil são temas da reportagem. Na oportunidade
não faltaram críticas contundentes à postura política
do PT e a sua opção pela via eleitoral, não dando a
devida atenção às lutas populares.
A denúncia da violência dos que estão à testa
do Estado e dos latifundiários contra o movimento também foram
temas de reportagens da revista. A edição especial "Massacre
de Eldorado dos Carajás", de novembro de 1999, dedica-se exclusivamente
ao massacre perpetrado pela polícia do estado do Pará, que
deixou saldo de 19 sem-terra mortos. Ainda neste número especial,
um levantamento dos números da violência contra trabalhadores
rurais organizados: "De 1980 para cá, 1.517 trabalhadores rurais
foram assassinados no campo. Com as 11 mortes já registradas este
ano, o número de homicídios na vigência do governo FHC
subiu para 184 (...) Nem a ditadura militar matou tanto. Somente na década
de 90 foram mortos 370 dirigentes do MST no país, mais gente do que
as 281 vítimas assassinadas no regime militar. As duas modalidades
mais freqüentes no campo ocorrem quando há invasão policial
para cumprimento de ordens judiciais de despejo e por meio de emboscadas
de pistoleiros profissionais ou de milícias armadas contratadas por
fazendeiros."
"A impunidade dos crimes alimenta a violência: não há
registro de latifundiário preso e o número de condenações
de PMs é insignificante - entre oficiais, apenas o major Vitório
Mena Mendes, um dos comandantes da chacina de Corumbiara, foi condenado.
No entanto, no dia 3 de julho passado, a juíza Ana Cristina Paz Néri,
da comarca de Boituva, SP, condenou a oito anos e 10 meses de prisão,
em média, seis integrantes do MST incriminados por 'roubo, incêndio
e danos a instalações públicas' a um posto da Rodovia
Castelo Branco, durante manifestação contra fome e o desemprego."
(CA, especial MST, out.2000:15).
Outras reportagens e entrevistas sobre o MST estiveram nas páginas
de Caros Amigos nesses anos de levantamento. E fica patente, além
das fontes - os próprios trabalhadores ou participantes do movimento
[além de integrantes como Jaime Amorin, César Benjamin, do
Consulta Popular, que hoje é colaborador fixo de Caros Amigos, também
João Pedro Stedile participou da "Entrevista Explosiva"
de junho de 2000, e de uma entrevista-debate com Bautista Vidal, em janeiro
de 1998. Em março de 2002, Stedile passou a fazer parte do quadro
fixo de colaboradores da revista] -, o enquadramento dado nas reportagens
ao movimento.
Em conversa com um leitor durante a pesquisa sobre a revista indaguei o
que ele tinha a observar, nas características das grandes empresas
de jornalismo e de Caros Amigos, no tocante ao enquadramento das notícias
ligadas aos movimentos sociais: "Caros Amigos é um dos raros
espaços de mídia que pautam assuntos mais voltados aos movimentos
sociais sem a 'doentia' passionalidade de contrariedade que parece marcar
boa parte dos periódicos, quando se trata de discutir e informar
sobre o que fazem os movimentos sociais no Brasil." (SLG, jornalista,
professor universitário, de Santa Catarina).
Ainda nesse sentido, a forma com que Caros Amigos se volta para promover
a cobertura jornalística de periferias e morros dos grandes centros
urbanos já delimita sua diferença de abordagem no tocante
aos MCM. Estes variam suas matérias sobre as populações
de periferias e morros, ora mostrando a miséria e a violência
que parece brotar somente da ineficiência policial e da crueldade
de alguns traficantes, ora procurando demonstrar que a salvação
são projetos culturais - em que essas populações ou
rebolam ao som de alguma música no estilo Olodum, batucando em latões
- ou sociais, salvas por alguma organização do estilo Instituto
Airton Senna.
"No que se refere à organização e ao tipo de movimento
que se estabelece nas periferias dos grandes centros urbanos, a revista
produziu uma edição especial, "Movimento Hip Hop",
uma série, "Literatura marginal, a cultura da periferia - Ato
I", em parceria com a Editora Literatura Marginal; além da capa
e da reportagem sobre Mano Brown, líder do conjunto de rap Racionais
MCs (janeiro de 1998), contando ainda com a participação fixa
do colaborador Ferréz, idealizador da série "Literatura
marginal." (Câmara, 2002:121).
As matérias que compuseram esta temática construíram
uma perspectiva da periferia e do movimento hip-hop, que privilegia a produção
cultural e a organização política dos jovens desses
bairros. Mais uma vez a fonte foram os próprios moradores da periferia
e participantes locais dos movimentos organizados. A série "Literatura
marginal", uma iniciativa de Ferréz e da Editora Casa Amarela,
se dedica a autores de diversos bairros de periferia e de morros, principalmente
de São Paulo e Rio de Janeiro. A violência policial, o preconceito,
a falta de oportunidades e a privação material de que estas
regiões e seus jovens são vitimas são as principais
temáticas da série.
Globalização e o neoliberalismo em Caros Amigos
O que vêm a ser globalização e neoliberalismo foi preocupação
de primeira ordem entre os colaboradores da revista. O processo ideológico
e as conseqüências da hegemonia destas idéias na sociedade
foram questões esmiuçadas em Caros Amigos. A aplicação
dos dogmas destes preceitos no país foi tema de reportagens de colaboradores
como Aloysio Biondi, quando desnudou o processo de privatização
das estatais no Brasil e a política econômica do governo federal
na era FHC. Em umas de suas matérias Biondi reproduz literalmente
as palavras do então "menino-prodígio" da equipe
econômica de FHC, Gustavo Franco, na época presidente do Banco
Central, que denotam a "preocupação cívica"
da área econômica do governo.
"(...) com a recessão, as empresas brasileiras enfrentarão
problemas, ficarão ainda mais baratas, e por isso aparecerão
grupos multinacionais dispostos a comprá-las com propostas irrecusáveis."
(CA, n º 21, dez. 1998:15).
Se as grandes empresas de jornalismo entendiam Gustavo Franco como fonte
para elaboração de suas analises e reportagens sobre economia,
Caros Amigos e seu colaborador, pelo menos desta vez, também tiveram
a mesma fonte; porém, é patente o tom de indignação
que Biondi imprimiu à matéria ao repetir as afirmações
do ex-presidente do BC.
A temática globalização e neoliberalismo é,
do ponto de vista numérico, uma das mais recorrentes na revista;
mas, do ponto de vista das relações da mídia e da política
e do entendimento de como se produz notícia, interessa o quanto a
revista é capaz de dar liberdade aos seus colaboradores para que
critiquem e exponham suas concepções livremente e sem a preocupação
de manter relações com os que estão no poder e mantê-los
como fontes.
Sobre esta diferença no trato com as fontes jornalísticas
entre o jornalismo das grandes empresas e o jornalismo independente de Caros
Amigos, Sérgio de Souza observa: "A diferença de tratamento
das matérias de Caros Amigos está no modo como olhamos o leitor
- não nos colocamos na torre de marfim, não nos consideramos
superiores a qualquer outra instituição, muito menos ao leitor,
a quem a revista se dirige quase com intimidade, de forma bem diferente
da assumida pela imprensa em geral, que é de distanciamento, porque
os que comandam a imprensa em geral - donos e jornalistas de confiança
- constituem uma casta, comportam-se como uma casta. Querem distância
do homem comum, principalmente se for pobre. Sua afinidade é com
o poder - econômico e político -, com o qual trocam informação
e favores, mantêm a intimidade dos encontros secretos, da correspondência
confidencial, uma proximidade tão promíscua como suspeita,
que pode resultar no que deve e o que não deve ser divulgado, conforme
as circunstâncias. Enfim, a diferença está no compromisso,
na escolha entre o leitor e a conveniência." (Entrevista realizada
em 15/6/2000, por e-mail, com Sérgio de Souza).
Enfim, se não há esta relação promíscua
entre fonte e jornalista pode-se construir uma notícia que não
apresente ao leitor uma quase reprodução do discurso dos que
estão no poder. Eis aqui talvez uma maneira de se romper com o que
se chamou de Esfera Pública refeudalizada. A negação
da lógica desta relação que as grandes empresas de
jornalismo mantêm com os donos do poder proporciona um jornalismo
capaz de oferecer aos leitores uma abordagem não raras vezes totalmente
distinta da que se tem ao ligar a televisão, conectar-se à
internet ou ler jornais e revistas.
Algo além do neoliberalismo
Além de dar espaço para que se tornem públicas a organização
e as perspectivas dos movimentos sociais, Caros Amigos concebe que em suas
páginas ideologias diversas possam se expressar sem enquadramento
desfavorável. É importante, porém, deixar claros os
limites desta possibilidade de expressão. Não há espaço
na revista para manifestações de políticos ou posturas
ideológicas de colaboradores que fujam do escopo ou da esquerda ou
de uma perspectiva crítica às concepções neoliberais;
ou, mais especificamente, seus colaboradores, via de regra, têm alguma
vinculação com interesses ligados ao campo democrático-popular;
ou, ainda, fazendo uso da própria definição usada em
editorial da revista, "pró-justiça social e pró-direitos
humanos" (CA, editorial de março de 2002). A única exceção
fica por conta dos direitos de resposta que a revista concedeu a Roseana
Sarney, quando polemizou sobre algumas questões ligadas à
cultura com o colaborador da revista Tom Zé.
Algumas perspectivas políticas merecem ser colocadas por terem freqüentado
as edições da revista.
A concepção ideológica que ficou conhecida nos meios
acadêmicos e na própria esquerda como populismo teve espaço
na revista. Especificamente através das matérias de Gilberto
Felisberto Vasconcelos, o legado de Jango, Brizola, Darcy Ribeiro foi exposto
como algo plausível de ser tido como parâmetro de direcionamento
político a ser seguido pela sociedade brasileira. Mais especificamente,
Gilberto Vasconcelos desenvolveu na revista, no período pesquisado,
questões ligadas à cultura brasileira, discutindo autores
como Câmara Cascudo, Gilberto Freyre e a colaboração
destes autores para o entendimento do homem e da cultura do Brasil, além
de criticar o que chama um ideário formado pelo Cebrap e a USP, que
consiste em desprezar o nacionalismo de Jango/Brizola, além de propor,
com um ex-colaborador da revista, o físico e ex-quadro técnico
do regime militar Bautista Vidal, o desenvolvimento da biomassa como saída
energética para o país.
Roberto Freire, que foi editor da revista até seu rompimento, por
entender que Caros Amigos trilhava o rumo da política partidária,
durante sua permanência tratou do anarquismo, no que se refere a experiências
práticas de gestão da sociedade. Matérias como "O
cientista do orgasmo" (CA, jun. 1997) e "Christiania: A primeira
cidade anarquista do mundo" (CA, ago.1997) mostraram a experiência
libertária de Reich e a organização de uma sociedade,
Christiania, em Copenhague, Dinamarca, sob a perspectiva anarquista.
Provavelmente a maior crítica a ser feita à linha editorial
da revista é o fato de, após seu rompimento com Roberto Freire,
não ter sido capaz de cobrir esta lacuna temática, dado que
o movimento libertário converge com a perspectiva de emancipação
do homem e está presente em manifestações populares
pelo mundo.
A mídia vista por Caros Amigos
Poucos espaços na mídia no Brasil se dispõem a criticar
o próprio meio em que estão inseridos. A velha lenga-lenga
do ombudsman de jornais como a Folha de S. Paulo ou as seções
de cartas de leitores destinadas também às críticas
a estas mídias são incapazes de empreender uma crítica
minimamente pertinente ao jornalismo produzido por estas mídias.
Ou não têm expressão, como as tais seções,
ou são, via de regra, pontuais como as dos ombudsman.
Há exceções a este estado de coisas, e uma delas é
o site do Observatório de Imprensa, que publica artigos a respeito
da mídia, proporcionando efetivamente um espaço de crítica
da produção jornalística. Além do site, o Observatório
mantém programa televisivo em que debates acerca do tema mídia/jornalismo
são desenvolvidos.
A outra exceção fica por conta das matérias produzidas
pelos colaboradores de Caros Amigos, que de forma contundente discutem,
criticam e analisam o papel da mídia e do jornalismo nos esquemas
que consolidam o poder político/econômico no Brasil e no mundo.
Observa o editor especial de Caros Amigos José Arbex Jr.: "Essas
redes midiáticas se tornaram essenciais ao funcionamento do capitalismo
contemporâneo. Através de suas narrativas e explicações
sobre os fatos do mundo, elas criam lógica e coerência onde
não existem lógica e coerência alguma. Dão a
sensação de que a economia pode funcionar, quando bilhões
vivem à mingua para sustentar um 'núcleo duro' que nada em
abundância." (CA, dez. 2000:13).
Não só a crítica dos efeitos e dos objetivos deste
jornalismo praticado por esta rede deve ser empreendida, mas, mais do que
isso, precisa ser mantida e ampliada uma rede de informação
[Caros Amigos, Pasquim 21, Reportagem Oficina de Informações,
a revista do MST são algumas iniciativas que caminham nesta direção]
que se proponha a dar espaço a outras formas de pensar à sociedade
e à política.
Os leitores de Caros Amigos
A impressão que os leitores de Caros Amigos têm da revista
e do jornalismo praticado pelas grandes empresas de jornalismo e a preferência
partidária destes leitores foi uma das questões tratadas em
entrevista com 12 leitores. Apesar da amostra reduzida pode-se perceber
se se reflete na percepção dos leitores o que foi observado
no levantamento das temáticas da revista e da forma como a Caros
Amigos procedeu ao tratamento da notícia e das reportagens que produz.
Propondo aos leitores que se manifestassem acerca das diferenças
de linha editorial da revista e das grades empresas como República,
Veja, Época e da mídia eletrônica, as respostas invariavelmente
se concentraram no fato de que a Caros Amigos tem linha editorial independente
do poder político e de grandes anunciantes.
"(...) Voltando a Caros Amigos, a grande diferença, realmente,
está no fato de a revista não ter amarração
com nenhum patrocinador, anunciante ou partido político (apesar de
ser declaradamente de esquerda)." (AT, leitor de Santa Catarina).
"A diferença mais marcante é a abordagem dos temas, que
traz fatos e raciocínios não revelados em outras publicações.
Além disso, nas entrevistas, os debatedores não escondem suas
opiniões pessoais e políticas, como fazem entrevistadores
de outros meios." (DFCL, leitor do Paraná).
"(...) é a alma da revista, sua consciência humanitária-social,
que faz a diferença, porque, afinal, alguém tem que ser diferente,
discordar (...)." (SCL, leitor de São Paulo).
Quando indagados sobre sua preferência, "três votam no
PT incondicionalmente, três votam no PT com restrições,
dois votavam no PT, mas não pretendem mais votar neste partido, um
vota incondicionalmente no PDT, um não tem preferência partidária
definida e um deles votava no PDT, mas não se identifica mais com
o partido". (Câmara, 2002:133)
Portanto, dos 12 entrevistados, somente quatro deles ainda têm um
partido de sua irrestrita preferência; os outros oito leitores não
vêem em nenhum partido político um discurso e uma pratica política
capaz de dar conta de suas vontades enquanto eleitores ou cidadãos.
A falta de identificação de parte considerável dos
leitores entrevistados em relação aos partidos políticos
que mencionaram não permite que se chegue a conclusões definitivas,
mas pode indicar alguns caminhos para o entendimento do fenômeno editorial
da revista Caros Amigos e o que ela pode representar para seus leitores.
Mesmo não estando vinculada a partido ou a qualquer outra instituição,
e nem tendo a pretensão de entrar no jogo da política partidária,
Caros Amigos, durante estes anos, levou a suas páginas temas desprezados
pelas grandes empresas jornalísticas ou que têm um enquadramento
desfavorável.
Ao lado das temáticas e do enquadramento dado a suas matérias
há um abandono, por parte dos partidos políticos mencionados
por estes leitores, de muitas questões que dizem respeito à
"vontade coletiva" (Gramsci 1984:6). Às voltas com a questão
puramente eleitoral e com a manutenção de mandatos, partidos
como o PT deixam em segundo plano antigas bandeiras de luta e centram suas
forças no embate político/eleitoral, tratando de se mostrar
cada vez mais palatável e menos disposto a grandes embates vinculados
ao movimento popular.
Com o conjunto formado pela falta de publicidade ou a publicidade desfavorável
e a falta de vontade de seus antigos partidos políticos em se empenharem
em colocar em suas agendas determinadas questões, coube a uma revista
o papel de pelo menos aglutinar e dar publicidade aos que estão à
margem da grande mídia e da agenda de partidos políticos.
Observações finais
Publicações do gênero de Caros Amigos têm pautado
muitas de suas matérias em assuntos relacionados à chamada
globalização e seu irmão siamês, o neoliberalismo.
Dissecar para seus leitores os fundamentos, os objetivos políticos
e qual sociedade desejam os que defendem estas ideologias tem ocupado de
1997 para cá boa parte das páginas da revista. Matérias
dessa natureza têm dado oportunidade aos leitores da revista de conhecer
uma perspectiva crítica incomum no jornalismo, fato que se torna
praticamente impossível fora do escopo do jornalismo independente.
A importância de esclarecer o leitor sobre questões dessa natureza
é inegável. Porém, é na forma de se fazer jornalismo
em Caros Amigos e em publicações [no esteio do jornalismo
de Caros Amigos vêm surgindo outras publicações com
perspectiva independente, iniciando a formação de uma rede
que se contrapõe ao esquema das grandes empresas de jornalismo, ao
seu adesismo ao poder, ao seu apego a certas fontes e às relações
com o poder. As publicações - Pangea; Reportagem Oficina de
informações e o recém-lançado O Pasquim21 -
são exemplos de jornalismo que não "prestam favores editoriais",
como observou em entrevista o editor de Caros Amigos, Sérgio de Souza.(Câmara:
2002, 139)] semelhantes que se encontra a diferença fundamental entre
elas e as que produzem um jornalismo não-independente. Se levarmos
em conta a independência enquanto forma de se classificarem produções
jornalísticas, as categorias mencionadas neste artigo podem apontar
alguns caminhos.
Temas como o neoliberalismo ou a globalização podem, com o
passar dos anos, deixar de ser tão polêmicos e até passarem
a ser tratados pelo jornalismo não-independente de maneira mais crítica,
tendo em vista que podem ser postos de lado ou superados pelos que têm
influência neste tipo de produção jornalística
enquanto parâmetro de organização da sociedade e da
política.
"Alguns temas e abordagens que fazem parte de Caros Amigos são
de difícil trânsito na grande mídia, mesmo que a conjuntura
e, portanto, os apoios da grande mídia tenham que mudar. O apoio
a movimentos como o MST é inconcebível, dada a natureza das
relações destas grandes empresas de jornalismo com a ordem
política do Brasil. Uma abordagem sobre o dia-a-dia das periferias,
a violência urbana e o caráter da polícia brasileira
depende de uma postura editorial francamente voltada aos interesses das
camadas populares da sociedade, fato que notadamente não se encontra
na grande imprensa." (Câmara: 2002, 139)
Assim, não necessariamente são os temas que revelarão
a natureza do jornalismo praticado por determinada mídia. A forma
de se relacionar com suas fontes, a escolha destas fontes, a relação
com anunciantes e o enquadramento dado às notícias são
dados que permanecem parâmetros de avaliação dos produtores
de notícia e denotam as relações destes produtores,
suas mídias e a política.
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Revista República - outubro 2001 -ano 5
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Marcelo Barbosa Câmara - Mestre em Ciências Sociais/Política
pela PUC/SP, integrante do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia
e Política - Neamp/PUC-SP

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