Política Externa e Opinião Pública
Arnaldo Francisco Cardoso *
A política externa constitui-se em instrumento através
do qual os governos mantêm a paz ou fazem a guerra, desencadeiam conflitos
ou estabelecem cooperações, com resultados de crescimento e
desenvolvimento ou de atraso e dependência para seus países.
Sob o signo da globalização, tornou-se mais explícito
o fato de que as decisões de política externa de um país
carregam o potencial de afetar diretamente a vida de seus cidadãos.
No entanto, tradicionalmente a concepção e execução
da política externa é tarefa restrita a um seleto grupo de funcionários
do Estado, que constituem, em sua maioria, uma burocracia especializada.
Voltando-nos à história, a defesa da política externa
como prerrogativa exclusiva do Príncipe, dada a importância dessa
para a integridade do Estado, encontra no Cardeal de Richelieu tornado
Primeiro-Ministro da França sob o reinado de Luiz XIII seu mais
eminente propositor. É de Richelieu a própria definição
de raison dEtat, orientadora da política externa de um país.
O cálculo nas ações de Richelieu (considerado gênio
político) pode ser apreciado, exemplarmente, na decisão estratégica
de, em plena Guerra dos Trinta Anos, reprimir os huguenotes na França,
através de auxílio ao protestantismo no exterior. Tal ação,
aparentemente contraditória, expôs o cardeal católico
aos apressados julgamentos da opinião pública de seu país,
mas com o tempo revelou seu acerto.
Embora não reconhecesse na opinião pública fonte para
as decisões de política externa, no Testamento Político
de Richelieu pode ser encontrado o seguinte princípio: Toda a
escolha do rei deve ser seguida de uma aprovação pública.
No Brasil, desde a Independência, questões de política
externa constitucionalmente é atribuição do Poder Executivo,
sendo submetidas ao Legislativo (representante do povo) apenas questões
fronteiriças e que envolvam cessões de território. Na
linha de defesa desse modo de ser, alinha-se a questão do tempo, ou
melhor, da urgência característica das questões de política
externa. Invoca-se a idéia de que, a decisão de ir à
guerra ou fazer a paz não pode estar submetida ao tempo requerido para
as deliberações congressuais, nem tampouco aos humores partidários
e de seus parlamentares. Na contramão desse argumento vem à
acusação de ter essa prática um caráter autoritário
e elitista.
Da história da política externa do Brasil alguns importantes
momentos servem de objeto para a reflexão sobre o modo como é
feita a política externa e, em particular, sobre sua relação
com a sociedade. É predominante entre os analistas um balanço
com resultado positivo acerca das ações de política externa
empreendidas pelo governo brasileiro durante a 2ª Guerra Mundial, quando
Vargas conduziu uma política de barganhas e jogo duplo
para realizar um projeto nacional desenhado logo nos primeiros anos de seu
governo. Considerar o fato dessa política externa (articulada com as
metas da política doméstica) ter sido conduzida sob a excepcionalidade
da ditadura do Estado-Novo, ajuda a entendê-la. E observar a forma da
comunicação estabelecida entre o governante e a sociedade, através
da criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), lança
importantes questões para se pensar o papel da opinião pública
na condução e legitimação da política de
um Estado.
Os anos que se seguiram ao fim da 2ª Guerra Mundial inauguraram uma nova
fase da política internacional, onde o caráter ideológico
da Guerra Fria configurou-se em elemento inescapável das concepções
de política externa. Se por um lado a forte componente ideológica
presente nesses anos instigou parcelas da opinião pública a
posicionar-se, fez também aumentar a recusa de setores dirigentes à
participação ou pressão popular em questões de
política externa, reafirmando a idéia de que a complexidade
dessas decisões lhe escapa, e que a opinião pública se
orienta pela bílis e não pela razão.
Em nossos dias, muito por conta dos avanços tecnológicos, tem-se
observado uma crescente sensibilização da opinião pública
para as implicações da política externa na vida nacional.
Nesses primeiros anos do ainda imberbe século XXI, os acontecimentos
internacionais ampliaram os espaços que até então os
meios de comunicação lhes conferiam. A gigantesca cobertura
midiática dada aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001
nos EUA, estabeleceu um novo marco na percepção das relações
entre o interno e o externo. O país central do capitalismo global viu-se
atacado por um inimigo localizado na periferia do sistema e, desde então,
a periferia tornou-se elemento inescapável na política externa
dos países centrais.
As duas guerras que se seguiram aos atentados de 11 de setembro também
se constituem em marcos da manifestação popular em questões
de relações internacionais. Se o ataque dos EUA ao Afeganistão
(Estado que dava guarida a terroristas) contou com o apoio de um número
expressivo de governos e de suas populações, o ataque ao Iraque
teve o repúdio de imensas multidões nas ruas de Washington,
Nova York, Londres, Paris, Roma, Tóquio e em diversos cantos do mundo,
superando as dimensões de manifestações desse gênero
na 2ª Guerra Mundial.
Mas a guerra ao Iraque foi feita a despeito da opinião pública
(norte-americana e mundial), estribando-se mais uma vez no argumento da razão
de Estado.
Ao completar um ano da invasão do Iraque, novas multidões saíram
às ruas em várias cidades do mundo e, em especial, nas principais
cidades dos EUA, protestando contra a guerra e o número crescente de
mortos. Dessa vez não se viu repetir (como alguns esperavam) o que
se deu na Guerra do Vietnã, quando a opinião pública
norte-americana fez o governo mudar sua política e encerrar o conflito.
Acontecimentos como os recentes atentados terroristas em Madri e Londres tem
evidenciado os impactos da política externa sobre o nacional, e feito
das populações civis alvos preferenciais.
O hiato existente entre a lógica operante na concepção
e condução da política externa e a opinião dos
cidadãos a respeito do conteúdo e das razões dessa política
configura-se hoje um importante problema para a reflexão sobre os rumos
da democracia nas sociedades modernas. Entre os termos desse problema destacam-se
as excepcionais condições tecnológicas de que as sociedades
hoje dispõem para acesso a informação e mobilização,
e as tradicionais formas de concepção e condução
da política externa, lastreadas numa raison dEtat impermeável
aos reclames da sociedade.
Ainda que difícil, o melhor caminho a ser trilhado parece ser aquele
que vise o estabelecimento de canais de comunicação entre os
formuladores de política externa (incluso nessa categoria o Poder Executivo
e a burocracia diplomática) e entidades da sociedade civil, para a
definição, atualização e adequação
da política externa aos genuínos interesses nacionais, atentos
aos riscos do predomínio de interesses setoriais de grupos com maior
força e organização, e da sobreposição
de valores partidários próprios do grupo que ocupa circunstancialmente
o poder sobre os valores permanentes da sociedade.
* Arnaldo Francisco Cardoso é cientista político, professor
de História da Política Exterior do Brasil no curso de Relações
Internacionais da UniFMU e pesquisador do NEAMP da PUC-SP.
Notas:
(1) RICHELIEU, A. Du P. de. Testamento Político. São Paulo:
Atena Editora, 1959, p.318.

Rua Ministro Godoi, 969 - 4º andar - sala 4E-20 - CEP 05015-001




Pontifícia Universidade Católica de São Paulo | Design DTI-NMD |