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A vitória amarga da burocracia petista

Maria Inês Nassif

JORNAL VALOR ECONÔMICO

 

Paulo de Tarso Venceslau foi considerado agente da direita quando, em 1996, botou a boca no trombone. No ano anterior tentou, em vão, providências da direção petista contra um esquema de corrupção que havia flagrado na Prefeitura de São José dos Campos e que se estendia por outras sob comando petista. Venceslau, então, era o secretário de Finanças do município. Reuniu documentação de que a empresa Consultoria para Empresas e Municípios (CPEM) era parte de um esquema de desvio de dinheiro de prefeituras petistas para o caixa do partido. A CPEM era do empresário Roberto Teixeira, compadre de Luiz Inácio Lula da Silva - que, em 1995, ainda era presidente do PT. As providências tomadas pelo partido diante das denúncias foram instalar uma comissão de investigação, que não foi adiante, e mandar a prefeita Angela Guadagnin demitir o seu secretário. No ano seguinte, Venceslau tornou pública a denúncia. Foi expulso.

 

Se o PT tivesse olhado para dentro em 1996 talvez pudesse ter revertido a tempo um processo que naquela época se consolidava e hoje expõe o partido à desaprovação pública. A montagem de uma máquina burocrática imensa aparelhada por uma facção (que se tornou hegemônica por força de uma coalizão de facções de centro, autodenominada Campo Majoritário), deu amplos poderes a um grupo reduzido de dirigentes. O poder petista foi construído sobre essa burocracia sob o comando de poucos, internamente; e, externamente vivia da liderança popular de Lula.

 

Não que Lula fosse uma moldura apenas para o público externo. Lembre-se que, em 1995, quando Venceslau levou as denúncias contra a CPEM ao partido, o ex-líder metalúrgico era o seu presidente. Ele foi parte do projeto inicial de poder hegemônico de um grupo sobre o conjunto. Mas a venda de uma imagem pública de Lula, como se ela fosse a configuração dos ideais operários e populares do PT, era também um elemento de submissão das minorias sobre as quais o projeto hegemônico se consolidava. Tanto que, apesar de as esquerdas exercerem, durante todo esse período, o direito de espernear - e, com isso, elas ganharam espaço na formulação ideológica, pelo menos até a Carta aos Brasileiros de 2002 (depois disso, não mais) - jamais contestaram a conveniência e o direito divino de Lula disputar, sempre, a Presidência da República. O PT nunca teve outro candidato. Seu projeto de poder sempre passou por Lula. A personalização serviu ao público externo e conteve o público interno.

 

As denúncias que se avolumam contra o PT não diferem das feitas por Venceslau. Parecem muitas porque a escala federal é muito maior e menos difusa do que a escala municipal, composta por várias prefeituras no Brasil todo. Mas, na prática, é isso: a burocracia do partido, uma perna importante do poder hegemônico, precisa de dinheiro para funcionar; o controle do caixa de campanhas eleitorais permite à direção submeter a legenda e a máquina partidária às conveniências de estratégias definidas por ela; o controle sobre máquinas administrativas permite manter a máquina burocrática, e assim infinitamente.

 

Nas eleições municipais do ano passado, por exemplo, a direção nacional tinha um controle estreito sobre todas as candidaturas nacionais e conseguiu subjugar a maioria delas às conveniências da "política de alianças" nacional. Não foram poucos os petistas que foram obrigados a abandonar suas postulações para apoiar candidatos do PTB, do PL ou mesmo do PP, históricos inimigos locais e recentes amigos nacionais.

 

Projeto de poder substituiu o ideológico

Os projetos de hegemonia sobre a máquina partidária e de poder nacional são partes inseparáveis. Da hegemonia no PT dependia a hegemonia no poder conquistado nas urnas. Ter a hegemonia no poder era fundamental porque a máquina, para submeter as minorias, precisava de dinheiro para funcionar. A militância, e mesmo os grupos de esquerda que se opuseram à hegemonia do grupo majoritário - mas, de qualquer forma, fizeram o seu jogo, ao se dividirem à última fração - aceitaram expressamente ou foram coniventes com o insulamento do grupo hegemônico no poder partidário.

 

Até chegar ao poder federal, o PT viveu um processo de descaracterização ideológica. Ele se explica também pela hegemonia da burocracia partidária, que transformou o partido numa empresa cuja mercadoria produzida é o voto. Máquina não tem ideologia. O projeto de poder, nesse processo, substituiu o projeto ideológico. A estratégia de poder inicialmente exigiu a moderação do discurso eleitoral, em busca do apoio das camadas médias da população. Ao longo do processo eleitoral de 2002, ela agregou um outro dado: precisou neutralizar o poder de pressão dos mercados financeiros internacionais, que mantinham uma economia frágil e vulnerável sob constantes ataques especulativos. A Carta aos Brasileiros não foi, simplesmente, uma pá de cal sobre o poder de interferência da esquerda petista nos rumos do partido. Foi o ato final de rendição do PT à máquina eleitoral.

 

O PT, no entanto, não se tornou um igual no quadro partidário. Sua história é diferente: a legenda passou por um processo de submissão à máquina partidária e de lento desligamento de militâncias que os demais jamais tiveram, pelo menos em igual número. O que talvez o aproxime dos demais - inclusive do seu antecessor no poder federal, o PSDB - é que o projeto de poder tornou-se apenas um projeto de poder.

 

O partido não tinha mais um projeto político para o Brasil quando chegou ao Palácio do Planalto, e Lula, seu personagem público, talvez jamais tenha tido um próprio. Lula deslocou para o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a incumbência de definir rumos. A direção do PT, por sua vez, comeu pelas bordas da administração pública para sustentar a sua burocracia e a máquina de ganhar eleição. Como era projeto de poder, não projeto pessoal, será difícil constatar que algum de seus dirigentes, pelo menos os históricos, enriqueceu com dinheiro público. Mas não se sabe que mecanismos eles usaram para submeter o partido - muito menos se eles conseguiram controlar da mesma forma os milhares de agentes do PT espalhados pelas administrações petistas.

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