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Terrorismo: a violência no jogo político

Syntia Pereira Alves

 

Al Qaeda, IRA, Frente de Libertação Islâmica, ETA, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Exército de Libertação Nacional na Colômbia, Grupo Combatente Islâmico Marroquino, Separatistas Chechenos, Brigada dos Mártires Al Aqsa, Hezbollah...

Eles estão em toda parte, entendem bem a idéia da guerra como a continuação da política por outros meios. A reação é clara: mais guerra com o discurso de se defender, o bem contra o mal, a resposta do ocidente invadido pelo oriente; são os civilizados versus bárbaros. Mas é apenas terrorismo, de todos os lados; não importa qual o nome que se dê para o grupo atuante, qual a desculpa que se dê para novos ataques e de que forma mortes são causadas.

A palavra terrorismo não tem nenhuma definição universalmente aceita, mas vem sendo ligada a táticas que servem a diversas causas: desde atos de caráter unicamente pessoal até ações decorrentes das lutas pela independência, liberdade ou como meio de opressão. É violência para libertar, violência para oprimir. O consenso é que terrorismo atinge a todos como uma das formas do uso da violência para fins políticos.

Por mais assustador que se apresente o moderno terrorismo, o medo que ele gera já deveria ser bem conhecido no inicio do século 20, por conta de acontecimentos que tiveram o poder de mudar o curso da história numa proporção tão grande que se pode dizer, sem exagero, em níveis globais. O assassinato do czar Alexandre II em 1894; o esfaqueamento que gerou a morte o presidente francês em 1897; o primeiro ministro espanhol assassinado no auge da campanha de Cuba; o presidente dos EUA assassinado em 1901, e em 1914, a primeira guerra mundial deflagrada pelo assassinato do herdeiro do trono da Áustria. Essa foi a face dos atos terroristas: usados por grupos ou indivíduos com objetivos claramente políticos e que tinham como alvo governantes, aqueles que estavam no centro do poder. Na década de 1970, o terrorismo ainda mostrava as mesmas tendências, atitudes de caráter esquerdista na Europa e na América Latina, atos nacionalistas ou separatista na Irlanda do Norte, no País Basco (Espanha) e no Oriente Médio, e alguns grupos terroristas de direita na Itália, Turquia e em outros países. Não importava qual o posicionamento do grupo ativista, seu discurso não pretendia esconder suas intenções de atuar, a seu modo, nos centros do poder. Esses terroristas e suas ideologias seguiam, inclusive, normas morais e chegavam até a cancelar um ataque a fim de poupar vidas de civis considerados inocentes. A matança indiscriminada era considerada imoral e politicamente desaconselhável.

É fato que umas sociedades toleram mais a violência do que outras. No ocidente, o Estado fica com o monopólio exclusivo do uso da força tornando apenas a sua violência aceita pela sociedade, pois é dita como necessária, punitiva, corretiva. Apenas aqueles que governam podem violentar os corpos e as mentes. A violência do Estado é aceita, isso quando não é exigida pelos cidadãos e qualquer outro meio ilegítimo de violência passa a ser considerado mais do que ilegal: é desumano, monstruoso. Nesta ideologia se define o que é um ato terrorista, um ato que traz desordem, se faz necessária uma atitude que restaure a ordem, não importando o quão violenta ela seja. Assim, violências geradas pelos outros de dentro — como o IRA — ou a violência trazida pelos outros de fora — Oriente contra Ocidente — são, de qualquer forma, violências geradas por aqueles que não se moldam às normas impostas, e com isso deve ser repreendida com a violência legítima do Estado que recruta seus cidadãos para eliminar os recrutas do outro lado, do diferente. Mas o Oriente saiu na frente no que diz respeito a terrorismos.

Atualmente a Al Qaeda assumiu a vanguarda do terrorismo. Motivada pela tradição islâmica do jihad e sua guerra santa, defendem a fé muçulmana contra os infiéis representados por um inimigo opressor, o Ocidente. O que esse velho meio de se fazer política — que alia a religião e a guerra — trouxe de novo foi o uso de armas de destruição em massa, fazendo com que a maioria da população mundial que se achava segura por suas polícias e seus Estados fortemente armados tivesse que encarar que agora estamos numa era de perigos antes desconhecidos. São grupos de pessoas imprevisíveis, sem Estado, sem compromisso com nenhuma moralidade além da sua própria, com potencial para causar danos inimagináveis. Se antes a violência silenciosa dos terroristas tinha como alvo os centros de poder, agora a violência quer atingir a periferia, aquelas pessoas comuns que nunca pensaram em si mesmas com alvos em potencial de duelos políticos. É a política transbordando para as bordas do poder.

Se a palavra terrorismo não tem uma definição específica, o medo e a destruição que esses atos causam definem os meios éticos e morais usados tanto pelos senhores da Terra, quanto pelos homens de Deus. As violências aplicadas de diversas formas tornam o terrorismo temível por não ser capturável, delimitado, combatível. É tática que usa morte e destruição como instrumentos políticos seja de que lado for. O que diferencia o terrorismo da guerra declarada é que o primeiro se caracteriza principalmente por ações geradas por fantasmas, que estão em toda parte e ao mesmo tempo em parte nenhuma, fazendo com que os onipotentes líderes mundiais reforcem a segurança e que cidadãos comuns se sintam inseguros, com medo do outro, do diferente, do estrangeiro que agora é seu vizinho.

Os ataques, sejam daqueles que levam as idéias de Alah ou aqueles que carregam os ideais da democracia, se igualam em suas táticas brutais para atingir seus objetivos. Seja a criação de líderes carismáticos, capazes de inspirar recrutas que se entregam à morte. Ou, no lugar desses líderes, a criação de um inimigo que deve ser eliminado, e que da mesma forma inspira e recruta aqueles que são capazes de dar suas vidas por uma política que os precede e que não se resolverá com essas guerras, por mais extrema que essas sejam. Além do uso dessas conhecidas táticas, o grande feito dessa velha, porém reinventada, forma de fazer política é uso dos elementos surpresa, somados com o alcance de suas táticas que terá sua eficácia traduzida no número de mortos ao final de uma batalha ou ataque.

Os outros trazem a diferença insuportável para aqueles que detém o poder, diferenças que se igualam sendo opostas, pois pretendem dominar e usam a violência para atingir seus objetivos. A política que surge quando o poder é instaurado, e este não admite contestação, impõe ainda com mais força sua vontade acima das outras vontades, sobre os diferentes. Com a guerra que se formou no choque entre o Ocidente e o Oriente, a política se torna insana e sem regras, não importando se é conhecida por defesa ou por ataque A paz é o que ambos os lados carregam como discurso contra o terrorismo que ambos alimentam, do qual os todos os lados têm participado. Paz perpétua, sagrada, paz mundial. Parece que é preciso impor essa paz a força.

No momento em que alguns se sentem frustrados por participarem da política como espectadores, súditos ou mesmo como cidadãos e não estando no centro dos jogos de poder, torna-se insuportável aceitar a vontade alheia. Sua forma de agir se faz com novos focos de resistência. Com o fim da Guerra Fria, havia algum tempo que a “paz” não se mostrava tão ameaçada como nos últimos 4 anos. Na verdade, a paz era gerada por um tempo em que não existiam focos de resistência e a violência numa esfera global. Porém, há muito tempo em que as brasas dos dois lados, que hoje duelam claramente, estão encobertas, e agora nos encontramos numa guerra extremamente quente. O povo islâmico hoje é visto como o cerne do terrorismo e se configurou como o outro que vem de fora, que desestabiliza, seja com suas bombas, seja com suas mulheres misteriosamente cobertas. Do lado deles, o Ocidente é tão outro quanto eles são, é tão odiado quanto, igualmente perigoso e necessário de ser exterminado. E assim como o Ocidente sempre foi ao Oriente, agora o Oriente nos invade, cada vez mais surpreendentemente, com passos silenciosos que reverberam em destruição e sangue.

A política nasce quando nasce o conflito, o que já descarta qualquer possibilidade de conduta ética ou com caráter moral. E com isso, em resposta à audácia oriental, o Ocidente mais uma vez vai prestar um favor que não lhe foi pedido: mostrar como se governa, como se usa a violência de forma legítima, deixando Alah de lado e endeusando a democracia. Porém, com o constante clima de ameaça de ataques — e os ataques de fato — no qual todos os países se encontram, não importa se está do lado oriental ou ocidental; fica evidente não ser possível um lado vitorioso ao final desta guerra contra o terrorismo, que continuará existindo enquanto houver conflitos. Eis o mal e a violência constituindo fundamentos da política sempre que necessário, a fim de perpetuar o poder ou alcançá-lo.

O que diferencia os homens não são juízos de moral, ser melhor ou pior que o outro, mas sim quem manda e quem obedece. E a política afeta a todos e inclui as diferenças no seu jogo, só mudando a posição da peça. O homem continua fazendo a história, mas continua claro que nem todos sabem que a faz.

 

Syntia Pereira Alves – doutoranda do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais, e membra do NEAMP (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política), Departamento de Política, Faculdade de Ciências Sociais.

BATAILLE, Georges - La literatura y el mal - Taurus Ediciones, Madrid, 1977.
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