O significado do giro euroasiático de Chávez
Mônica Simioni *
No último dia 25 de julho, o presidente da Venezuela Hugo Chávez iniciou um giro euroasiático estratégico que deu um importante passo na consolidação da colaboração Sul-Sul. O líder bolivariano passou três dias na Rússia, dois no Irã e dois no Vietnã, onde manteve encontros com líderes que defendem o direito de seus países a soberania, independência política e econômica, e a multipolaridade nas relações internacionais.
Chávez e Jamenei Os países aprofundaram a cooperação política e econômica em diversas áreas, ampliando o desenvolvimento do que podemos chamar de um eixo de nações antiimperialistas, além de enrijecer os preceitos da política externa bolivariana, fundamentada na solidariedade entre os povos.
Na Rússia, entre os vários acordos firmados, os presidentes fecharam a importante venda dos polêmicos aviões russos para a Venezuela, frustrando a tentativa de bloqueio que os Estados Unidos procuraram de todas formas lhe impor. Lembrando que Espanha e Brasil foram vetadas pelo governo de George W. Bush, Moscou foi firme e seu presidente, Vladmir Putin, respondeu ao apelo norte-americano que os negócios entre os dois países não interessam "a terceiros". O acordo inclui a aquisição de 24 aviões e 53 helicópteros que, segundo Chávez, começarão a chegar em Caracas
A integração militar é uma das questões primordiais para a Revolução Bolivariana. Há algum tempo o governo fala da criação de uma Força Armada Sul-Americana, que seria integrada pelos países sul-americanos. Mais um dos projetos que foi elaborado inicialmente pelo libertador Simón Bolívar, ao pensar na Grande Colômbia, e que agora toma maior corpo com o fortalecimento do movimento integracionista continental. Principalmente depois do ingresso formal da Venezuela no Mercosul na última reunião na Argentina, que teve até a valorosa presença do presidente cubano Fidel Castro.
No começo do mês de julho, a Secretaria Geral do Parlamento Latino-Americano, junto com a Universidade Nacional Experimental das Forças Armadas da Venezuela e a Frente Cívico Militar Bolivariana realizaram o "Seminário latino-americano sobre segurança regional, integração e Forças Armadas" em Caracas. Na declaração final do evento, as organizações participantes - venezuelanas e latino-americanas ? denunciam as manobras militares conjuntas, "com hipótese de guerra", concebidas pelo Departamento de Defesa norte-americano e propõem a caducidade da Junta Interamericana de Defesa por não atingir os objetivos das Forças Armadas Latino-americanas, assim como a eliminação das Conferências de Ministros ão, promovidas pelos EUA.
O documento defende a criação da Força Militar Sul-Americana, "que sirva de apoio aos interesses políticos e militares de todos os países da região, a fim de defender sua soberania, liberdade e recursos naturais, quando fatores externos aos interesses de cada país ameacem sua integridade"; a implementação de uma organização regional de caráter humanitário para atender e apoiar países que tenham sido atingidos por desastres naturais ou qualquer outra dificuldade de necessidade imediata; a possibilidade de criar uma Força de Reserva Regional; a formação de uma comissão multinacional de especialistas militares e assessores jurídicos capazes de estudar e analisar mecanismos para a criação de um Sistema Sul-Americano de Defesa.
Loucura imperialista.
Na sua quarta visita ao Irã, Chávez encontrou-se com o presidente Mahmoud Ahmadinejad com quem revigorou a aproximação energética. Os dois líderes antiimperialistas manifestaram apoio mútuo – inclusive ao programa de energia nuclear para fins pacíficos iraniano ? e aprovaram mais de dez acordos de cooperação e desenvolvimento, entre eles a de criação de uma empresa mista entre a Petróleos de Venezuela (PDVSA) e a Petroparck, empresa petrolífera do Irã.
A Venezuela é o quinto país com maiores reservas de petróleo do mundo. O Irã tem a quarta maior. O primeiro é um dos principais fornecedores do "ouro negro" do qual tanto necessitam os Estados Unidos, junto com a Arábia Saudita e o Iraque. O segundo distribui, sobretudo, para China, Japão e Coréia. Os presidentes destas duas nações já foram a público denunciar que o império norte-americano tem planos para invadi-los. Ambos são "pintados" como os monstros antiamericanos pelos poderosos instrumentos midiáticos do pensamento único. Os adjetivos são os mesmos: ditadores, tiranos, antidemocráticos, cerceadores da liberdade ão.
Em Teerã, o governo venezuelano criticou o apoio bélico e político dos Estados Unidos a Israel, que já assassinou brutalmente quase 300 civis, entre eles muitas crianças, e está pronto para invadir o Líbano a qualquer momento - e os veículos da imprensa hegemonista estão ao lado dos tanques israelenses prontos desde já para "cobrir em tempo real" o terrorismo de Estado. Chávez também desaprovou a ação - ou melhor, inação da ONU por não exigir o cessar fogo imediato. E admitiu pela primeira vez estar estudando a possibilidade de interromper óleo ao império.
O líder bolivariano também manteve um encontro fechado com o aiatolá Ali Jamenei, a autoridade religiosa de mais alto nível no país, no Palácio do Líder Supremo do Irã. De acordo com a constituição iraniana, é ele o responsável pela delineação e supervisão das políticas gerais da República, é o comandante em chefe das Forças Armadas e controla as operações de inteligência e segurança do país.
Além disso, Chávez ainda foi condecorado com a ordem da República Islâmica do Irã. E na cerimônia, alertou que é preciso "criar consciência entre nossos povos para enfrentar o império que pretende manter sua hegemonia e infringir os direitos das nações". Ele também fez um chamado ao mundo para deter a loucura: "Todos sabemos aqui qual é a loucura, ".
Experiência socialista
Em sua primeira visita ao Vietnã, os governos deram início a uma nova etapa nas suas relações. Para a Venezuela, a República Socialista possui uma exitosa experiência na relação entre as oportunidades de desenvolvimento econômico e as prioridades fundamentais do povo. Na Câmara de Comércio e Indústria do Vietnã, onde aconteceu o encontro com empresários de diferentes setores no último dia 1º de agosto, Chávez destacou o desenvolvimento da economia de mercado com orientação socialista, em que convivem setores público e privado, junto a participação popular comunitária através de cooperativas.
A Venezuela também manifestou interesse em investir no potencial petrolífero do Vietnã, que produz cerca de 400 mil barris diários, vendidos sem refinação. Com o investimento bolivariano, o país pode chegar a ganhar 2 bilhões de dólares ao ano. Depois de um encontro com o presidente Nguyen Minh Triet, os governos anunciaram a aprovação de três instrumentos de cooperação (um acordo marco de cooperação, um convênio de cooperação cultural e outro em matéria energética). Além disso, foram criadas cinco comissões binacionais nas áreas político-ideológica, social, econômica, científico-tecnológica, segurança e defesa .
Chávez ainda prestou uma homenagem as lutas históricas do país. No mesmo dia, esteve na praça Ba Dinh, onde está o Monumento dos Heróis e Mártires da Guerra, e no mausoléu do líder revolucionário socialista Ho Chi Min.
Ao final deste giro euroasiático da comitiva do governo venezuelano, a Revolução Bolivariana avançou no fortalecimento não só da cooperação política e econômica Sul-Sul, mas no desenvolvimento de uma Grande Colômbia que ultrapassa as fronteiras da América do Sul. A luta antiimperialista ganhou mais força. A Rússia vendeu seus aviões. Putin apóia a Venezuela para o assento como membro não-permanente no Conselho de Segurança da ONU. E o Vietnã e o Irã se integrarão energeticamente, pra não dizer militarmente.
No dia 2 de agosto, ao aterrissar em Mali, capital de Bamako, na África, Chávez lembrou que a unidade não é para lutar "contra alguém ou contra um país em particular". A consciência de que somos um só povo é primordial para poder avançar, e "enfrentar os grandes desafios desta era imperialista, neoliberal ".
Publicado no Vermelho
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=5855
* Mônica Simioni, Jornalista, mestranda no Programa de Ciências Sociais da PUC-SP na área de ciências políticas, membro do IMG-SP e diretora de Relações Internacionais da Associação Nacional de Pós Graduandos.

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