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Mídia anticastrista e a luta de idéias

Mônica Simioni

 

No último dia 28 de julho estreou no Brasil o filme do cubano dissidente Andy Garcia. Com o título sugestivo de “A cidade perdida”, ator de Hollywood realizou o seu maior sonho: contar a “triste história” dos cubanos que tiveram que deixar sua terra por causa da Revolução. O protagonista, interpretado por ele, é um “pobre” dono de um cabaré em Havana. Carregado de críticas, o longa pinta Fidel Castro como um déspota, corrupto, demagogo, com sede de poder.

Fidel Castro Três dias depois, o líder foi inserido no noticiário mundial depois de ter passado a Presidência de Cuba para seu irmão Raul, ministro das Forças Armadas Revolucionárias (FARs). Fidel presidiu e defendeu a Cuba socialista por 47 anos. Desde então, o poder tem sido exercido por um triunvirato composto por Felipe Pérez Roque, o ministro de Relações Exteriores, Ricardo Alarcón, presidente da Assembléia Nacional, e Carlos Lage, um dos vice-presidentes do Conselho de Estado.

 

A mídia hegemônica não perdeu a oportunidade e começou uma nova investida contra o governo cubano. O objetivo era construir o consenso de que os cubanos na ilha, extremamente insatisfeitos com o governo, aproveitariam o momento para fugir do país. “Especialistas” falaram em caos, violência, saques... e claro, foram ouvidos pela “imprensa livre” muitos representantes do governo dos Estados Unidos.

 

Na noite do mesmo dia, no Jornal Nacional da Rede Globo, a âncora Fátima Bernardes informou que a situação em Cuba aparentemente “era tranqüila” e que em Miami a comunidade de cubanos estava “comemorando”. Em seguida, entrou a imagem de jovens sorridentes com cartazes e os dizeres: “Fidel is dead” (“Fidel está morto”). De Havana não foram mostradas imagens. Apenas no final da semana é que foi mostrado o comentário de um cubano em Havana dizendo que estava esperando a recuperação do comandante. “Ele é um homem forte e ficará bom”, disse. Antes, entretanto, o jornal comentou que em Havana ainda tinha gente torcendo pelo líder, como se fosse uma hipótese surpreendente.

 

Nos jornais, a “cobertura” foi idêntica. No último domingo (6/8/2006), o jornal A Folha de S. Paulo dedicou a matéria de capa do seu caderno intelectual Mais! ao assunto. Foram seis páginas e um texto assinado pelo norte-americano Jon Lee Anderson (originalmente publicado na revista New Yorker), autor de “Che Guevara – uma biografia”. Ele apresentou argumentos para defender que, no caso de falecimento do líder, haverá uma revolução.

 

“O senador Mel Martinez [republicano], da Flórida, que deixou Cuba aos 15 anos, em 1962, disse: ‘Minha esperança é que haja uma dessas maravilhosas revoluções européias, como a Revolução de Veludo [em 1989, em Praga], sem violência, mas devido ao que aconteceu – a repressão e a mão-de-ferro do poder durante tanto tempo, poderá haver um vácuo, e isso cria um potencial para a violência” (Pág. 4). Cita piadinhas jocosas, usa diversos adjetivos e questiona a sucessão.

 

No mesmo dia, a página de editoriais do jornal trazia artigo de Clóvis Rossi intitulado “Já morreu”. No texto ele afirmava: “Fidel Castro morreu, como modelo a ser seguido, muito antes de seu ocaso biológico que está se dando agora”. Na mesma página, um pouco mais abaixo, Sergio Costa assinou “Magia cubana”, em que dizia que “Cuba é a Disney da esquerda. A ilha da fantasia não-capitalista está aí há meio século para o mundo ver como seria se a história fosse outra”.

 

O veículo mais panfletário da direita no Brasil, a Veja, dedicou cinco páginas para analisar a “Cuba depois de Fidel”. O texto começava assim: “No final, el comandante en jefe viu-se nocauteado por um inimigo que ele não pôde prender, torturar ou fuzilar no paredón: a idade”. No parágrafo seguinte, ao mencionar a sucessão de poder nos regimes comunistas, afirmou “Em Cuba, a situação é ainda mais confusa, pois a única bandeira do regime é o carisma de Fidel e seu antiamericanismo” (Edição 1968, ano 39 – nº 31 – 9 de agosto de 2006).

 

Jaime Klintowitz, editor executivo do planfleto, ainda cutucou os solidários com a ilha: “A Revolução Cubana ainda soa romântica e atrativa para muitos desatentos. Não deveria ser assim, pois a Cuba de Fulgencio Batista era, em muitíssimos aspectos, melhor para os cubanos que a de Fidel”.

 

Até um videozinho desses caseiros que são repassados por e-mail está fazendo sua parte. Ele traz a digna cabeçada que o jogador francês Zidane deu no jogador italiano Materrazi no final da Copa em um outro contexto: na cena de Fidel levando o tombo em outubro de 2004. Sim, Zidane dá uma cabeçada em Fidel.

 

“Ajuda norte-americana”

 

No dia 2 de agosto, despacho da AFP na internet trazia a manchete “EUA: imprensa quer ajuda de Washington a Cuba em uma transição”. Segundo o texto, “a transição política já começou em Cuba e os Estados Unidos deveriam demonstrar disposição de estender a mão a um novo regime se este mostrar sinais de abertura”. A opinião é dos poderosos jornais conservadores The Wall Street Journal e do New York Times, que nos Estados Unidos estão militando pela reforma política na ilha.

 

O The Wall Street Journal explicou que poderia ser uma ''decisão útil'' a revogação da lei Helms-Burton de 1996 que impede o presidente de suspender o embargo imposto à ilha há mais de 40 anos. E reconheceu que a lei reduz as possibilidades de os EUA promover uma “mudança pacífica mediante um compromisso econômico com a Cuba pós-Fidel”.

 

Já o The New York Times argumentou que o governo dos EUA deveria ''tentar desempenhar o papel mais construtivo possível na evolução da ilha''. A idéia é fortalecer a classe média cubana e permitir a inserção dos dissidentes miamenses.

 

Luta de idéias midiática

 

O que essa oligarquia midiática esquece é que o forte caráter socialista da ilha não passou esse tempo todo sendo sustentado apenas por Fidel Castro. Ele é muito mais profundo e ultrapassa as fronteiras da ilha. Mesmo ele tendo centralizado a liderança do processo, Cuba tem uma trajetória e uma experiência únicas, que não são mais comparáveis à conjuntura política, social e econômica da antiga URSS.

 

Mas é claro que a mídia se agitaria com a situação de Fidel. Há muitos anos, a ilha enfrenta essa disputa ideológica. E não é à toa que – apesar dos seus poucos recursos - desde o surgimento e desenvolvimento da rede mundial, passou a investir diretamente na defesa das suas fontes de informação. Na internet, existem vários sites onde se pode encontrar notícias a partir de Cuba: Agência Prensa Latina (www.prensa-latina.cu), Granma (www.granma.cu) em várias línguas (inclusive português), Cubaweb (www.cubaweb.cu), entre outros.

 

Sim, são oficiais. Mas que veículo não defende algum ponto de vista? A ética e a idoneidade jornalísticas são uma falácia das mais grosseiras e que tem graves conseqüências para a sociedade. Uma máscara que defende a partidarização de veículos que em seus regimentos proíbem que os profissionais tenham filiação partidária. É uma séria deturpação entre o significado de informação, fato e verdade, e o que é manipulação e luta de idéias.

 

Na Venezuela bolivariana, nação que também enfrenta uma guerra midiática interna e externa, o jornalista Luís Britto García realizou um profundo estudo sobre o poder da mídia e a construção do golpe de abril de 2002. Sua pesquisa resultou em um livro, lançado em 2003, considerado um clássico sobre os estudos acerca do comportamento midiático intitulado “Venezuela: investigación de unos medios por encima de toda sospecha”.

 

Ali ele explica que “os partidos que abandonaram as massas são abandonados por elas. Os grandes capitais apostam na solução final da antipolítica. Partidos e grupos são abolidos a favor do totalitarismo (...) que tenta confiscar o Estado pela força bruta, legitimados ou mais bem dirigidos por uma fração de meios que atua como partido político, designa ou destitui líderes da oposição e lhes dita estratégias e programas”. E continua: “Este modelo opera em duas instâncias. Frente ao público, tergiversa a informação fazendo passar suposições, opiniões e desejos por notícias, omite fatos e suplanta os atores políticos enclausurando de fato a democracia”.

 

Depois do golpe, a Venezuela ganhou experiência e lançou um ambicioso projeto comunicacional envolvendo forte investimento em jornais alternativos e rádios comunitárias. Além disso, criou um canal de televisão voltado para a juventude e reforçou o canal governamental que já existia. Outra frente também foi desenvolvida no âmbito da integração sul-americana, com a criação da emissora e agência Telesur, que em julho passado completou um ano de vida.

No Brasil, ainda temos muito o que avançar nesse sentido. No primeiro ano do governo Lula, só a hipótese de se regular o setor gerou um alvoroço. O debate sobre uma ordem de jornalistas também foi alvejado. Tudo por uma “imprensa livre” e democrática.

 




Mônica Simioni, Jornalista, mestranda no Programa de Ciências Sociais da PUC-SP na área de ciências políticas, membro do IMG-SP e diretora de Relações Internacionais da Associação
Nacional de Pós Graduandos.

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