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Sem diagnóstico, formulação e articulação

Carlos Alberto de Melo

 

No primeiro mandato, se houve avanço houve também paralisia, confusão e indefinição. O “Lula I” teve méritos econômicos e distribucionistas evidentes, mas, no resumo, foi um governo capturado pela mesquinhez das disputas, escândalos estapafúrdios e por uma agenda prá lá de negativa. A dinâmica reformista do início foi interrompida já no segundo ano. A queda de Antônio Palocci afugentou os melhores formuladores e executores com que o presidente poderia contar. O país ficou na média insuficiente das últimas décadas. O governo ficou abaixo do que poderia.

Da eleição para cá, nada ocorreu de significativo e nem os discursos rompem com a mesmice. Virtudes e defeitos são os mesmos, apenas o poder presidencial se deteriorou um pouco. A reeleição, ao invés de dar novo ímpeto, acomodou. A articulação tirou férias coletivas; a disputa na base ameaça a volta da lambança. No mais, o presidente, para público mais amplo, saiu pela tangente tratou de consolidar a imagem de “O Pai dos Pobres II”.

Inicia-se o novo mandato com esse vazio: um déjà vu, um gosto acre. As férias do presidente fazem apenas um misto de constrangimento e resignação. O menor problema é a ausência de um novo ministério. Se fosse bom, mantê-lo seria mérito. Mas, ministério novo prá quê? Antes disto, o mais grave reside na: 1) falta de diagnóstico; 2) ausência de formulação e, 3) inexistência de uma linha de articulação política coerente com um projeto factível.

 

O (não) diagnóstico


No que se refere ao diagnóstico, importante é olhar para questões estruturais e para o movimento da história. O país “anda de lado” no momento em que o mundo avança. Por quê? O processo não foi retilíneo e nem uniforme, como naturalmente não são os processos históricos. Mas se exagerou ao adotar o ciclo espiral ou o ziguezague como método. Com os soluços de algum desenvolvimento e com o lentíssimo gradualismo, derrapamos desde a década de 80. Novos patamares institucionais, econômicos e sociais só aos trancos e barrancos. Responde-se mais aos gritos da conjuntura do que à sinfonia desconcertante (wagneriana) das mudanças históricas globais.

Desde os anos 1970, pressentia-se a emergência de uma nova era. Em outros países, alguns governos iniciaram um vigoroso processo de reformas. A dor inevitável abriu espaço para o incontível. Algumas lideranças que exerceram papel de proa, aceitaram desgastes: Margareth Thatcher (Inglaterra), Ronald Reagan (EUA) e Mikhail Gorbachev (URSS) são exemplos da “destruição”.

Promoveu-se a demolição de uma antiga ordem. A economia superou a fase industrial e avançou na Era da Informação; os estados se adaptaram à realidade de ajustes fiscais e modernização. As estruturas foram reformuladas a um custo social imenso, na esperança de trocar uma parcela do presente por um bom pedaço do futuro. Não tem jeito: quem quer fazer omeletes não negocia com os ovos.

Depois (anos 90), novas lideranças surgiram sob o signo da remoção de escombros e do estabelecimento de uma nova ordem social, inclusive. Criou-se outra malha de proteção, como novos princípios: reciclagem profissional e reinclusão dos que ficaram fora do modelo. A Educação adquiriu novo sentido e importância. Mesmo com todos os problemas, demarcaram a fase “criativa” de um processo “schumpeteriano”, por assim dizer.

No Brasil, os sucessivos governos não conseguiram fazer o que precisava ser feito; faltou legitimidade política ao mesmo tempo em que a Constituinte se agarrou aos últimos raios de sol de uma primavera passada. Remoçado pelas urnas, o país iniciou a mudança com Fernando Collor. Mas, o voluntarismo, o provincianismo e o “apetite” demasiados fizeram combinação explosiva com habilidade política de menos. O ex-presidente foi para casa mais cedo.

A fase de transição com Itamar Franco permitiu avanços significativos como o Plano Real; uma boa cota de racionalidade se instalou no governo FHC e conseguiu relativos avanços no processo de modernização. Mas, um sistema político que impõe acordos e compromissos com forças arcaicas não deixa de comprometer a emergência do moderno. Também ali, houve disputas na base e complacência com a natural morbidez do ritmo político. No mais, incontáveis crises internacionais levaram o país às cordas. Ameaçado de nocaute técnico, FHC ficou pelo meio do caminho: a destruição da antiga ordem não se completou.

 

A (não) formulação


Concomitantemente, na última década, os governos tentam combater a barra-mais-pesada da globalização, que torna milhões de pessoas irrelevantes ao sistema econômico. Em virtude dos compromissos históricos do presidente e de seu partido, isto tomou maior ânimo durante o mandato de Lula. Uma malha de proteção social começa a se consolidar e foi necessário que se fizesse.

Mas, os mecanismos adotados de transferência pura e simples de renda são de “curtíssimo prazo”. Úteis para garantir o futuro apenas na medida em que não permitam que o presente o inviabilize. São limitados. Não raro, confundem inclusão social com definitiva assistência social. Também a política macroeconômica precisa de complemento. Enfim, o que foi feito não basta, não obstante favoreça a reeleição.

Lula acreditou que mais uma vez poderia sair pela tangente: passar para o estado de proteção social e de criação de uma nova ordem, sem ajustar contas com o passado ou ajustando apenas parcialmente, mantendo a estabilidade monetária como valor. Não dá. Mesmo que se admita menor crescimento com maior distribuição, o cobertor é curto e a tendência do jogo político é deixar apenas a classe média passando frio. No longo prazo, os custos políticos serão inevitáveis. Na última eleição, os resultados nos grandes centros urbanos e a ojeriza presente de setores médios pela política são indicadores disto.

As reformas parecem, pois, imprescindíveis. Um Estado desajustado não permite o desenvolvimento; gasta muito e mal; retira recursos e não honra compromissos com políticas públicas essenciais (segurança, por exemplo); sufoca. Impede um “longo olhar à frente”; estabelece o “salve-se quem puder”. A discussão dos salários de juízes e parlamentares são reflexos da miopia que se estabeleceu.

A ausência de um diagnóstico indutor empobrece a formulação de políticas. Acredita-se no crescimento como resultado da vontade pessoal. Mas, “o homem sonha, Deus quer”, e a obra não nasce. O governo torna-se defensivo e reativo: combate efeitos sem debelar causas; mantém a estrutura de um Estado desorganizado, gastador e ineficiente.

Há formuladores, sim. E, em vários momentos, instrumentos amparados por diagnósticos realistas foram oferecidos ao presidente. Sejam a “agenda perdida”, o “déficit nominal zero” ou qualquer outra denominação, eles consistem na imperiosa necessidade de ajustar o Estado brasileiro ao século XXI. Mas o governo opta pela não formulação, enquanto presidente se dedica a não decidir.

 

A (não) articulação


É claro que isso cobra seu preço. Num sistema político como o brasileiro, formação de maiorias parlamentares, composições e coalizões são inevitáveis. Mas, sem um diagnóstico preciso e uma formulação clara, nada resta além da cooptação. A troca de votos por espaços autônomos de poder – “porteiras abertas” – se estabelece e pode comprometer o resultado geral. O interesse comum torna-se cada vez mais uma abstração de uma democracia apenas abstrata.

Sem um projeto claro e verossímil, a articulação política fica comprometida. Confinada a um jogo de faz-de-conta, a articulação torna-se personalista e centralizada; não impõe parâmetros de objetivos na negociação de alianças justamente por não tê-los para além da vontade. Coloca em risco a própria aliança; estabelece o ciclo vicioso da falta de projeto e da falta de liderança. Aliados divergem entre si; disputam o poder pelo poder. Afinal, querem a presidência da Câmara para o quê, exatamente?

Carlos Alberto de Melo, Cientista Político, doutor pela PUC-SP, Professor de Sociologia e Política do Ibmec São Paulo. (carlos.melo@isp.edu.br)

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