Entre a razão, o sentido e a paixão – o outsider em Weber
Venceslau Alves
Resumo:
Este artigo ressalta as qualidades de Max Weber enquanto um pensador moderno
que conseguiu extravasar as margens apertadas da racionalidade moderna.
Aqui, a preocupação primeira assenta na constatação
de que o pensador alemão conseguiu inserir questões relativas
às subjetividades humanas no discurso cientificista das ‘Luzes’.
Palavras-chave: Modernidade, paixão, razão, sentido, valor,
outsider.
Abstract:
This article highlights Max Weber’s qualities as an intellectual of
the modernity who was able to overcome the tight ways of rational modernity.
It will be sustained that the German thinker introduced some fundamental
issues on the human subjectivities into the scientific discourse of the
Modernity.
Key-Words: Modernity, passion, reason, sense, value, outsider.
Ninguém
pode colocar em xeque o espírito fugidio de Maximillion Weber. Acusado
de muita coisa, de defensor de uma sociologia ‘obediente ao status
quo’ (Adorno e Horkheimer), de político frustrado, até
‘teórico da burguesia’, como muitos dos chamados teóricos
do marxismo vulgar insistiram por tanto tempo em caracterizá-lo,
Weber foi, por essência, um outsider.
Considerado o patriarca da modernidade, ao lado de Karl Marx e Émile
Durkheim, o criador da Sociologia da Burocracia parecia querer desviar-se
das grandes narrativas que caracterizaram o projeto civilizatório
instaurado pelas “Luzes” e que afirmava a razão e o método
científico – as certezas – como as únicas fontes
de conhecimento válido, rejeitando qualquer concepção
do mundo derivada dos subjetivismos humanos. Enquanto ousou sinalizar para
as certezas da modernidade com a indesejável presença do imponderável,
esta afirmava a necessidade de acachapar as subjetividades, demandando uma
inflexível confiança na verdade absoluta de todos os aspectos
da vida humana. Se não foi impossível ao outsider andar ao
largo da racionalidade moderna, ele soube, como poucos, perseguir o ‘sentido’
de seu tempo sem ignorar a ‘paixão’ que o possibilitara.
O pioneirismo de Weber no enfrentamento do conceito de classe marxista,
desmembrando os trabalhadores em classe A, classe B, classe C, etc, é
ilustrativo do que se está procurando mostrar aqui. Para ele, o conflito
existia, era permanente e ocorria intra-classe, entre as pessoas, independentemente
de seu status. Para o segundo, ele se dava extra-classe, entre a burguesia
e o proletariado.
Daí que, na compreensão moderna marxiana, a solidariedade
da classe operária transformaria globalmente as estruturas sócio-econômicas,
enquanto que para o ceticismo antimoderno de Weber, tal solidariedade se
fazia impossível. O acidente dos valores culturais, materializados
sob a forma de origem e condição social, opção
sexual, cor da pele, estilo de vida, padrões de comportamento, religião,
estaria muito mais tendente a realizar tal solidariedade (ou o conflito)
do que uma suposta justaposição de classe e, ainda assim,
permeados pelas incertezas do imponderável que cercam as ações
humanas.
O pensador alemão soube melhor do que ninguém distanciar-se
da cientific madness (fixação científica) que caracterizou
a alta modernidade de sua época. O professor das Universidades de
Friburgo e de Heidelberg defendeu uma ciência baseada na racionalidade
máxima, como tem de ser, recortada, porém, pelas emoções,
paixões e intimidades dos sujeitos sociais que são imateriais,
impalpáveis, e abstratas (particularmente ao se tratar das ciências
culturais, como a sociologia). “Contrário a uma ciência
a serviço de qualquer doutrina partidária, política,
religiosa ou moral, a teoria do conhecimento weberiana, afirma Menezes,
é fundada na recusa da admissão dos valores, dos sistemas
preordenados, das totalidades como ponto de partida da ciência”
(P. 235).
Nesse tipo de ciência, o pesquisador, mais do que qualquer outro elemento,
é movido antes pela paixão da descoberta, cedendo espaço
para as coisas que fogem à mera racionalidade. A única interferência
do sujeito da investigação na pesquisa que Weber admite haver
são suas próprias perspectivas, ou seja, os sentidos que,
à luz de suas convicções pessoais, ele, o sujeito da
investigação, atribui às ações sociais
para delas extrair uma conclusão.
À frente de seu tempo, o autor de A ética protestante e o
espírito do capitalismo entrega ao estudioso das ciências sociais
uma árdua tarefa, ou melhor, um desafio: o de fazer ciência
sem se apaixonar pelo objeto estudado. Isso para que tal paixão não
interfira no resultado final da pesquisa. Não è que o criador
de A teoria das estruturas de autoridade recuse terminantemente a racionalidade
moderna como guião-mor do pesquisador (ou do pesquisado), mas, ao
defender o status de ciências para as ciências sociais, argumenta
que o homem não é dotado somente de razão. A paixão,
muitas vezes, é o que condiciona as ações humanas.
Assim como nas ações sociais, as interferências estão
presentes o tempo todo na pesquisa científica, não em seu
resultado, mas nas escolhas feitas pelo pesquisador. A rigor, é o
ângulo escolhido para abordar determinado assunto que implica tal
interferência, jamais o resultado obtido.
De acordo com a percepção de Weber, ao cientista cabe, pois,
procurar atingir o máximo de neutralidade possível na investigação
científica, sob pena de descaracterizar o sentido científico
desta. “Weber”, interpreta R. Lazarte, “busca a objetividade
no saber sobre a sociedade, mas não considera possível o conhecimento
sem relação com nossos valores. Existe, sim, uma centralidade
do valor na sociologia weberiana” (P. 99), Embora o cientista seja
movido por valores, ele deve entender que a investigação deve
ser científica, ou seja, ele deve se render a evidencia dos dados,
nunca distorce-los.
Enquanto outros pensadores modernos defenderão um papel de vanguarda
para as ciências da cultura na transformação das estruturas
sociais, Weber escreve que as ciências sociais a nada servem senão
para que se possam conhecer as razões pelas quais as pessoas agem
dessa ou daquela forma na sociedade. Isso equivale a dizer que é
tarefa dessas ciências ‘captar as singularidades’ (emoções,
paixões e intimidades), os sentidos subjetivos (imateriais, impalpáveis,
e abstratos) das ações sociais, que são materiais,
palpáveis, e objetivas.
Nas palavras de R. Lazarte: “a compreensão do sentido da ação
social, objetivo da sociologia compreensiva, reconhece no “objeto”
de estudo sua dimensão subjetiva (os motivos), essencial para sua
adequada explicação. Ao mesmo tempo, reconhece a dimensão
subjetiva (valores e interesses) do investigador, como elemento fundamental
da compreensão sociológica, distante das pretensões
de “objetividade” que pressupõem a sua eliminação
como pré-requisito indispensável para garantir a “cientificidade”
da mesma” (P. 90). Captar os sentidos subjetivos das ações
dos sujeitos sociais é, pois, a tarefa primeira da sociologia. Verificar
se o “sentido” é justo ou válido não é
objeto da sociologia, mas identificar qual é este sentido e compreender
seu emprego. É necessário, pois, o não julgamento,
mas a busca das conseqüências das ações sociais.
O que faz de Weber um outsider, não é o fato de ele ter sido
um dos modernos fundadores da sociologia, papel que coube também
a Karl Marx, Vilfredo Pareto e Emile Durkheim. Seu diferencial foi propor
um ‘olhar desencantador’ para as ciências sem a esperança
moderna de encontrar nelas (supostas) verdades absolutas. Para o pensador
alemão, as ciências, de um modo geral, possibilitam ao pesquisador
avizinhar-se de fragmentos da realidade, nada mais que isso. Como bem observou
Augusto S. Silva: “o mundo que pretendemos representar é infinito,
quer em extensão, quer em intensidade [como demandou Weber]: tão
impossível se tornaria dar conta da infinita variedade de fenômenos
nele contidos como da infinita variedade de elementos e de aspectos de um
único fenômeno aparente, fenomenal – e não no
universo metafísico das essências, dos “números”,
ou das causas primeiras. Mas mesmo essa realidade empírica se revela
inatingível na sua totalidade e na sua verdade – o conhecimento
sendo sempre aproximativo e fragmentário” (P. 45).
Como tão bem interpreta R. Lazarte: “A perspectiva interpretativa
do cientista é necessariamente unilateral por sua relação
com seus valores. Dessa forma, afasta-se a pretensão de qualquer
leitura do real que se queira total, última, final. A inesgotabilidade
do real, sustentada com insistência pelo autor [Weber], estabelece
o conhecimento científico da sociedade em uma postura humilde: a
sua superação permanente é uma condição
da sua existência. O autor recusava a possibilidade de perspectivas
interpretativas do acontecer histórico-social que pretendesse explicar
esse devir a partir de ‘fatores em última instância determinantes’.
E, se algum marxista quis reivindicar para si a posse da “maneira
correta” de interpretar definitivamente o social, é contra
ela que se insurge o autor. A realidade da vida, para ele, não pode
ser deduzida a partir de ‘leis’ e ‘fatores’”
(P. 92). Em suma, para o pensador alemão, múltiplos pontos
de vista são possíveis, e cabe ao pesquisador, segundo seus
valores pessoais, a tarefa de determinar que “olhar” aplicar
ao objeto estudado.
Weber lembra que as sociedades humanas são movidas por valores, tanto
de caráter pessoal quanto cultural, que incidem sobre as ações
dos homens. Tais ações somente podem ser explicadas num contexto
específico, onde os valores, comuns a toda a sociedade, são
transmitidos de acordo com sua importância cultural. São esses
valores que guiam os homens nesta ou naquela direção, e não
supostas determinações estabelecidas pela dinâmica da
história – como queriam os positivistas e os adeptos do materialismo
histórico dialético (estes ao limitar o motor da história
à luta de classes). Os positivistas seguem uma linha de pré-determinação
para o progresso, por exemplo: do teológico para o carismático
e, daí, para o racional. Os marxistas fazem o mesmo, pois é
mera prática moderna, considerando o avanço do modo de produção
antigo para o feudalismo e, daí, para o capitalismo e, então,
para o socialismo, que é a base fundamental para o progresso.
O autor do ensaio A Política como Vocação opunha-se
drasticamente à atribuição causal de fatores que agissem
como causas únicas determinantes do devenir histórico. Ao
contrário dos positivistas e marxistas, dos modernos, portanto, ele
não fala em “progresso”, mas em acumulação
de conhecimento. Como acentuou R. Lazarte: “os valores a partir dos
quais faz sentido o empreendimento científico, a busca do saber,
nada têm de racional, pertencem à esfera do querer, da escolha
pessoal, dos afetos, das crenças das paixões. A ilusão
do positivismo sociológico consistiu em colocar nos ombros da ciência
a responsabilidade de conduzir os homens, a humanidade, para um “mundo
feliz” de progresso e tecnologia [e, em certa medida também
o fez o materialismo histórico dialético]” (P. 111).
*******
Weber coloca um dilema para o cientista da cultura, que é o fato
de os ‘valores’, além de não terem validade universal
(como nada na vida tem), serem de difícil fundamentação
científica. Mesmo contando com certa evidência empírica,
No caso deles, dos valores, não se pode proceder como na análise
de seres inanimados (chuva, frio, etc), que não são dotados
de “sentido”. Ao contrário das ciências naturais,
há nas ciências da cultura muito de emotivo, de passional,
enfim, de irracional. Daí a dificuldade de se realizar uma análise
da totalidade dos fatos nessas ciências. Nelas não há
certezas absolutas, mas aproximações e eternas hipóteses,
realizadas através da tentativa de identificação dos
sentidos das ações humanas, porque assentadas nas subjetividades.
A julgar por tudo que foi dito acima, Weber entende que a ciência
empírica não deve dizer ao homem o que fazer. Ela não
pode ser avaliativa, mas analisar nas ações sociais –
recortadas por valores culturais e pessoais – o processo de tomada
de decisões. As ciências não devem sugerir aos homens
como proceder; não pode ser entendida como dogma, mas deve indicar
aos homens os possíveis caminhos para a superação dos
problemas.
O cientista não deve determinar o rumo da história; até
porque tal rumo não existe. O rumo da história será
dado pelos seres históricos dotados de racionalidade, sempre cercado
pelo imponderável. A história é o resultado das ações
humanas imaginadas (determinadas). Mas ela é também resultante
de ações inimaginadas (não determinadas) Toda a ação
histórica é baseada em escolhas, recortadas pelos valores
individuais e coletivos, pelos sentidos subjetivos.
Para uma compreensão mais abrangente do fenômeno estudado,
Weber ensina que a tarefa do cientista social é dupla: ele deve estabelecer,
antes, conexões de sentido e, então, relações
causais. Weber distingue, assim, três procedimentos intelectuais:
interpretar, compreender, explicar. As relações de sentido
devem colocar ao pesquisador qual foi o motivo de dada ação.
Deve ainda se perguntar qual foi o resultado de dada ação
social, ou seja, realizar relações causais (de causa e efeito).
Nas palavras de A. Silva: “Entre a razão e o sentido (dois
nomes, dois símbolos para dois complexos sistemas intelectuais),
é o estatuto teórico e prático das ciências sociais
que se interroga, é uma dinâmica de pesquisa produtiva que
procura consolidar. O programa de Durkheim explora até ao limite
as virtualidades do racionalismo, alicerça a investigação
nos direitos e nos poderes de uma Razão soberana. Weber problematiza
mais do que afirma, em busca do ponto de equilíbrio entre os valores
e a ciência, a compreensão e a explicação da
ação, em busca de uma forma analítica de dar conta
do sentido do mundo e do sentido dessa análise para o mundo. Mas
como – do lado de Durkheim – compatibilizar as regras do saber
positivo com a interpretação de fatos e atributos carregados
de sentido, com representações e valores? E – do lado
de Weber – como assumir a presença dos pressupostos éticos,
o lugar matricial da cultura, a polarização analítica
no singular e no individual: como assumir todos esses indícios das
fronteiras da razão no interior da ciência, o discurso mais
racional que o Ocidente pôde produzir?” (P. 63). A ciência
social repousa, pois, sobre premissas de valor, sobre escolhas e decisões
subjetivas, mas mantêm a validade universal dos processos de demonstração
que emprega e das regras de demonstração a que obedece –
e neles fundamenta a objetividade dos resultados que produz.
*******
Para possibilitar que se realize tal proeza, Weber sugere que como instrumento
de análise inicial, o pesquisador se utilize de um artifício
de apropriação cognitiva do real bastante eficiente –
pelo qual passariam praticamente todos os estudos metodológicos posteriores
e que orientaria os pesquisadores sociais na ‘construção
de hipóteses’ – e convencionalmente denominado por ele
de criação de um “tipo ideal”. É este meio
metodológico que possibilita a criação de uma ponte
que permite unir o componente subjetivo (que não pode ser encontrado
na realidade) e o conhecimento empírico, para estabelecer o significado
cultural dos fenômenos e para formular proposições empíricas
sobre eles.
Como interpreta A. Silva: “o processo de apropriação
cognitiva do real, não corresponde, pois a uma reprodução
fotográfica, mas sim a uma construção intelectual”
(P. 45.) A realidade existe a partir de meu ponto de vista ou de outro cientista
(fundamentação teórica) que me serve como fonte secundária.
Na compreensão de R. Lazarte: “o conceito weberiano do tipo
ideal, não apenas não contêm a realidade como tampouco
a cópia. Apenas pretende representa-la conceitualmente de maneiras
unívocas destinadas a serem superadas. Os valores em que se fundamentam
nossos pontos de vista impõe a necessidade de uma constante construção
de novos conceitos para tentar tornar compreensível aquela parcela
do acontecer histórico-social que nos resulta significativa por sua
relação com esses mesmos valores” (P. 93). Ainda que
fruto da imaginação, os tipos ideais se fundamentam no conhecimento
já existente, através dos quais se tenta abordar a realidade
empírica.
Para Weber, o analista deve conhecer profundamente o objeto cujo detalhe
pretende destacar. De caráter provisório, os tipos ideais
seriam, pois, a elaboração de um conceito que deve estar muito
próximo da realidade. Eles são utilizados pelo analista para
se compreender quais são as condicionantes culturais necessárias
para que haja isso ou aquilo (o capitalismo, a democracia) na sociedade.
Ser democrata ou capitalista é ter esta ou aquela mentalidade dadas
as circunstâncias históricas e aos valores historicamente adquiridos.
Por isso se diz que as pesquisas sociais têm cunho qualitativo, ou
seja, estão interessadas na “essência” da ação
social e não na ação social por ela mesma. Nas palavras
do outsider,
A sociologia constrói (...) tipos ideais e procura descobrir
regras gerais do acontecer. Em oposição à história,
que se esforça em conseguir a análise e a imputação
causal das personalidades, das estruturas e das ações individuais
consideradas culturalmente importantes. A construção conceitual
da sociologia encontra o seu material paradigmático, de maneira essencial,
mas não de maneira exclusiva, nas realidades da ação
consideradas também importantes a partir do ponto de vista da história.
Ela constrói também os seus conceitos e busca as suas leis
com o propósito, sobretudo, de poder prestar um serviço para
a imputação causal histórica dos fenômenos cultualmente
importantes. (R. Lazarte 1996:73)
O tipo ideal não é, pois, outra coisa senão uma construção
intelectual, orientada pelos valores do sujeito da investigação
para captar as características peculiares do objeto da investigação.
Ainda que contaminado pela interferência dos valores do cientista,
é a singularidade do fenômeno – fragmentos de fragmentos
da realidade – que se busca retratar. Por isso, explicações
causais nunca refletem a totalidade dos fenômenos. Ao contrário,
elas ignoram os aspectos particulares de valor subjetivo dos quais os sujeitos
da análise estão impregnados.
Nas palavras de P. Breiner: “Os tipos ideais de Weber não são
meras instâncias de ação social e política. Eles
são os construtores dos contextos no qual ocorre a ação
social e política e as formas de ação disponíveis
nesses contextos. Weber enfatiza que os tipos ideais selecionam as características
distintivas das constelações sociais e que eles registram
tanto o significado quanto as conseqüências das ações
através e dentro dessas formas de ação. Além
disso, estes contextos tipicamente idealizados não são meras
descrições da realidade, mas construções conscientes
de variados pontos de vista (...) tipos ideais nos ajudam a analisar os
porquês de nós agirmos como agimos; os porquês de nós
defendermos esta posição e não aquela; os porquês
de nós sermos socialistas, pacifistas e não o contrário.
Há sempre algum interesse que nos move nesta ou naquela posição
e esta posição que nós tomamos é “determinada
por nossos valores culturais (e individuais)”(P. 09).
É exatamente essa somatória das relações causais
com as relações de sentido, implícita nas entrelinhas
da fala de Breiner, que resulta nada menos do que naquilo que ficaria conhecido
como conceitos (a democracia, por exemplo). Estes, por sua vez, são
instrumentos (como se opera a democracia no Brasil) necessários para
se abordar a realidade, imprescindíveis para a tentativa de compreensão
daquilo que ao cientista interessa investigar (a concepção
de democracia segundo os olhos dos brasileiros). E a pesquisa almeja verificar
a veracidade das hipóteses levantadas inicialmente pelo cientista
(há um caráter essencialmente antidemocrático intrínseco
ao elemento brasileiro que tem contribuído para a incompletude da
cidadania no país, por exemplo) que é, em verdade, o objetivo
final do estudo realizado.
Como ensina Lazarte, “a explicitação de Weber acerca
das características desse tipo especial de conceito, que é
o “tipo ideal”, vem de encontro à nossa interpretação:
o tipo ideal tem sua realidade no pensamento, e é ideal apenas neste
sentido (sem qualquer caráter exemplar ou normativo). Não
pretende copiar a realidade nem contê-la, e sim reunir, em uma espécie
de individualidade abstrata, um cosmos de relações em si não-contraditório,
num conjunto de relações e processos empíricos que
se nos apresentam como significativos. (...) Aqui queremos frisar novamente
que para Weber os significados são criados e não descobertos.
Não há outras leis que as que construímos com o nosso
pensamento. Nenhuma teleologia, nenhum determinismo. Não encontramos
no mundo outro significado que aquele que nós mesmos pusemos ali”
(P. 43).
*******
Não parece exagerado conferir a Max Weber tamanha importância,
como se procurou fazer aqui. Trata-se de um dos nomes mais citados em teses
acadêmicas mundo afora. Isso porque Weber soube entender, desde cedo
e como pouquíssimos, que os seres humanos são seres dotados
de razão, mas também de paixão, e a compreensão
do sentido de suas ações passa pela consideração
destes dois fatores. O que se quis enfatizar, entretanto, foi muito mais
o desempenho do pensador alemão enquanto alguém que jogou
o duplo papel, de astro e de espectador, de vítima e de algoz, de
professor e de aluno, enfim, do indivíduo que ‘corre por fora’,
sem estar dentro nem fora do jogo da modernidade; numa palavra, o papel
do outsider.
Bibliografia de apoio
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1996.
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MENEZES, Marilde L. de, Convicção e responsabilidade no campo
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SAINT-PIERRE, Héctor Luis – Max Weber – Entre a Paixão
e a Razão, Editora Unicamp, Campinas, 2004
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Porto, 2001.
SOUZA, Jessé (org.) – A atualidade de Max Weber, Editora da
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WEBER, Max, Ensaios de sociologia contemporânea. Cortez Ed. Buenos
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_______________ Metodologia das Ciências Sociais, Cortez Editora e
Editora da Unicamp, São Paulo, 1993.
_______________ A Ciência como Vocação, in Mills, Wright
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_______________ Origem do Capitalismo Moderno, in coleção
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_______________ A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo,
Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais, São Paulo, 1976.

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