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A reforma política e seu impacto no fortalecimento dos partidos políticos: avanço ou retrocesso?

Katia Saisi

 

O fortalecimento dos partidos parece ser a tônica da reforma política contida nos Projetos de Lei 2679/03 (1) e 1712/03 (2) , aprovados pela Comissão Especial de Reforma Política e que tramitam, no momento (maio/2007), de modo disperso no Congresso Nacional. Pelo menos, são essas as principais justificativas apresentadas pela Comissão e subscritas pelo seu presidente, Alexandre Cardoso, e relator, Ronaldo Caiado:

O presente projeto de lei visa a sanar alguns problemas cruciais, de longa data apontados no sistema eleitoral brasileiro, os quais afetam não apenas o comportamento dos candidatos durante as campanhas, mas também os próprios partidos políticos. Esses problemas têm, igualmente, profundos reflexos no funcionamento das Casas Legislativas, dos órgãos governamentais nos três níveis de governo e, até mesmo, no relacionamento entre os Poderes.

Entre os problemas mencionados, que requerem soluções mais urgentes, estão os seguintes:

a) a deturpação do sistema eleitoral causada pelas coligações partidárias nas eleições proporcionais;
b) a extrema personalização do voto nas eleições proporcionais, da qual resulta o enfraquecimento das agremiações partidárias;
c) os crescentes custos das campanhas eleitorais, que tornam o seu financiamento dependente do poder econômico;
d) a excessiva fragmentação do quadro partidário;
e) as intensas migrações entre as legendas, cujas bancadas no Legislativo oscilam substancialmente ao longo das legislaturas.

Tais aspectos estão inter-relacionados e demandam, portanto, tratamento conjunto, apesar de a disciplina legal das matérias pertinentes ocorrer em diferentes diplomas.

Dentre as várias mudanças que os Projetos apresentam sob a argumentação de fortalecer as agremiações partidárias – como a adoção dosistema de federação partidária (03), a mudança na cláusula de barreira (04), o aumento de exigência de fidelidade partidária (05) e o financiamento público de campanhas (06) – a que deverá ter maior impacto na questão do fortalecimento dos partidos é adoção de lista preordenada de candidatos por partido. Ou seja, o eleitor não mais votará individualmente em um candidato aos cargos proporcionais (vereador, deputado estadual e deputado federal), mas sim em uma lista ordenada pelo partido. Este texto busca analisar especificamente os possíveis impactos que tal medida terá no sistema eleitoral brasileiro à luz da literatura disponível.

Nosso principal argumento é que a proposta contempla apenas o fortalecimento da instituição partidária dentro do sistema político brasileiro, acentuando suas características partitocráticas, sem contemplar a participação popular na definição dos rumos políticos do país, que deveria ser a base para a consolidação de um regime democrático não meramente formal, mas substancial (07).

Considerações sobre conceito de partido político

Antes de iniciarmos a análise propriamente dita dos projetos de reforma política que visam, sobretudo, o fortalecimento dos partidos políticos no Brasil, convém resgatar sua definição e breve histórico. Para tanto, recorremos ao Dicionário de política de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino (2000), que procura conceituar os termos da linguagem política, ainda que os autores alertem em sua introdução que esta “é notoriamente ambígua” (Bobbio, 2000, introdução).

O conceito clássico advém da definição de Max Weber, para quem o partido político é:

Uma associação que visa a um fim deliberado, seja ele ‘objetivo’, como a realização de um plano com intuitos materiais ou ideais, seja ‘pessoal’ isto é, destinado a obter benefícios, poder e, consequentemente, glória para os chefes e sequazes, ou então voltado para todos esses objetivos conjuntamente. (BOBBIO et all, 2000, p. 898).

Dessa maneira, o partido compreende formações diversas, com grupos unidos por vínculos pessoais e particularistas às organizações complexas que se movem na esfera do poder político e que está ligado à participação dos diferentes estratos sociais nas decisões política.

Historicamente, sua origem remonta à primeira metade do século XIX, na Europa e Estados Unidos, com a ascensão da burguesia, com o partido dos notáveis, por sua estrutura individualista (o mandato dos parlamentares era absolutamente livre tanto em relação ao partido como aos eleitores). Nos decênios seguintes, com o desenvolvimento do movimento operário, foram criados os primeiros partidos dos trabalhadores, com as seguintes características inovadoras:

Um séqüito de massa, uma organização difusa, e estável com um corpo de funcionários pagos especialmente para desenvolver uma atividade política e um programa político sistemático. (Idem, p. 900).

A esse modelo - que se aplica, sobretudo, aos partidos social-democrático alemão e aos partidos socialistas francês e italiano e, posteriormente, aos partidos comunistas - se denomina “partido de aparelho” ou “partido de organização de massa”. Ou seja, o partido é uma organização que busca a emancipação das classes subalternas, por meio da educação política, para torná-las ativas politicamente e conscientes de seu próprio papel na sociedade. A eleição em si encerrava apenas uma etapa e não o fim do partido, cuja meta era a conquista de espaços de influência cada vez mais amplos dentro da sociedade civil.

Mas com a introdução e expansão do sufrágio universal, os notáveis viram-se ameaçados e iniciaram o movimento de abertura de seus partidos à participação das massas, com a criação de aparelhos estáveis para uma eficaz propaganda e coligações com a sociedade civil capaz de lhe dar sustentação. São os chamados “partidos eleitorais de massa” (Idem, p. 901):

Diferentemente dos partidos dos trabalhadores, esses partidos tiveram e têm como característica distintiva a mobilização dos eleitores mais do que a dos associados. (...) Os partidos eleitorais de massa não são dirigidos de um modo geral a uma classe ou a uma categoria particular, não se propõem a uma gestão diferente da sociedade e do poder, mas procuram conquistar a confiança dos estratos mais diversos da população, propondo em plataformas amplas e flexíveis, além de suficientemente vagas, a satisfação do maior número de pedidos e a solução dos mais diversos problemas sociais. (Idem, p. 901-902)

São assim também conhecidos como “partidos pega-tudo”, ou seja, com objetivos essencialmente eleitorais, adequando suas plataformas às demandas pontuais dos eleitores.

Ao longo do século XX vê-se que os partidos de organização de massas foram perdendo algumas de suas características fundamentais (como a participação das bases e seu caráter educativo das massas) e adotando orientação meramente eleitoral, todos se tornando partidos “pega-tudo”.

Anna Oppo, que assina o verbete no Dicionário de política (opus cit.), afirma que a existência atualmente tanto um tipo quanto de outro está vinculada à qualidade e à intensidade da participação política:

Onde existir um consenso generalizado sobre certos temas e problemas de base e a participação popular se manifestar através de exigências setoriais e específicas, é provável que prevaleçam estruturas partidárias com tendência “pega-tudo”; quando, ao contrário, por qualquer motivo de ordem interna ou internacional, surgirem crises capazes de criar fortes conflitos políticos ou de colocar em discussão as relações sociais existentes, a tendência para “construir máquinas políticas” profundamente homogêneas e organizadas deverá ser mais clara (Idem, p. 903).

As duas principais funções dos partidos políticos são, portanto, a de configurar-se como instrumento para expressão das reivindicações e necessidades dos grupos sociais, bem como a de viabilizar a participação das massas nas decisões políticas. Mas, na sociedade moderna, a participação política difundida precisa de estruturas organizacionais complexas, o que leva justamente ao surgimento de tendências oligárquicas. Ou seja:

O progressivo desenvolvimento da organização, a crescente complexidade dos fins a atingir com a conseqüente divisão de trabalho e a necessidade de conhecimentos especializados que este fato comporta, conduzem à profissionalização e estabilização da liderança do partido, à sua objetiva superioridade em relação aos outros membros da organização e portanto à sua inamovibilidade e ao exercício de um poder de tipo oligárquico. Nesta situação, portanto, a delegação e o controle sobre ela seriam fictícios e a transmissão do questionamento político seria manipulável e manipulado conforme os interesses de poder da oligarquia do partido. (Idem, p. 904)

A consolidação de partidos de massa levou ao fenômeno designado por “partitocracia”, que significa mais do que Governo dos partidos. Trata-se de uma crítica aos partidos como corpos intermediários que distorcem a vontade dos cidadãos e monopolizam não apenas o poder político como também a própria vida política.

Na origem, o termo foi usado por liberais saudosistas da representação individual dos interesses, da época dos notáveis. Mas a partir dos anos 70, foi também adotado pela esquerda para repelir a institucionalização burocrática que marca os partidos, transformando-os em instrumentos de conservação e não de mudança da sociedade, conforme explica Gianfranco Pasquino, que assina o verbete:

Os movimentos e autores radicais lançam suas críticas contra os partidos totalizantes e didáticos e contra a sua pretensão de monopolizar a demanda política, controlar a expressão das novas necessidades e impedir todo o movimento potencialmente desestabilizador dos equilíbrios políticos tradicionais (Idem, p. 906).


Dentre os instrumentos da partitocracia, Pasquino aponta como principais o financiamento público dos partidos e a atribuição de cargos na sociedade por critérios meramente políticos (loteamento). No primeiro caso, os fundos que vão diretamente para os partidos e são usados sem controle se prestam a fortalecer a burocracia e a criar uma classe dependente da cúpula partidária, em detrimento da difusão da política e da independência dos eleitos.

O outro instrumento é a distribuição de cargos a partir da adesão ao partido, independentemente do critério de competência. Não seria de todo inviável supor ser esta uma das possíveis causas do sentimento generalizado antipartidário e da descrença de o partido ser um legítimo representante da sociedade, que se traduzem nos baixos índices de identificação partidária verificados no Brasil: de acordo com Carreirão e Kinzo (2004), para 60% do eleitorado nacional os partidos não influenciam na decisão do voto.

Esse resgate teórico sobre partidos e suas críticas são pano de fundo para discussão sobre a reforma política em tramitação. Como veremos, a proposta de reforma política atribui peso considerável à importância do partido para a consolidação da democracia. O que se questiona aqui é a possibilidade de esse fortalecimento dos partidos (nos moldes propostos) vir a representar um retrocesso em termos de legitimidade de representação e participação política.

Relações entre sistema político e eleitoral

De acordo com Mainwaring (1991), a literatura sobre sistemas eleitorais em democracias ocidentais modernas, ainda que apresente vários pontos divergentes, possui várias convergências, como o fato de os sistemas eleitorais terem peso e afetarem as estratégias dos eleitores e dos políticos. O autor defende que:

Os partidos brasileiros são singularmente subdesenvolvidos para um país que alcançou seu nível de modernização e que teve uma experiência prolongada (1946-1964) de democracia liberal. Meu argumento básico neste texto é que o sistema eleitoral brasileiro contribuiu para minar os esforços de construção de partidos políticos mais efeitos.(...) Essa legislação eleitoral reforça o comportamento individualista dos políticos e impede a construção partidária. Os graus extremamente baixos de fidelidade e disciplina partidária encontrados nos principais partidos (à exceção dos vários partidos de esquerda) são tolerados e estimulados por essa legislação. (MAINWARING, 1991, p. 34-35).

Dentre as distorções apresentadas pelo autor, destaca-se o sistema proporcional para eleição de deputados federais, deputados estaduais e vereadores. O primeiro passo na eleição proporcional é definir os votos válidos do estado, subtraindo-se os brancos e nulos do total. O número de votos válidos é dividido então pelo número de vagas em disputa, e o resultado é o quociente eleitoral. Em seguida, os votos de cada partido são divididos pelo quociente eleitoral, e o resultado é o quociente partidário. Desprezadas as frações, esse resultado é igual ao número de cadeiras que cada partido vai ter. Supondo que uma legenda tenha direito a cinco cadeiras, são considerados eleitos seus cinco candidatos mais votados (08).

Só entram na distribuição dos lugares os partidos e as coligações que alcançarem quociente partidário igual ou maior que um: caso contrário, mesmo tendo um candidato com grande votação isolada, o partido não elege deputados. Os deputados federais são eleitos em número proporcional à população de cada estado. A Constituição limita esta proporcionalidade ao determinar que cada estado pode ter o máximo de 70 e o mínimo de oito representantes.

Isso causa distorções na representação, já que o peso dos votos dos estados com menor população é maior do que o dos estados com mais habitantes. Para que isso não ocorresse, São Paulo, por exemplo, com 22% da população total, precisaria ter 22% dos 513 deputados, ou 113 parlamentares, no lugar dos 70 que tem atualmente. Roraima, por sua vez, com 0,16% do total, teria apenas um deputado e não os oito atuais. Nas eleições de 2002, o estado de São Paulo precisava de mais de 280 mil votos válidos para eleger um deputado federal, enquanto em Roraima foram necessários apenas 21 mil. Ou ainda: todos os votos válidos do Amapá (213 mil votantes), que tem oito representantes na Câmara, seriam insuficientes para eleger um único parlamentar em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo. Não há, de fato, uma representação efetiva da população de cada estado no Congresso (09). Para Mainwaring, “o sistema de representação proporcional no Brasil é provavelmente o mais desproporcional do mundo” (Idem, p. 36).

Ainda que a matéria seja fundamental para efeito de representatividade da população, a questão da proporcionalidade não está contemplada pela reforma política, uma vez que se trata de matéria constitucional. Assim, a proposta em tramitação não resolve um dos mais disparatados problemas do sistema político nacional, que é a sub-representação dos estados mais populosos e a super-representação dos menos populosos: o número de eleitores por deputado no estado de São Paulo é mais de vinte vezes maior que no estado menos populoso (Acre).

O peso do voto do eleitor: a lista aberta

Fora a questão da desproporcionalidade do sistema, o sistema eleitoral brasileiro dá peso excepcional ao voto do eleitor.

Só no Brasil e na Finlândia é encontrado o sistema de lista aberta para a escolha de candidatos proporcionais. Ou seja, por este sistema, “ainda que o número de representantes seja determinado pelos votos partidários, a eleição ou não de um candidato depende de sua capacidade de obter votos individuais” (MAINWARING, 1991, p. 39). Essa medida estimula fortemente o individualismo nas campanhas, especialmente porque a eleição depende do prestígio e poder de cada candidato, podendo um candidato não se eleger mesmo que some mais votos que um candidato de outro partido, como visto na nota nº 7 deste texto (p. 8).

Mainwaring defende que o sistema de lista aberta é o principal responsável pela personificação das campanhas, bem como pela falta de coesão e disciplina partidária. Entretanto, a adoção de uma lista preordenada de candidatos, como propõe a reforma política, não eliminará essas distorções, podendo inclusive vir a acentuá-las, uma vez que a elite do partido terá total poder de escolher os nomes que encabeçarão a lista. Ou seja, o sistema acentuará o poder de determinados grupos de políticos.

Assim, a mera adoção de um sistema de representação proporcional por meio de lista partidária fechada e estrita, como o proposto, tira do eleitor o poder de veto aos políticos que não tenham correspondido às suas expectativas durante o exercício do mandato parlamentar. Ou seja, como a listas partidárias serão preordenadas pelo número decrescente de votos obtidos pelos candidatos nas convenções (conforme §3º do Artigo 8º), muito provavelmente esta ordem se dará em função do potencial de votos obtidos pelo candidato na eleição anterior e que poderá não mais corresponder aos interesses do eleitor.

Como exercício hipotético das possíveis conseqüências dessa medida, podemos tomar como exemplo o caso do deputado federal Clodovil Hernandes, eleito em 2006, em sua primeira legislatura, pelo Partido Trabalhista Cristão de São Paulo, com quase meio milhão de votos, levando consigo para o Congresso Nacional o Cel. Paes de Lima, que obteve 6 mil votos. Clodovil certamente encabeçará a lista deste ou de outro partido para o qual venha a migrar, independentemente de sua performance parlamentar.

O acesso à lista também limitará a renovação do quadro político, pois será muito difícil para novos candidatos disputarem uma boa colocação, ainda que sejam lideranças populares. O poder de definição dos nomes da lista está nas mãos de grupos políticos dentro do partido. Nesse sentido, além de fortalecer esses grupos, a medida em nada garante a criação de partidos efetivos, com preocupações programáticas ou compromissos organizacionais.

É certo que apenas dar aos eleitores mais poder de escolha entre as indicações intrapartidárias não torna os partidos mais reativos às demandas populares. Pelo contrário, dados empíricos indicam que a medida estimula o personalismo entre os candidatos (Mainwaring, p. 57, nota 17). Nosso argumento, entretanto, é que apenas a adoção de listas fechadas pode não vir a fortalecer o partido de forma institucional, mas apenas sustentar sua elite política.

Mainwaring também relembra o mecanismo do “voto vinculado” (votação em um só partido) que, mesmo criticado por vários ângulos, poderia fortalecer a identificação partidária. A questão não é abordada na proposta de reforma política atual. Considerada como antidemocrática, por remeter à sua instituição durante o regime militar, o voto vinculado acabou sendo excluído do debate presente.

Individualismo exacerbado da legislação brasileira

Mainwaring (1991) aponta ainda outros incentivos ao individualismo no sistema eleitoral brasileiro.

A primeira questão é a figura do candidato nato: os deputados estaduais e os federais e os vereadores têm automaticamente o direito de figurar na cédula para o mesmo cargo nas eleições seguintes, independentemente de sua performance – como violar questões programáticas do partido e votar contra a liderança – ou mesmo se mudou de partido. O Projeto de Lei 2.679/03 contempla a questão, ao revogar § 1º Art. 8º que prevê a candidatura nata:

§ 1º Aos detentores de mandato de Deputado Federal, Estadual ou Distrital, ou de Vereador, e aos que tenham exercido esses cargos em qualquer período da legislatura que estiver em curso, é assegurado o registro de candidatura para o mesmo cargo pelo partido a que estejam filiados.

Outro fator que estimula do individualismo de candidatos é elevado número de candidatos a cargos proporcionais (cada partido pode inscrever até 150% o número de cadeiras), o que gera despolitização entre o eleitorado e, o que é pior, reduz o controle partidário sobre os eleitos e aumenta a importância dos esforços individuais nas campanhas. Essa questão, entretanto, não está contemplada nos projetos de reforma política em tramitação, sendo mantida a possibilidade de os partidos e federações apresentarem até 150% do número de lugares a preencher.

Além disso, Mainwaring aponta a falta de medidas na legislação atual que proíbam os representantes eleitos de mudar de partido. Essa questão, entretanto, está contemplada mais especificamente no Projeto de lei 1712/03, que muda a disposição sobre prazos de filiação regulamentados pela Lei nº 9.504. Conforme justificação do projeto em pauta:

As intensas mudanças de filiação partidária passaram a ocorrer em larga escala no Brasil a partir da aprovação da Emenda Constitucional nº 25, de maio de 1985, que, entre outras coisas, aboliu o instituto da fidelidade partidária, considerado “entulho autoritário”. A partir de então, têm sido freqüentes as migrações entre partidos, não só com a criação de novas agremiações, mas também, sobretudo, com um trânsito incessante entre as legendas já constituídas, o qual tem atingido, nas últimas legislaturas, a elevada taxa de 30% dos deputados, alguns trocando de legenda mais de uma vez durante a mesma legislatura. (...) As migrações afetam os sistema político brasileiro, ao enfraquecerem o vínculo entre o eleitorado e as instituições representativas. (...) Daí a razão do presente Projeto de lei, que reformula a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições), no sentido de aumentar o prazo de filiação partidária exigido dos candidatos aos cargos eletivos que se hajam desfiliado de uma agremiação e ingressado em outra.

O Projeto, entretanto, não cria nenhuma outra punição aos políticos que migram de partidos. Como lembra Mainwaring, “em muitos sistemas de representação proporcional, os representantes devem seu mandato ao partido e espera-se ou obriga-se a que eles renunciem se quiserem mudar de partido” (MAINWARING, 1991, p. 40). Dada a dificuldade de aprovação de medidas como essa dentro do próprio Congresso, em função dos interesses dos próprios políticos, essa questão sequer está na pauta da reforma política em tramitação.

Outra questão fundamental do “frouxo relacionamento entre políticos e partidos no Brasil”, conforme descreve Mainwaring (1991, p. 41), é a ausência de mecanismos que vinculem os políticos a compromissos programáticos e organizacionais mínimos. O artigo 152 da Constituição de 1969, que instituiu a lei de Disciplina Partidária, obrigava os representantes a seguir a liderança partidária em votações-chave. Com a sua eliminação, em nome da liberdade de o político votar de acordo com sua consciência, perdeu-se um mecanismo fundamental para coesão e disciplina partidária. O autor reconhece que é verdade que “a disciplina partidária pode reforçar a dominação de uma oligarquia”, mas contrapõe com o argumento de que partidos coesos são legítimos representantes das massas. Na Inglaterra e na Irlanda, os políticos que votam contra sua liderança devem renunciar ao mandato (cf. Mainwaring, 1991, p. 41). Nem a atual legislação nem mesmo as propostas em estudo contemplam qualquer reprimenda ao político que migrar de partido.

As normas de funcionamento do Congresso são outro estímulo à formação de novos partidos, uma vez que um partido, com apenas um representante, consegue os mesmos privilégios que os grandes partidos têm direito. Assim, é comum políticos eleitos por um partido formarem outro, sendo-lhe assegurado benefícios (desde espaço para liderança partidária até equipe e infra-estrutura, bem como horário eleitoral gratuito na televisão e no rádio) que lhe permitem estar “mais próximos” de seus eleitores, numa relação clientelística e perniciosa à democracia.

Riscos de uma partitocracia?

A eleição de candidatos dentro de uma lista fechada se constitui, assim, estímulo poderoso ao fortalecimento dos partidos. Mas, resgatando a concepção de partitocracia, não estaríamos conduzindo o país a um sistema político em que estariam favorecidas as oligarquias? Um dos indicativos é a adoção do sistema público de financiamento dos partidos, conforme previsto nos artigos 39 e 45 do Projeto de Lei nº 2.679/03.

Para Gianfranco Pasquino (apud Bobbio, 2000), os remédios para a partitocracia estão na própria sociedade civil, com o fortalecimento das instituições, e por meio da adoção de regras claras quanto à ocupação de cargos (envolvendo aspectos como incompatibilidade, renovação e rotatividade), de modo a impedir os abusos tão freqüentes de carreiristas políticos. Nesse sentido, os Projetos de Lei que constituem a reforma política não arbitram sobre a questão, já que o tema não faz parte de seu objeto.

De qualquer maneira, faz-se necessária a adoção de mecanismos que, pelo menos, restrinjam a troca de cargos, ou seja, que impeçam ocupantes de mandatos do Executivo e do Legislativo a disputar eleições para outros cargos antes de terminarem o mandato para o qual foram eleitos. Cabe também impedir que ocupantes de mandato parlamentar assumam cargos no Executivo durante seu mandato.

Outra questão não contemplada na proposta de reforma eleitoral é a restrição no número de reeleições no Legislativo, favorecendo o >carreirismo político (10).

Participação da sociedade

Convém destacar que as objeções aqui apontadas não destituem a importância da instituição partidária para a democracia moderna. Pelo contrário, somente por meio do fortalecimento dos partidos é que poderemos consolidar a democracia. Não há democracias fortes sem partidos fortes e capazes de expressar, no ideário e na ação política, as opiniões e aspirações dos diferentes setores da sociedade. Precisam ter, portanto, identidades claras e coerentes.

O que se teme é que, em nome do fortalecimento dos partidos, possamos dar um passo atrás, ao adotarmos medidas paliativas que trazem outros riscos e sem prever novos meios de acesso à participação popular no jogo político.

Segundo Lucia Avelar, a questão da participação política é fundamental para a consolidação da democracia:

O ideal democrático supõe o envolvimento dos cidadãos em diferentes atividades da vida política. Tais atividades, reunidas sob a expressão “participação política”, vão desde as mais simples, como as conversas com amigos e familiares sobre os acontecimentos políticos locais, nacionais e internacionais, até as mais complexas, como fazer parte de governos, mobilizar pessoas para protestar contra autoridades políticas, associar-se em grupos e movi9mentos para reivindicar direitos, envolver-se nas atividades da política eleitoral, votar, candidatar-se, pressionar autoridades para mudanças nas regras constitucionais, para favorecer grupos de interesses os mais diversos, e uma plêiade de atividades que circundam o universo da vida política. Ligada à idéia de soberania popular, a participação política é instrumento de legitimação e fortalecimento das instituições democráticas e de ampliação dos direitos de cidadania. (AVELAR, 2007, p. 261)

Com exceção do estabelecimento de cota por sexo (mínimo de 30% e máximo de 70%) (11), não há, em nenhum dos dois Projetos de Lei propostos, qualquer mecanismo que amplie a possibilidade de participação política do cidadão, a quem sobra apenas o ato de votar.

Dentre esses mecanismos de participação, poderiam estar contempladas questões apontadas nas propostas da Ordem dos Advogados do Brasil e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, tais como as destacadas por Soraia Costa (12):

Plebiscito e referendo: aprovação dos projetos de lei
4.718/04 da Câmara ou 01/06 do Senado, que facilitam a realização de plebiscitos e referendos, que poderiam ser convocados por 1% do eleitorado, sem a necessidade de que a iniciativa parta do Congresso.
Iniciativa popular: permite que projetos de lei de
iniciativa popular possam ser apresentados por 0,5% do eleitorado nacional ou por confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Recall: prevê a revogação popular de mandatos eletivos.
Reforma do processo orçamentário: estabelece
mecanismos de participação e de controle social e amplo acesso às informações em todo o ciclo orçamentário.

Nesse sentido, os dois projetos que constituem a proposta de reforma política favorecem a fortalecimento dos partidos políticos, mas não ampliam os canais de participação popular.

Considerações finais

Esta breve análise do impacto que a adoção de listas preordenadas de candidatos dentro do partido, bem como de outras alterações significativas, aponta fundamentalmente para a questão de o apregoado fortalecimento dos partidos vir a conduzir ou a acentuar as características partitocráticas já existentes no Brasil, ao invés de fortalecer seu caráter institucional e programático em nível estrutural (plataformas que reflitam as clivagens sociais) e não apenas conjuntural (oferecimento de benefícios pontuais e pragmáticos).

Ainda que os projetos tragam avanços em termos do estabelecimento de regras - como a adoção do sistema de federação partidária, a mudança na cláusula de barreira, o aumento de exigência de fidelidade partidária, a exclusão da candidatura nata e a política de cotas por sexo -, ainda permanecem distorções.

Nesse sentido, destacam-se as aberrações como a “desproporcionalidade” do voto proporcional, o elevado número de candidatos que o partido pode inscrever para concorrer ao pleito; a falta de mecanismos que restrinjam a troca de cargos e o número de reeleições possíveis para cargos proporcionais; a ausência de limites para o abuso de poder das lideranças/oligarquias; a inexistência de medidas punitivas para parlamentares indisciplinados; e a absoluta falta de dispositivos que impeçam a formação de novos partidos ao sabor de interesses pessoais do político. O financiamento público direto aos partidos é outra questão que merece cuidado, por permitir o predomínio das elites partidárias e o risco de “caciquismo”, em que as oligarquias determinam a distribuição dos recursos públicos aos candidatos.

Faltam, sobretudo, dispositivos que permitam ao eleitor identificar as concepções de cada partido, suas ideologias e matrizes do pensamento político, suas respectivas chaves axiológicas e seus interesses hegemônicos. Faltam, ainda, mecanismos que permitam uma maior participação popular na vida política do país.

Corre-se, assim, o risco de transformar os partidos em marcas poderosas que disputam o mercado eleitoral, mas sem questionar as regras do jogo deste mercado.

Acreditamos que o modelo de reforma política proposto pela
Comissão Especial de Reforma Política pode, portanto, favorecer o partitocracia, sem contemplar de forma devida uma maior participação popular na definição da vida política nacional. A questão é complexa e seu exame não se encerra aqui, pelo próprio escopo deste trabalho. Merece, portanto, ser mais bem debatida pela própria sociedade.

 

Referências bibliográficas

AVELAR, Lúcia. “Participação política”. In: AVELAR, Lúcia &
CINTRA, Antônio Octávio. Sistema político brasileiro: uma
introdução. [2. ed.]. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-
Stiftung; São Paulo: Editora Unesp, 2007.

BOBBIO, Norberto & MATTEUCCI, Nicola & PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de política. Tradução: Carmen C.
Varieli [et al.}; 5ª edição. Brasília: Editora da Universidade
de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000.

CARREIRÃO, Yan de Souza e KINZO, Maria D’Alva. “Paritdos
políticos, preferência partidária e decisão eleitoral no Brasil
(1989/2002). Dados, vol. 47, nº 1, 2004. Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0011-52582004000100004&script=sci_arttext
[acesso em 01/06/2007].

COSTA, Soraia. “Reforma para todos os gostos”. Congresso
em foco. Disponível em
http://congressoemfoco.ig.com.br/noticiaPrint.aspx?id=14762 [acesso em 03/05/2007]

MAINWARING, Scott. “Políticos, partidos e sistemas
eleitorais”. Novos Estudos. Cebrap, nº 29, março de 1991, p,
34-58.

 

Informações técnicas e institucionais
CÂMARA DOS DEPUTADOS: Disponível em
www.camara.gov.br [acesso em maio e junho de 2007]

Projeto de Lei nº 2.679/03, da Comissão Especial da
Reforma Política, disponível no site da Câmara dos
Deputados, em:
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/187326.htm [acesso em 03/05/2007].

Projeto de Lei nº 1.712/03, da Comissão Especial da
Reforma Política, disponível no site da Câmara dos
Deputados, em:
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/154993.htm [acesso em 03/05/2007].

Quadro analítico comparativo do Projeto de Reforma Política
aprovado pela CCJC e a legislação em vigor. Disponível em
http://www.camara.gov.br/ronaldocaiado/NG_RefPolit_CL.htm [acesso em 03/05/2007].

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - Disponível em:
www.tse.gov.br [acessos em 2002 e maio-junho de 2007].

Notas


(01) Projeto de Lei nº 2.679/03, da Comissão Especial da Reforma Política, disponível no site da Câmara dos Deputados, em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/187326.htm.

(02) Projeto de Lei nº 1.712/03, da Comissão Especial da Reforma Política, disponível no site da Câmara dos Deputados, em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/154993.htm.

(03) A federação partidária substituiria a coligação partidária nas eleições proporcionais. Por esse sistema, os partidos com maior afinidade ideológica e programática se unem para atuar de maneira uniforme em todo o país. No caso das eleições majoritárias, continuam valendo as coligações. As federações funcionarão, portanto, como se fossem um só partido, inclusive para efeito da cláusula de barreira. Os partidos federados deverão permanecer associados por 3 anos, no mínimo, sob pena de perder o funcionamento parlamentar. Na atual legislação, as coligações se formam apenas durante o período eleitoral. Nesse sentido, a adoção do instituto da federação dá mais consistência às associações partidárias ou, pelo menos, não ficam restritas apenas a associações com meros fins eleitorais.

(04) Prevista na Lei dos Partidos Políticos (9.096, de 19 de setembro de 1995), a cláusula de barreira determina que tem direito a funcionamento parlamentar o partido que tenha obtido no mínimo 5% dos votos apurados, distribuídos em pelo menos um terço dos estados, com um mínimo de 2% do total de cada um deles. A proposta da CERP é reduzir o percentual para 2% dos votos apurados nacionalmente, excetuando-se os brancos e nulos, distribuídos em pelo menos nove estados. O partido também precisa eleger, no mínimo, um representante em cinco estados. Assim, são atenuadas as exigências para os partidos pequenos, históricos e ideológicos, terem direito ao funcionamento parlamentar, mas mantém-se a cláusula de barreira para coibir legendas de aluguel.

(05) O Projeto 1702/03 aumenta o prazo para filiação partidária, passando de um para dois anos no caso de o candidato já ter sido filiado a outro partido. Já o Projeto de Resolução 239/05 estabelece normas para coibir abusos nas trocas de partidos, mudando o critério para definir o número de vagas de cada partido ou bloco na Mesa Diretora da Câmara e nas comissões. Assim, as trocas de partidos que acontecerem depois da diplomação não contarão mais na hora de dividir as vagas. Como este projeto é de resolução, só atinge os deputados federais.

(06) O projeto prevê o financiamento de campanhas exclusivamente com dinheiro público, estando proibidas as doações de pessoas físicas e jurídicas. A proposta prevê que, em ano eleitoral, serão incluídos na Lei Orçamentária créditos adicionais para financiar campanhas eleitorais com valores equivalentes ao número de eleitores do País (R$ 7 por eleitor existente em 31 de dezembro do ano anterior). O TSE faz a distribuição dos recursos aos partidos, da seguinte maneira: 1% entre todos partidos; 14% entre partidos e federações com representação na Câmara dos Deputados; 85% entre partidos e federações, proporcionalmente ao número de representantes que elegeram na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. Os partidos podem receber doações para formação de seus fundos, mas não poderão utilizar esses recursos em campanhas.

(07) Bobbio compara as concepções de democracia para os liberais e socialistas e conclui que, enquanto para o liberalismo o sufrágio universal é o ponto de chegada do desenvolvimento histórico do processo democrático, na visão marxista-engelsiana, este é apenas o ponto de partida. As críticas que uma visão faz da outra são conseqüências dos pressupostos ideológicos de ambos. No final do século XIX, surge outra crítica que se pretende de cunho científico, com Ludwig Gumplowicz, Gaetamo Mosca e Vilfredo Pareto, para quem “a soberania popular é um ideal-limite e jamais correspondeu ou poderá corresponder a uma realidade de fato, porque em qualquer regime político, qualquer que seja a “fórmula política” sob a qual os governantes e seus ideólogos o representem, é sempre uma minoria de pessoas, que Mosca chama de “classe política”, aquela que detém o poder efetivo” (Bobbio, 2000: 325). Esta moderna teoria das elites, conforme define o autor, recupera o que de realístico contém a doutrina tradicional da democracia. “Segundo Shumpeter, existe democracia onde há vários grupos em concorrência pela conquista do poder através de uma luta que tem por objeto o voto popular” (ibidem: 326). Considerando as três diferentes visões modernas do termo democracia, o autor conclui que existem dois conceitos de democracia: a “formal” e a “substancial”. Assim elas se caracterizam: “Chama-se formal à primeira porque é caracterizada pelos chamados “comportamentos universais” (universali procedurali), mediante o emprego dos quais podem ser tomadas decisões de conteúdo diverso (como mostra a co-presença de regimes liberais e democráticos ao lado de regimes socialistas e democráticos). Chama-se substancial à segunda porque faz referência prevalentemente a certos conteúdos inspirados em ideais característicos da tradição do pensamento democrático, com relevo para o igualitarismo. Segundo uma velha fórmula que considera a Democracia como Governo do povo para o povo, a democracia formal é mais um governo do povo; a substancial, um governo para o povo” (ibidem: 328). Bobbio alerta que a democracia formal pode favorecer uma minoria restrita de detentores do poder econômico e, portanto, não é um governo para o povo, embora seja do povo. Já uma ditadura política pode favorecer em períodos de transformação revolucionária a classe mais numerosa dos cidadãos, sendo um governo para o povo: “A primeira indica um certo número de meios que são precisamente as regras de comportamento acima descritas independente da consideração dos fins. A segunda indica um certo conjunto de fins, entre os quais sobressai o fim da igualdade jurídica, social e econômica, independentemente dos meios adotados para os alcançar“ (ibidem: 329). O autor considera legítimos ambos conceitos. A legitimidade vai depender do significado de democracia escolhido pelo defensor: não será democrático segundo o significado escolhido pelo adversário. O único ponto em que ambos deveriam convir é que a democracia perfeita – até agora não realizada – é a simultaneamente formal e substancial. Podemos depreender disso que o Brasil se enquadra na concepção de democracia no sentido liberal: trata-se de uma forma que garante o governo do povo, mas não necessariamente para o povo, ainda que os candidatos o afirmem no nível do discurso, o que não é sequer questionado pelos cidadãos. A tão apregoada democracia acaba por se encerrar apenas no voto - exercício maior e único símbolo da participação popular nas decisões acerca da vida social.

(08) O sistema proporcional viabilizou, por exemplo, a eleição de Lígia Ribeiro à Câmara Municipal de Carapebus, município fluminense, em 1996. Ela recebeu apenas 3 votos pelo PMDB, que teve direito, pelo quociente eleitoral a 9 cadeiras. O partido só tinha 7 candidatos. Candidatos do PPB e do PRONA, que receberam 209 e 199 votos respectivamente, não conseguiram se eleger, pois seus partidos não atingiram o quociente eleitoral. Em 2002, mais uma vez desequilíbrio prevaleceu. O PRONA conseguiu eleger, como deputado federal, nomes inexpressivos como Vanderley Assis (275 votos), Ilden Araujo (382 votos), Elimar (484 votos) e outros, beneficiados pela elevada votação do candidato Enéas, que com mais de 1,5 milhão de votos, elevou o quociente partidário. Políticos tradicionais que receberam mais de 100 mil votos acabaram não se elegendo, como Jorge Tadeu, com 127.977 votos, Paulo Kobayashi (109.442 votos), Walter Barelli (105.995 votos), Silvio Torres (101.509 votos), entre outros. Dados disponíveis no site do TSE.

(09) Dados disponíveis no site do TSE.

(10) O deputado federal Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) está em seu décimo mandato consecutivo.

(11) Sobre a adoção de cotas por gênero como mecanismo para ampliar a participação de mulheres na política, cabe resgatar o debate conflitante das posições pró e contra, indicadas por Avelar (2007, p. 274): “De um lado, os defensores de uma ‘política da diferença’, tal como proposto pela corrente teórica do multiculturalismo; de outro, os adeptos do paradigma redistributivo, fundado nos paradigmas do liberalismo igualitário. Para os primeiros, uma política de reconhecimento como a política de cotas, é normativamente desejável, de modo a redimir a discriminação e a negação de acesso aos direitos. (...) Para os adeptos do liberalismo igualitário as cotas não resolvem porque o essencial é democratizar as oportunidades, e são os arranjos institucionais que propiciam os meios de implantá-los, com a introdução de regras de competição política que diminuam a importância do dinheiro nas campanhas eleitorais, propiciando uma competição política menos oligarquizada”. Independentemente da posição adotada, a política de cotas por gênero é uma clara medida que visa a ampliação da participação feminina na vida política, o que por princípio já se constitui como um avanço democrático.

(12) COSTA, Soraia. “Reforma para todos os gostos”. Site Congresso em foco. (s/d)
Projeto de Lei nº 2.679/03, da Comissão Especial da Reforma Política, disponível no site da Câmara dos Deputados, em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/187326.htm.
Projeto de Lei nº 1.712/03, da Comissão Especial da Reforma Política, disponível no site da Câmara dos Deputados, em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/154993.htm
A federação partidária substituiria a coligação partidária nas eleições proporcionais. Por esse sistema, os partidos com maior afinidade ideológica e programática se unem para atuar de maneira uniforme em todo o país. No caso das eleições majoritárias, continuam valendo as coligações. As federações funcionarão, portanto, como se fossem um só partido, inclusive para efeito da cláusula de barreira. Os partidos federados deverão permanecer associados por 3 anos, no mínimo, sob pena de perder o funcionamento parlamentar. Na atual legislação, as coligações se formam apenas durante o período eleitoral. Nesse sentido, a adoção do instituto da federação dá mais consistência às associações partidárias ou, pelo menos, não ficam restritas apenas a associações com meros fins eleitorais.
Prevista na Lei dos Partidos Políticos (9.096, de 19 de setembro de 1995), a cláusula de barreira determina que tem direito a funcionamento parlamentar o partido que tenha obtido no mínimo 5% dos votos apurados, distribuídos em pelo menos um terço dos estados, com um mínimo de 2% do total de cada um deles. A proposta da CERP é reduzir o percentual para 2% dos votos apurados nacionalmente, excetuando-se os brancos e nulos, distribuídos em pelo menos nove estados. O partido também precisa eleger, no mínimo, um representante em cinco estados. Assim, são atenuadas as exigências para os partidos pequenos, históricos e ideológicos, terem direito ao funcionamento parlamentar, mas mantém-se a cláusula de barreira para coibir legendas de aluguel.
O Projeto 1702/03 aumenta o prazo para filiação partidária, passando de um para dois anos no caso de o candidato já ter sido filiado a outro partido. Já o Projeto de Resolução 239/05 estabelece normas para coibir abusos nas trocas de partidos, mudando o critério para definir o número de vagas de cada partido ou bloco na Mesa Diretora da Câmara e nas comissões. Assim, as trocas de partidos que acontecerem depois da diplomação não contarão mais na hora de dividir as vagas. Como este projeto é de resolução, só atinge os deputados federais.
O projeto prevê o financiamento de campanhas exclusivamente com dinheiro público, estando proibidas as doações de pessoas físicas e jurídicas. A proposta prevê que, em ano eleitoral, serão incluídos na Lei Orçamentária créditos adicionais para financiar campanhas eleitorais com valores equivalentes ao número de eleitores do País (R$ 7 por eleitor existente em 31 de dezembro do ano anterior). O TSE faz a distribuição dos recursos aos partidos, da seguinte maneira: 1% entre todos partidos; 14% entre partidos e federações com representação na Câmara dos Deputados; 85% entre partidos e federações, proporcionalmente ao número de representantes que elegeram na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. Os partidos podem receber doações para formação de seus fundos, mas não poderão utilizar esses recursos em campanhas.
Bobbio compara as concepções de democracia para os liberais e socialistas e conclui que, enquanto para o liberalismo o sufrágio universal é o ponto de chegada do desenvolvimento histórico do processo democrático, na visão marxista-engelsiana, este é apenas o ponto de partida. As críticas que uma visão faz da outra são conseqüências dos pressupostos ideológicos de ambos. No final do século XIX, surge outra crítica que se pretende de cunho científico, com Ludwig Gumplowicz, Gaetamo Mosca e Vilfredo Pareto, para quem "a soberania popular é um ideal-limite e jamais correspondeu ou poderá corresponder a uma realidade de fato, porque em qualquer regime político, qualquer que seja a "fórmula política" sob a qual os governantes e seus ideólogos o representem, é sempre uma minoria de pessoas, que Mosca chama de "classe política", aquela que detém o poder efetivo" (Bobbio, 2000: 325). Esta moderna teoria das elites, conforme define o autor, recupera o que de realístico contém a doutrina tradicional da democracia. "Segundo Shumpeter, existe democracia onde há vários grupos em concorrência pela conquista do poder através de uma luta que tem por objeto o voto popular" (ibidem: 326). Considerando as três diferentes visões modernas do termo democracia, o autor conclui que existem dois conceitos de democracia: a "formal" e a "substancial". Assim elas se caracterizam: "Chama-se formal à primeira porque é caracterizada pelos chamados "comportamentos universais" (universali procedurali), mediante o emprego dos quais podem ser tomadas decisões de conteúdo diverso (como mostra a co-presença de regimes liberais e democráticos ao lado de regimes socialistas e democráticos). Chama-se substancial à segunda porque faz referência prevalentemente a certos conteúdos inspirados em ideais característicos da tradição do pensamento democrático, com relevo para o igualitarismo. Segundo uma velha fórmula que considera a Democracia como Governo do povo para o povo, a democracia formal é mais um governo do povo; a substancial, um governo para o povo" (ibidem: 328). Bobbio alerta que a democracia formal pode favorecer uma minoria restrita de detentores do poder econômico e, portanto, não é um governo para o povo, embora seja do povo. Já uma ditadura política pode favorecer em períodos de transformação revolucionária a classe mais numerosa dos cidadãos, sendo um governo para o povo: "A primeira indica um certo número de meios que são precisamente as regras de comportamento acima descritas independente da consideração dos fins. A segunda indica um certo conjunto de fins, entre os quais sobressai o fim da igualdade jurídica, social e econômica, independentemente dos meios adotados para os alcançar" (ibidem: 329). O autor considera legítimos ambos conceitos. A legitimidade vai depender do significado de democracia escolhido pelo defensor: não será democrático segundo o significado escolhido pelo adversário. O único ponto em que ambos deveriam convir é que a democracia perfeita – até agora não realizada – é a simultaneamente formal e substancial. Podemos depreender disso que o Brasil se enquadra na concepção de democracia no sentido liberal: trata-se de uma forma que garante o governo do povo, mas não necessariamente para o povo, ainda que os candidatos o afirmem no nível do discurso, o que não é sequer questionado pelos cidadãos. A tão apregoada democracia acaba por se encerrar apenas no voto - exercício maior e único símbolo da participação popular nas decisões acerca da vida social.
O sistema proporcional viabilizou, por exemplo, a eleição de Lígia Ribeiro à Câmara Municipal de Carapebus, município fluminense, em 1996. Ela recebeu apenas 3 votos pelo PMDB, que teve direito, pelo quociente eleitoral a 9 cadeiras. O partido só tinha 7 candidatos. Candidatos do PPB e do PRONA, que receberam 209 e 199 votos respectivamente, não conseguiram se eleger, pois seus partidos não atingiram o quociente eleitoral. Em 2002, mais uma vez desequilíbrio prevaleceu. O PRONA conseguiu eleger, como deputado federal, nomes inexpressivos como Vanderley Assis (275 votos), Ilden Araujo (382 votos), Elimar (484 votos) e outros, beneficiados pela elevada votação do candidato Enéas, que com mais de 1,5 milhão de votos, elevou o quociente partidário. Políticos tradicionais que receberam mais de 100 mil votos acabaram não se elegendo, como Jorge Tadeu, com 127.977 votos, Paulo Kobayashi (109.442 votos), Walter Barelli (105.995 votos), Silvio Torres (101.509 votos), entre outros. Dados disponíveis no site do TSE.
Dados disponíveis no site do TSE.
O deputado federal Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) está em seu décimo mandato consecutivo.
Sobre a adoção de cotas por gênero como mecanismo para ampliar a participação de mulheres na política, cabe resgatar o debate conflitante das posições pró e contra, indicadas por Avelar (2007, p. 274): "De um lado, os defensores de uma 'política da diferença', tal como proposto pela corrente teórica do multiculturalismo; de outro, os adeptos do paradigma redistributivo, fundado nos paradigmas do liberalismo igualitário. Para os primeiros, uma política de reconhecimento como a política de cotas, é normativamente desejável, de modo a redimir a discriminação e a negação de acesso aos direitos. (...) Para os adeptos do liberalismo igualitário as cotas não resolvem porque o essencial é democratizar as oportunidades, e são os arranjos institucionais que propiciam os meios de implantá-los, com a introdução de regras de competição política que diminuam a importância do dinheiro nas campanhas eleitorais, propiciando uma competição política menos oligarquizada". Independentemente da posição adotada, a política de cotas por gênero é uma clara medida que visa a ampliação da participação feminina na vida política, o que por princípio já se constitui como um avanço democrático.
COSTA, Soraia. "Reforma para todos os gostos". Site Congresso em foco. (s/d)
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