A reforma política e seu impacto no fortalecimento dos partidos políticos: avanço ou retrocesso?
Katia Saisi
O fortalecimento dos partidos parece ser a tônica da reforma política
contida nos Projetos de Lei 2679/03 (1) e 1712/03 (2) , aprovados pela Comissão Especial de Reforma Política e que
tramitam, no momento (maio/2007), de modo disperso no Congresso Nacional.
Pelo menos, são essas as principais justificativas apresentadas pela
Comissão e subscritas pelo seu presidente, Alexandre Cardoso, e relator,
Ronaldo Caiado:
O presente projeto de lei visa a sanar alguns problemas cruciais, de
longa data apontados no sistema eleitoral brasileiro, os quais afetam não
apenas o comportamento dos candidatos durante as campanhas, mas também
os próprios partidos políticos. Esses problemas têm,
igualmente, profundos reflexos no funcionamento das Casas Legislativas,
dos órgãos governamentais nos três níveis de
governo e, até mesmo, no relacionamento entre os Poderes.
Entre os problemas mencionados, que requerem soluções mais
urgentes, estão os seguintes:
a) a deturpação do sistema eleitoral causada pelas coligações
partidárias nas eleições proporcionais;
b) a extrema personalização do voto nas eleições
proporcionais, da qual resulta o enfraquecimento das agremiações
partidárias;
c) os crescentes custos das campanhas eleitorais, que tornam o seu financiamento
dependente do poder econômico;
d) a excessiva fragmentação do quadro partidário;
e) as intensas migrações entre as legendas, cujas bancadas
no Legislativo oscilam substancialmente ao longo das legislaturas.
Tais aspectos estão inter-relacionados e demandam, portanto, tratamento
conjunto, apesar de a disciplina legal das matérias pertinentes ocorrer
em diferentes diplomas.
Dentre as várias mudanças que os Projetos apresentam
sob a argumentação de fortalecer as agremiações
partidárias – como a adoção dosistema de federação
partidária (03),
a mudança na cláusula de barreira (04),
o aumento de exigência de fidelidade partidária (05) e o financiamento público de campanhas (06) – a que deverá ter maior impacto na questão do fortalecimento
dos partidos é adoção de lista preordenada
de candidatos por partido. Ou seja, o eleitor não mais votará
individualmente em um candidato aos cargos proporcionais (vereador, deputado
estadual e deputado federal), mas sim em uma lista ordenada pelo partido.
Este texto busca analisar especificamente os possíveis impactos que
tal medida terá no sistema eleitoral brasileiro à luz da literatura
disponível.
Nosso principal argumento é que a proposta contempla apenas o fortalecimento
da instituição partidária dentro do sistema político
brasileiro, acentuando suas características partitocráticas,
sem contemplar a participação popular na definição
dos rumos políticos do país, que deveria ser a base para a
consolidação de um regime democrático não meramente
formal, mas substancial (07).
Considerações sobre conceito de partido político
Antes de iniciarmos a análise propriamente dita dos projetos de reforma
política que visam, sobretudo, o fortalecimento dos partidos políticos
no Brasil, convém resgatar sua definição e breve histórico.
Para tanto, recorremos ao Dicionário de política de Norberto
Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino (2000), que procura conceituar
os termos da linguagem política, ainda que os autores alertem em
sua introdução que esta “é notoriamente ambígua”
(Bobbio, 2000, introdução).
O conceito clássico advém da definição de Max
Weber, para quem o partido político é:
Uma associação que visa a um fim deliberado, seja ele ‘objetivo’,
como a realização de um plano com intuitos materiais ou ideais,
seja ‘pessoal’ isto é, destinado a obter benefícios,
poder e, consequentemente, glória para os chefes e sequazes, ou então
voltado para todos esses objetivos conjuntamente. (BOBBIO et all, 2000,
p. 898).
Dessa maneira, o partido compreende formações diversas,
com grupos unidos por vínculos pessoais e particularistas às
organizações complexas que se movem na esfera do poder político
e que está ligado à participação dos diferentes
estratos sociais nas decisões política.
Historicamente, sua origem remonta à primeira metade do século
XIX, na Europa e Estados Unidos, com a ascensão da burguesia, com
o partido dos notáveis, por sua estrutura individualista (o mandato
dos parlamentares era absolutamente livre tanto em relação
ao partido como aos eleitores). Nos decênios seguintes, com o desenvolvimento
do movimento operário, foram criados os primeiros partidos dos trabalhadores,
com as seguintes características inovadoras:
Um séqüito de massa, uma organização difusa,
e estável com um corpo de funcionários pagos especialmente
para desenvolver uma atividade política e um programa político
sistemático. (Idem, p. 900).
A esse modelo - que se aplica, sobretudo, aos partidos social-democrático
alemão e aos partidos socialistas francês e italiano e, posteriormente,
aos partidos comunistas - se denomina “partido de aparelho”
ou “partido de organização de massa”. Ou seja,
o partido é uma organização que busca a emancipação
das classes subalternas, por meio da educação política,
para torná-las ativas politicamente e conscientes de seu próprio
papel na sociedade. A eleição em si encerrava apenas uma etapa
e não o fim do partido, cuja meta era a conquista de espaços
de influência cada vez mais amplos dentro da sociedade civil.
Mas com a introdução e expansão do sufrágio
universal, os notáveis viram-se ameaçados e iniciaram o movimento
de abertura de seus partidos à participação das massas,
com a criação de aparelhos estáveis para uma eficaz
propaganda e coligações com a sociedade civil capaz de lhe
dar sustentação. São os chamados “partidos eleitorais
de massa” (Idem, p. 901):
Diferentemente dos partidos dos trabalhadores, esses partidos tiveram
e têm como característica distintiva a mobilização
dos eleitores mais do que a dos associados. (...) Os partidos eleitorais
de massa não são dirigidos de um modo geral a uma classe ou
a uma categoria particular, não se propõem a uma gestão
diferente da sociedade e do poder, mas procuram conquistar a confiança
dos estratos mais diversos da população, propondo em plataformas
amplas e flexíveis, além de suficientemente vagas, a satisfação
do maior número de pedidos e a solução dos mais diversos
problemas sociais. (Idem, p. 901-902)
São assim também conhecidos como “partidos pega-tudo”,
ou seja, com objetivos essencialmente eleitorais, adequando suas plataformas
às demandas pontuais dos eleitores.
Ao longo do século XX vê-se que os partidos de organização
de massas foram perdendo algumas de suas características fundamentais
(como a participação das bases e seu caráter educativo
das massas) e adotando orientação meramente eleitoral, todos
se tornando partidos “pega-tudo”.
Anna Oppo, que assina o verbete no Dicionário de política
(opus cit.), afirma que a existência atualmente tanto um tipo quanto
de outro está vinculada à qualidade e à intensidade
da participação política:
Onde existir um consenso generalizado sobre certos temas e problemas
de base e a participação popular se manifestar através
de exigências setoriais e específicas, é provável
que prevaleçam estruturas partidárias com tendência
“pega-tudo”; quando, ao contrário, por qualquer motivo
de ordem interna ou internacional, surgirem crises capazes de criar fortes
conflitos políticos ou de colocar em discussão as relações
sociais existentes, a tendência para “construir máquinas
políticas” profundamente homogêneas e organizadas deverá
ser mais clara (Idem, p. 903).
As duas principais funções dos partidos políticos são,
portanto, a de configurar-se como instrumento para expressão das
reivindicações e necessidades dos grupos sociais, bem como
a de viabilizar a participação das massas nas decisões
políticas. Mas, na sociedade moderna, a participação
política difundida precisa de estruturas organizacionais complexas,
o que leva justamente ao surgimento de tendências oligárquicas.
Ou seja:
O progressivo desenvolvimento da organização, a crescente
complexidade dos fins a atingir com a conseqüente divisão de
trabalho e a necessidade de conhecimentos especializados que este fato comporta,
conduzem à profissionalização e estabilização
da liderança do partido, à sua objetiva superioridade em relação
aos outros membros da organização e portanto à sua
inamovibilidade e ao exercício de um poder de tipo oligárquico.
Nesta situação, portanto, a delegação e o controle
sobre ela seriam fictícios e a transmissão do questionamento
político seria manipulável e manipulado conforme os interesses
de poder da oligarquia do partido. (Idem, p. 904)
A consolidação de partidos de massa levou ao fenômeno
designado por “partitocracia”, que significa mais do que Governo
dos partidos. Trata-se de uma crítica aos partidos como corpos intermediários
que distorcem a vontade dos cidadãos e monopolizam não apenas
o poder político como também a própria vida política.
Na origem, o termo foi usado por liberais saudosistas da representação
individual dos interesses, da época dos notáveis. Mas a partir
dos anos 70, foi também adotado pela esquerda para repelir a institucionalização
burocrática que marca os partidos, transformando-os em instrumentos
de conservação e não de mudança da sociedade,
conforme explica Gianfranco Pasquino, que assina o verbete:
Os movimentos e autores radicais lançam suas críticas contra
os partidos totalizantes e didáticos e contra a sua pretensão
de monopolizar a demanda política, controlar a expressão das
novas necessidades e impedir todo o movimento potencialmente desestabilizador
dos equilíbrios políticos tradicionais (Idem, p. 906).
Dentre os instrumentos da partitocracia, Pasquino aponta como principais
o financiamento público dos partidos e a atribuição
de cargos na sociedade por critérios meramente políticos (loteamento).
No primeiro caso, os fundos que vão diretamente para os partidos
e são usados sem controle se prestam a fortalecer a burocracia e
a criar uma classe dependente da cúpula partidária, em detrimento
da difusão da política e da independência dos eleitos.
O outro instrumento é a distribuição de cargos a partir
da adesão ao partido, independentemente do critério de competência.
Não seria de todo inviável supor ser esta uma das possíveis
causas do sentimento generalizado antipartidário e da descrença
de o partido ser um legítimo representante da sociedade, que se traduzem
nos baixos índices de identificação partidária
verificados no Brasil: de acordo com Carreirão e Kinzo (2004), para
60% do eleitorado nacional os partidos não influenciam na decisão
do voto.
Esse resgate teórico sobre partidos e suas críticas são
pano de fundo para discussão sobre a reforma política em tramitação.
Como veremos, a proposta de reforma política atribui peso considerável
à importância do partido para a consolidação
da democracia. O que se questiona aqui é a possibilidade de esse
fortalecimento dos partidos (nos moldes propostos) vir a representar um
retrocesso em termos de legitimidade de representação e participação
política.
Relações entre sistema político e eleitoral
De acordo com Mainwaring (1991), a literatura sobre sistemas eleitorais
em democracias ocidentais modernas, ainda que apresente vários pontos
divergentes, possui várias convergências, como o fato de os
sistemas eleitorais terem peso e afetarem as estratégias dos eleitores
e dos políticos. O autor defende que:
Os partidos brasileiros são singularmente subdesenvolvidos para
um país que alcançou seu nível de modernização
e que teve uma experiência prolongada (1946-1964) de democracia liberal.
Meu argumento básico neste texto é que o sistema eleitoral
brasileiro contribuiu para minar os esforços de construção
de partidos políticos mais efeitos.(...) Essa legislação
eleitoral reforça o comportamento individualista dos políticos
e impede a construção partidária. Os graus extremamente
baixos de fidelidade e disciplina partidária encontrados nos principais
partidos (à exceção dos vários partidos de esquerda)
são tolerados e estimulados por essa legislação. (MAINWARING,
1991, p. 34-35).
Dentre as distorções apresentadas pelo autor, destaca-se o
sistema proporcional para eleição de deputados federais, deputados
estaduais e vereadores. O primeiro passo na eleição proporcional
é definir os votos válidos do estado, subtraindo-se os brancos
e nulos do total. O número de votos válidos é dividido
então pelo número de vagas em disputa, e o resultado é
o quociente eleitoral. Em seguida, os votos de cada partido são divididos
pelo quociente eleitoral, e o resultado é o quociente partidário.
Desprezadas as frações, esse resultado é igual ao número
de cadeiras que cada partido vai ter. Supondo que uma legenda tenha direito
a cinco cadeiras, são considerados eleitos seus cinco candidatos
mais votados (08).
Só entram na distribuição dos lugares os partidos e
as coligações que alcançarem quociente partidário
igual ou maior que um: caso contrário, mesmo tendo um candidato com
grande votação isolada, o partido não elege deputados.
Os deputados federais são eleitos em número proporcional à
população de cada estado. A Constituição limita
esta proporcionalidade ao determinar que cada estado pode ter o máximo
de 70 e o mínimo de oito representantes.
Isso causa distorções na representação, já
que o peso dos votos dos estados com menor população é
maior do que o dos estados com mais habitantes. Para que isso não
ocorresse, São Paulo, por exemplo, com 22% da população
total, precisaria ter 22% dos 513 deputados, ou 113 parlamentares, no lugar
dos 70 que tem atualmente. Roraima, por sua vez, com 0,16% do total, teria
apenas um deputado e não os oito atuais. Nas eleições
de 2002, o estado de São Paulo precisava de mais de 280 mil votos
válidos para eleger um deputado federal, enquanto em Roraima foram
necessários apenas 21 mil. Ou ainda: todos os votos válidos
do Amapá (213 mil votantes), que tem oito representantes na Câmara,
seriam insuficientes para eleger um único parlamentar em Minas Gerais,
Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo. Não
há, de fato, uma representação efetiva da população
de cada estado no Congresso (09).
Para Mainwaring, “o sistema de representação proporcional
no Brasil é provavelmente o mais desproporcional do mundo”
(Idem, p. 36).
Ainda que a matéria seja fundamental para efeito de representatividade
da população, a questão da proporcionalidade não
está contemplada pela reforma política, uma vez que se trata
de matéria constitucional. Assim, a proposta em tramitação
não resolve um dos mais disparatados problemas do sistema político
nacional, que é a sub-representação dos estados mais
populosos e a super-representação dos menos populosos: o número
de eleitores por deputado no estado de São Paulo é mais de
vinte vezes maior que no estado menos populoso (Acre).
O peso do voto do eleitor: a lista aberta
Fora a questão da desproporcionalidade do sistema, o sistema eleitoral
brasileiro dá peso excepcional ao voto do eleitor.
Só no Brasil e na Finlândia é encontrado o sistema de
lista aberta para a escolha de candidatos proporcionais. Ou seja, por este
sistema, “ainda que o número de representantes seja determinado
pelos votos partidários, a eleição ou não de
um candidato depende de sua capacidade de obter votos individuais”
(MAINWARING, 1991, p. 39). Essa medida estimula fortemente o individualismo
nas campanhas, especialmente porque a eleição depende do prestígio
e poder de cada candidato, podendo um candidato não se eleger mesmo
que some mais votos que um candidato de outro partido, como visto na nota
nº 7 deste texto (p. 8).
Mainwaring defende que o sistema de lista aberta é o principal responsável
pela personificação das campanhas, bem como pela falta de
coesão e disciplina partidária. Entretanto, a adoção
de uma lista preordenada de candidatos, como propõe a reforma política,
não eliminará essas distorções, podendo inclusive
vir a acentuá-las, uma vez que a elite do partido terá total
poder de escolher os nomes que encabeçarão a lista. Ou seja,
o sistema acentuará o poder de determinados grupos de políticos.
Assim, a mera adoção de um sistema de representação
proporcional por meio de lista partidária fechada e estrita, como
o proposto, tira do eleitor o poder de veto aos políticos que não
tenham correspondido às suas expectativas durante o exercício
do mandato parlamentar. Ou seja, como a listas partidárias serão
preordenadas pelo número decrescente de votos obtidos pelos candidatos
nas convenções (conforme §3º do Artigo 8º),
muito provavelmente esta ordem se dará em função do
potencial de votos obtidos pelo candidato na eleição anterior
e que poderá não mais corresponder aos interesses do eleitor.
Como exercício hipotético das possíveis conseqüências
dessa medida, podemos tomar como exemplo o caso do deputado federal Clodovil
Hernandes, eleito em 2006, em sua primeira legislatura, pelo Partido Trabalhista
Cristão de São Paulo, com quase meio milhão de votos,
levando consigo para o Congresso Nacional o Cel. Paes de Lima, que obteve
6 mil votos. Clodovil certamente encabeçará a lista deste
ou de outro partido para o qual venha a migrar, independentemente de sua
performance parlamentar.
O acesso à lista também limitará a renovação
do quadro político, pois será muito difícil para novos
candidatos disputarem uma boa colocação, ainda que sejam lideranças
populares. O poder de definição dos nomes da lista está
nas mãos de grupos políticos dentro do partido. Nesse sentido,
além de fortalecer esses grupos, a medida em nada garante a criação
de partidos efetivos, com preocupações programáticas
ou compromissos organizacionais.
É certo que apenas dar aos eleitores mais poder de escolha entre
as indicações intrapartidárias não torna os
partidos mais reativos às demandas populares. Pelo contrário,
dados empíricos indicam que a medida estimula o personalismo entre
os candidatos (Mainwaring, p. 57, nota 17). Nosso argumento, entretanto,
é que apenas a adoção de listas fechadas pode não
vir a fortalecer o partido de forma institucional, mas apenas sustentar
sua elite política.
Mainwaring também relembra o mecanismo do “voto vinculado”
(votação em um só partido) que, mesmo criticado por
vários ângulos, poderia fortalecer a identificação
partidária. A questão não é abordada na proposta
de reforma política atual. Considerada como antidemocrática,
por remeter à sua instituição durante o regime militar,
o voto vinculado acabou sendo excluído do debate presente.
Individualismo exacerbado da legislação brasileira
Mainwaring (1991) aponta ainda outros incentivos ao individualismo no sistema
eleitoral brasileiro.
A primeira questão é a figura do candidato nato: os deputados
estaduais e os federais e os vereadores têm automaticamente o direito
de figurar na cédula para o mesmo cargo nas eleições
seguintes, independentemente de sua performance – como violar questões
programáticas do partido e votar contra a liderança –
ou mesmo se mudou de partido. O Projeto de Lei 2.679/03 contempla a questão,
ao revogar § 1º Art. 8º que prevê a candidatura nata:
§ 1º Aos detentores de mandato de Deputado Federal, Estadual
ou Distrital, ou de Vereador, e aos que tenham exercido esses cargos em
qualquer período da legislatura que estiver em curso, é assegurado
o registro de candidatura para o mesmo cargo pelo partido a que estejam
filiados.
Outro fator que estimula do individualismo de candidatos é elevado
número de candidatos a cargos proporcionais (cada partido pode inscrever
até 150% o número de cadeiras), o que gera despolitização
entre o eleitorado e, o que é pior, reduz o controle partidário
sobre os eleitos e aumenta a importância dos esforços individuais
nas campanhas. Essa questão, entretanto, não está contemplada
nos projetos de reforma política em tramitação, sendo
mantida a possibilidade de os partidos e federações apresentarem
até 150% do número de lugares a preencher.
Além disso, Mainwaring aponta a falta de medidas na legislação
atual que proíbam os representantes eleitos de mudar de partido.
Essa questão, entretanto, está contemplada mais especificamente
no Projeto de lei 1712/03, que muda a disposição sobre prazos
de filiação regulamentados pela Lei nº 9.504. Conforme
justificação do projeto em pauta:
As intensas mudanças de filiação partidária
passaram a ocorrer em larga escala no Brasil a partir da aprovação
da Emenda Constitucional nº 25, de maio de 1985, que, entre outras
coisas, aboliu o instituto da fidelidade partidária, considerado
“entulho autoritário”. A partir de então, têm
sido freqüentes as migrações entre partidos, não
só com a criação de novas agremiações,
mas também, sobretudo, com um trânsito incessante entre as
legendas já constituídas, o qual tem atingido, nas últimas
legislaturas, a elevada taxa de 30% dos deputados, alguns trocando de legenda
mais de uma vez durante a mesma legislatura. (...) As migrações
afetam os sistema político brasileiro, ao enfraquecerem o vínculo
entre o eleitorado e as instituições representativas. (...)
Daí a razão do presente Projeto de lei, que reformula a Lei
nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições),
no sentido de aumentar o prazo de filiação partidária
exigido dos candidatos aos cargos eletivos que se hajam desfiliado de uma
agremiação e ingressado em outra.
O Projeto, entretanto, não cria nenhuma outra punição
aos políticos que migram de partidos. Como lembra Mainwaring, “em
muitos sistemas de representação proporcional, os representantes
devem seu mandato ao partido e espera-se ou obriga-se a que eles renunciem
se quiserem mudar de partido” (MAINWARING, 1991, p. 40). Dada a dificuldade
de aprovação de medidas como essa dentro do próprio
Congresso, em função dos interesses dos próprios políticos,
essa questão sequer está na pauta da reforma política
em tramitação.
Outra questão fundamental do “frouxo relacionamento entre políticos
e partidos no Brasil”, conforme descreve Mainwaring (1991, p. 41),
é a ausência de mecanismos que vinculem os políticos
a compromissos programáticos e organizacionais mínimos. O
artigo 152 da Constituição de 1969, que instituiu a lei de
Disciplina Partidária, obrigava os representantes a seguir a liderança
partidária em votações-chave. Com a sua eliminação,
em nome da liberdade de o político votar de acordo com sua consciência,
perdeu-se um mecanismo fundamental para coesão e disciplina partidária.
O autor reconhece que é verdade que “a disciplina partidária
pode reforçar a dominação de uma oligarquia”,
mas contrapõe com o argumento de que partidos coesos são legítimos
representantes das massas. Na Inglaterra e na Irlanda, os políticos
que votam contra sua liderança devem renunciar ao mandato (cf. Mainwaring,
1991, p. 41). Nem a atual legislação nem mesmo as propostas
em estudo contemplam qualquer reprimenda ao político que migrar de
partido.
As normas de funcionamento do Congresso são outro estímulo
à formação de novos partidos, uma vez que um partido,
com apenas um representante, consegue os mesmos privilégios que os
grandes partidos têm direito. Assim, é comum políticos
eleitos por um partido formarem outro, sendo-lhe assegurado benefícios
(desde espaço para liderança partidária até
equipe e infra-estrutura, bem como horário eleitoral gratuito na
televisão e no rádio) que lhe permitem estar “mais próximos”
de seus eleitores, numa relação clientelística e perniciosa
à democracia.
Riscos de uma partitocracia?
A eleição de candidatos dentro de uma lista fechada se constitui,
assim, estímulo poderoso ao fortalecimento dos partidos. Mas, resgatando
a concepção de partitocracia, não estaríamos
conduzindo o país a um sistema político em que estariam favorecidas
as oligarquias? Um dos indicativos é a adoção do sistema
público de financiamento dos partidos, conforme previsto nos artigos
39 e 45 do Projeto de Lei nº 2.679/03.
Para Gianfranco Pasquino (apud Bobbio, 2000), os remédios para a
partitocracia estão na própria sociedade civil, com o fortalecimento
das instituições, e por meio da adoção de regras
claras quanto à ocupação de cargos (envolvendo aspectos
como incompatibilidade, renovação e rotatividade), de modo
a impedir os abusos tão freqüentes de carreiristas políticos.
Nesse sentido, os Projetos de Lei que constituem a reforma política
não arbitram sobre a questão, já que o tema não
faz parte de seu objeto.
De qualquer maneira, faz-se necessária a adoção de
mecanismos que, pelo menos, restrinjam a troca de cargos, ou seja, que impeçam
ocupantes de mandatos do Executivo e do Legislativo a disputar eleições
para outros cargos antes de terminarem o mandato para o qual foram eleitos.
Cabe também impedir que ocupantes de mandato parlamentar assumam
cargos no Executivo durante seu mandato.
Outra questão não contemplada na proposta de reforma eleitoral
é a restrição no número de reeleições
no Legislativo, favorecendo o >carreirismo político (10).
Participação da sociedade
Convém destacar que as objeções aqui apontadas não
destituem a importância da instituição partidária
para a democracia moderna. Pelo contrário, somente por meio do fortalecimento
dos partidos é que poderemos consolidar a democracia. Não
há democracias fortes sem partidos fortes e capazes de expressar,
no ideário e na ação política, as opiniões
e aspirações dos diferentes setores da sociedade. Precisam
ter, portanto, identidades claras e coerentes.
O que se teme é que, em nome do fortalecimento dos partidos, possamos
dar um passo atrás, ao adotarmos medidas paliativas que trazem outros
riscos e sem prever novos meios de acesso à participação
popular no jogo político.
Segundo Lucia Avelar, a questão da participação política
é fundamental para a consolidação da democracia:
O ideal democrático supõe o envolvimento dos cidadãos
em diferentes atividades da vida política. Tais atividades, reunidas
sob a expressão “participação política”,
vão desde as mais simples, como as conversas com amigos e familiares
sobre os acontecimentos políticos locais, nacionais e internacionais,
até as mais complexas, como fazer parte de governos, mobilizar pessoas
para protestar contra autoridades políticas, associar-se em grupos
e movi9mentos para reivindicar direitos, envolver-se nas atividades da política
eleitoral, votar, candidatar-se, pressionar autoridades para mudanças
nas regras constitucionais, para favorecer grupos de interesses os mais
diversos, e uma plêiade de atividades que circundam o universo da
vida política. Ligada à idéia de soberania popular,
a participação política é instrumento de legitimação
e fortalecimento das instituições democráticas e de
ampliação dos direitos de cidadania. (AVELAR, 2007, p. 261)
Com exceção do estabelecimento de cota por sexo (mínimo
de 30% e máximo de 70%) (11),
não há, em nenhum dos dois Projetos de Lei propostos, qualquer
mecanismo que amplie a possibilidade de participação política
do cidadão, a quem sobra apenas o ato de votar.
Dentre esses mecanismos de participação, poderiam estar contempladas
questões apontadas nas propostas da Ordem dos Advogados do Brasil
e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, tais como as
destacadas por Soraia Costa (12):
• Plebiscito e referendo: aprovação
dos projetos de lei
4.718/04 da Câmara ou 01/06 do Senado, que facilitam a realização
de plebiscitos e referendos, que poderiam ser convocados por 1% do eleitorado,
sem a necessidade de que a iniciativa parta do Congresso.
• Iniciativa popular: permite que projetos de lei
de
iniciativa popular possam ser apresentados por 0,5% do eleitorado nacional
ou por confederação sindical ou entidade de classe de âmbito
nacional.
• Recall: prevê a revogação popular
de mandatos eletivos.
• Reforma do processo orçamentário:
estabelece
mecanismos de participação e de controle social e amplo acesso
às informações em todo o ciclo orçamentário.
Nesse sentido, os dois projetos que constituem a proposta de reforma política
favorecem a fortalecimento dos partidos políticos, mas não
ampliam os canais de participação popular.
Considerações finais
Esta breve análise do impacto que a adoção de listas
preordenadas de candidatos dentro do partido, bem como de outras alterações
significativas, aponta fundamentalmente para a questão de o apregoado
fortalecimento dos partidos vir a conduzir ou a acentuar as características
partitocráticas já existentes no Brasil, ao invés de
fortalecer seu caráter institucional e programático em nível
estrutural (plataformas que reflitam as clivagens sociais) e não
apenas conjuntural (oferecimento de benefícios pontuais e pragmáticos).
Ainda que os projetos tragam avanços em termos do estabelecimento
de regras - como a adoção do sistema de federação
partidária, a mudança na cláusula de barreira, o aumento
de exigência de fidelidade partidária, a exclusão da
candidatura nata e a política de cotas por sexo -, ainda permanecem
distorções.
Nesse sentido, destacam-se as aberrações como a “desproporcionalidade”
do voto proporcional, o elevado número de candidatos que o partido
pode inscrever para concorrer ao pleito; a falta de mecanismos que restrinjam
a troca de cargos e o número de reeleições possíveis
para cargos proporcionais; a ausência de limites para o abuso de poder
das lideranças/oligarquias; a inexistência de medidas punitivas
para parlamentares indisciplinados; e a absoluta falta de dispositivos que
impeçam a formação de novos partidos ao sabor de interesses
pessoais do político. O financiamento público direto aos partidos
é outra questão que merece cuidado, por permitir o predomínio
das elites partidárias e o risco de “caciquismo”, em
que as oligarquias determinam a distribuição dos recursos
públicos aos candidatos.
Faltam, sobretudo, dispositivos que permitam ao eleitor identificar as concepções
de cada partido, suas ideologias e matrizes do pensamento político,
suas respectivas chaves axiológicas e seus interesses hegemônicos.
Faltam, ainda, mecanismos que permitam uma maior participação
popular na vida política do país.
Corre-se, assim, o risco de transformar os partidos em marcas poderosas
que disputam o mercado eleitoral, mas sem questionar as regras do jogo deste
mercado.
Acreditamos que o modelo de reforma política proposto pela
Comissão Especial de Reforma Política pode, portanto, favorecer
o partitocracia, sem contemplar de forma devida uma maior participação
popular na definição da vida política nacional. A questão
é complexa e seu exame não se encerra aqui, pelo próprio
escopo deste trabalho. Merece, portanto, ser mais bem debatida pela própria
sociedade.
Referências bibliográficas
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In: AVELAR, Lúcia &
CINTRA, Antônio Octávio. Sistema político brasileiro:
uma
introdução. [2. ed.]. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-
Stiftung; São Paulo: Editora Unesp, 2007.
BOBBIO, Norberto & MATTEUCCI, Nicola & PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de política. Tradução:
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Varieli [et al.}; 5ª edição. Brasília: Editora
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CARREIRÃO, Yan de Souza e KINZO, Maria D’Alva. “Paritdos
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http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0011-52582004000100004&script=sci_arttext
[acesso em 01/06/2007].
COSTA, Soraia. “Reforma para todos os gostos”. Congresso
em foco. Disponível em
http://congressoemfoco.ig.com.br/noticiaPrint.aspx?id=14762 [acesso em 03/05/2007]
MAINWARING, Scott. “Políticos, partidos e sistemas
eleitorais”. Novos Estudos. Cebrap, nº 29, março de 1991,
p,
34-58.
Informações técnicas e institucionais
CÂMARA DOS DEPUTADOS: Disponível em
www.camara.gov.br [acesso em maio e junho de 2007]
Projeto de Lei nº 2.679/03, da Comissão Especial da
Reforma Política, disponível no site da Câmara dos
Deputados, em:
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/187326.htm [acesso em 03/05/2007].
Projeto de Lei nº 1.712/03, da Comissão Especial da
Reforma Política, disponível no site da Câmara dos
Deputados, em:
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/154993.htm [acesso em 03/05/2007].
Quadro analítico comparativo do Projeto de Reforma Política
aprovado pela CCJC e a legislação em vigor. Disponível
em
http://www.camara.gov.br/ronaldocaiado/NG_RefPolit_CL.htm [acesso em 03/05/2007].
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - Disponível em:
www.tse.gov.br [acessos em 2002 e maio-junho de 2007].
Notas
(01) Projeto de Lei nº 2.679/03, da Comissão Especial da Reforma Política, disponível no site da Câmara dos Deputados, em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/187326.htm.
(02) Projeto de Lei nº 1.712/03, da Comissão Especial da Reforma Política, disponível no site da Câmara dos Deputados, em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/154993.htm.
(03) A federação partidária substituiria a coligação partidária nas eleições proporcionais. Por esse sistema, os partidos com maior afinidade ideológica e programática se unem para atuar de maneira uniforme em todo o país. No caso das eleições majoritárias, continuam valendo as coligações. As federações funcionarão, portanto, como se fossem um só partido, inclusive para efeito da cláusula de barreira. Os partidos federados deverão permanecer associados por 3 anos, no mínimo, sob pena de perder o funcionamento parlamentar. Na atual legislação, as coligações se formam apenas durante o período eleitoral. Nesse sentido, a adoção do instituto da federação dá mais consistência às associações partidárias ou, pelo menos, não ficam restritas apenas a associações com meros fins eleitorais.
(04) Prevista na Lei dos Partidos Políticos (9.096, de 19 de setembro de 1995), a cláusula de barreira determina que tem direito a funcionamento parlamentar o partido que tenha obtido no mínimo 5% dos votos apurados, distribuídos em pelo menos um terço dos estados, com um mínimo de 2% do total de cada um deles. A proposta da CERP é reduzir o percentual para 2% dos votos apurados nacionalmente, excetuando-se os brancos e nulos, distribuídos em pelo menos nove estados. O partido também precisa eleger, no mínimo, um representante em cinco estados. Assim, são atenuadas as exigências para os partidos pequenos, históricos e ideológicos, terem direito ao funcionamento parlamentar, mas mantém-se a cláusula de barreira para coibir legendas de aluguel.
(05) O Projeto 1702/03 aumenta o prazo para filiação partidária, passando de um para dois anos no caso de o candidato já ter sido filiado a outro partido. Já o Projeto de Resolução 239/05 estabelece normas para coibir abusos nas trocas de partidos, mudando o critério para definir o número de vagas de cada partido ou bloco na Mesa Diretora da Câmara e nas comissões. Assim, as trocas de partidos que acontecerem depois da diplomação não contarão mais na hora de dividir as vagas. Como este projeto é de resolução, só atinge os deputados federais.
(06) O projeto prevê o financiamento de campanhas exclusivamente com dinheiro público, estando proibidas as doações de pessoas físicas e jurídicas. A proposta prevê que, em ano eleitoral, serão incluídos na Lei Orçamentária créditos adicionais para financiar campanhas eleitorais com valores equivalentes ao número de eleitores do País (R$ 7 por eleitor existente em 31 de dezembro do ano anterior). O TSE faz a distribuição dos recursos aos partidos, da seguinte maneira: 1% entre todos partidos; 14% entre partidos e federações com representação na Câmara dos Deputados; 85% entre partidos e federações, proporcionalmente ao número de representantes que elegeram na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. Os partidos podem receber doações para formação de seus fundos, mas não poderão utilizar esses recursos em campanhas.
(07) Bobbio compara as concepções de democracia para os liberais e socialistas e conclui que, enquanto para o liberalismo o sufrágio universal é o ponto de chegada do desenvolvimento histórico do processo democrático, na visão marxista-engelsiana, este é apenas o ponto de partida. As críticas que uma visão faz da outra são conseqüências dos pressupostos ideológicos de ambos. No final do século XIX, surge outra crítica que se pretende de cunho científico, com Ludwig Gumplowicz, Gaetamo Mosca e Vilfredo Pareto, para quem “a soberania popular é um ideal-limite e jamais correspondeu ou poderá corresponder a uma realidade de fato, porque em qualquer regime político, qualquer que seja a “fórmula política” sob a qual os governantes e seus ideólogos o representem, é sempre uma minoria de pessoas, que Mosca chama de “classe política”, aquela que detém o poder efetivo” (Bobbio, 2000: 325). Esta moderna teoria das elites, conforme define o autor, recupera o que de realístico contém a doutrina tradicional da democracia. “Segundo Shumpeter, existe democracia onde há vários grupos em concorrência pela conquista do poder através de uma luta que tem por objeto o voto popular” (ibidem: 326). Considerando as três diferentes visões modernas do termo democracia, o autor conclui que existem dois conceitos de democracia: a “formal” e a “substancial”. Assim elas se caracterizam: “Chama-se formal à primeira porque é caracterizada pelos chamados “comportamentos universais” (universali procedurali), mediante o emprego dos quais podem ser tomadas decisões de conteúdo diverso (como mostra a co-presença de regimes liberais e democráticos ao lado de regimes socialistas e democráticos). Chama-se substancial à segunda porque faz referência prevalentemente a certos conteúdos inspirados em ideais característicos da tradição do pensamento democrático, com relevo para o igualitarismo. Segundo uma velha fórmula que considera a Democracia como Governo do povo para o povo, a democracia formal é mais um governo do povo; a substancial, um governo para o povo” (ibidem: 328). Bobbio alerta que a democracia formal pode favorecer uma minoria restrita de detentores do poder econômico e, portanto, não é um governo para o povo, embora seja do povo. Já uma ditadura política pode favorecer em períodos de transformação revolucionária a classe mais numerosa dos cidadãos, sendo um governo para o povo: “A primeira indica um certo número de meios que são precisamente as regras de comportamento acima descritas independente da consideração dos fins. A segunda indica um certo conjunto de fins, entre os quais sobressai o fim da igualdade jurídica, social e econômica, independentemente dos meios adotados para os alcançar“ (ibidem: 329). O autor considera legítimos ambos conceitos. A legitimidade vai depender do significado de democracia escolhido pelo defensor: não será democrático segundo o significado escolhido pelo adversário. O único ponto em que ambos deveriam convir é que a democracia perfeita – até agora não realizada – é a simultaneamente formal e substancial. Podemos depreender disso que o Brasil se enquadra na concepção de democracia no sentido liberal: trata-se de uma forma que garante o governo do povo, mas não necessariamente para o povo, ainda que os candidatos o afirmem no nível do discurso, o que não é sequer questionado pelos cidadãos. A tão apregoada democracia acaba por se encerrar apenas no voto - exercício maior e único símbolo da participação popular nas decisões acerca da vida social.
(08) O sistema proporcional viabilizou, por exemplo, a eleição de Lígia Ribeiro à Câmara Municipal de Carapebus, município fluminense, em 1996. Ela recebeu apenas 3 votos pelo PMDB, que teve direito, pelo quociente eleitoral a 9 cadeiras. O partido só tinha 7 candidatos. Candidatos do PPB e do PRONA, que receberam 209 e 199 votos respectivamente, não conseguiram se eleger, pois seus partidos não atingiram o quociente eleitoral. Em 2002, mais uma vez desequilíbrio prevaleceu. O PRONA conseguiu eleger, como deputado federal, nomes inexpressivos como Vanderley Assis (275 votos), Ilden Araujo (382 votos), Elimar (484 votos) e outros, beneficiados pela elevada votação do candidato Enéas, que com mais de 1,5 milhão de votos, elevou o quociente partidário. Políticos tradicionais que receberam mais de 100 mil votos acabaram não se elegendo, como Jorge Tadeu, com 127.977 votos, Paulo Kobayashi (109.442 votos), Walter Barelli (105.995 votos), Silvio Torres (101.509 votos), entre outros. Dados disponíveis no site do TSE.
(09) Dados disponíveis no site do TSE.
(10) O deputado federal Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) está em seu décimo mandato consecutivo.
(11) Sobre a adoção de cotas por gênero como mecanismo para ampliar a participação de mulheres na política, cabe resgatar o debate conflitante das posições pró e contra, indicadas por Avelar (2007, p. 274): “De um lado, os defensores de uma ‘política da diferença’, tal como proposto pela corrente teórica do multiculturalismo; de outro, os adeptos do paradigma redistributivo, fundado nos paradigmas do liberalismo igualitário. Para os primeiros, uma política de reconhecimento como a política de cotas, é normativamente desejável, de modo a redimir a discriminação e a negação de acesso aos direitos. (...) Para os adeptos do liberalismo igualitário as cotas não resolvem porque o essencial é democratizar as oportunidades, e são os arranjos institucionais que propiciam os meios de implantá-los, com a introdução de regras de competição política que diminuam a importância do dinheiro nas campanhas eleitorais, propiciando uma competição política menos oligarquizada”. Independentemente da posição adotada, a política de cotas por gênero é uma clara medida que visa a ampliação da participação feminina na vida política, o que por princípio já se constitui como um avanço democrático.
(12) COSTA, Soraia. “Reforma para todos os gostos”. Site Congresso em foco. (s/d)

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