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A prudência como capital político

Carlos Melo

 

Faltam “Lulas” e “FHCs” no cardápio da eleição presidencial do ano que vem. Dos nomes até aqui colocados, talvez, o tancredianismo de Aécio Neves se ajuste, palidamente, ao modelo de previsibilidade e prudência a que os dois últimos presidentes se submeteram. José Serra, como se sabe, traz a ira santa sob os olhos; é o conflito, a volúpia e seu próprio ministro da Fazenda; Ciro Gomes, o vulcão, o arroubo, a explosão, a faca entre dentes; e em Dilma Roussef, se for mesmo candidata, o desconhecido é o que mais chama atenção; a relação entre criador e criatura preenche o imaginário de dúvidas. 

 

A curta história da democracia brasileira demonstra que os mais celerados e ousados presidentes caminharam para o abismo: Jânio, Goulart, Collor e mesmo Getúlio, na democracia, sequer concluíram mandatos. Na história, se percebe que a prudência é a principal virtude de quem possui o poder e, naturalmente, espera mantê-lo. Como advertiu Talleyrand, “nada de pressa, nada de entusiasmo excessivo, por favor”. No popular: “calma, que o Brasil é nosso!”.

 

A pulsação sob controle, o comedimento e a respiração estável têm sido as principais características do perfil de “sucesso” (discutível, é verdade) do governante no Brasil; a prudência tem sido o principal capital daqueles que deram certo ou, pelo menos, dos poucos que conseguiram concluir seus mandatos: Juscelino, Fernando Henrique, Lula.

 

Para o bem e para o mal, Lula e Fernando Henrique, por exemplo, fizeram desse mote a sinfonia de seus governos: ponderados, versaram-se na arte de engolir sapo quando foi necessário e avançar somente quando foi possível e sem risco. Mesmo diante de todas as fragilidades que encontraram, é inegável que seus sucessores herdaram (e herdarão) avanços importantes, que custaram a contenção e não a ousadia.

 

Defeito? Em alguma medida sim. O ritmo de tudo torna-se muito lento e o sistema político se putrefaz sem mudanças. Mas, quando não se pode vencer, diz a razão, o jeito é aliar-se ao PMDB. É a nossa tragédia e a nossa cilada, mas do ponto de vista da governabilidade dos mandatos e do interesse pessoal dos governantes, é o mais certo a fazer. Nada tem a ver com patriotismo ou coisa do gênero; é precaução por pragmatismo político.

 

Nesta eleição, a ausência de características como a ponderação e o senso de limites tende a assustar setores realmente preocupados com a continuidade do que bem ou mal tem dado resultados práticos: a estabilidade e o crescimento. Ademais, o Brasil detesta surpresas e solavancos e Lula somente se viabilizou em 2002 porque assumiu o figurino “paz e amor”. Isto somado a toda ordem de oportunismo político e sentidos de auto-preservação -- de status, cargos e salários --, tem contribuído para especulações e expectativas de um terceiro mandato para Lula, o que é um paradoxo diante da índole do personagem por certo, antes de tudo, uma medida arriscada.

 

É justamente este o impedimento do presidente para se lançar aos braços de sua companheirada carente de candidatos e temerosa do futuro: mudar a constituição, mobilizar as ruas, enfrentar o desgaste internacional seria ousadia e conflito demais e isto não combina com a liderança de Lula. Sacrificar a biografia e até mesmo o futuro parece pouco para um personagem que busca lugar na história e até a volta ao poder mais adiante. Ademais, Lula nunca deu muita importância para a “pressão partidária”.

 

Vistos pelos olhos da história, presidentes como Lula e FHC serão entendidos mais pelo fio desta moderação em especial, do que pela eventual similaridade de políticas públicas ou da política econômica que implementaram. Criados na esquerda, vestiram os ternos da cortesia e da sedução, no trato pessoal, contiveram conflitos e, arroubos, só os retóricos de palanque. Na prática, se caracterizam por generosa dose de conservadorismo e pragmatismo. Não puxam corda roída e nem se aventuram em buracos negros.

 

Mesmo a reeleição de FHC se deu relativamente “na boa”, sem oposição consistente, sob aplauso de vários meios de comunicação e com apoio entre ministros do Supremo. E mais: sob o imperativo da consolidação do Plano Real. A situação de Lula é outra: ainda que possa contar com a mobilização popular, com a militância de todos os interesses corporativos e com a simpatia de boa parte do empresariado, o Brasil de 2010 não é o mesmo país de 1998.

 

Verdade que nossos partidos e a safra de políticos estão longe de sequer deixar a desejar; são anacrônicos, disfuncionais, ineficientes e, para dizer o mínimo, pouco republicanos. Ainda assim, a inserção do país na economia internacional, a proliferação de meios de comunicação em rede, uma sociedade moderna, e, sobretudo, o desconforto com o abalo e com a hipótese de conflito político tendem a ser freios importantes para quem pauta sua ação política pela prudência. No mais, uma emenda como esta não passaria sem um imenso barulho na mídia, no Congresso e até nas ruas. O ambiente precisaria se deteriorar muito para que isto ocorresse e esta não é a melhor opção para Lula.

 

Aterrorizados por maus exemplos como Collor, nem o tucano, nem o petista admitiram comprar brigas desnecessárias, ultrapassaram limites do possível, sobretudo na política econômica que conduziram ou se deixaram conduzir. Atemorizado pelo exemplo de Collor e João Goulart o tipo de liderança política a que Lula se filia não se aventura, não corre riscos desnecessários, não ousa por caminhos imprevisíveis. Prefere somar no presente como modo a acumular para o futuro. O PT pode até querer (o que não é consenso). Mas, a prudência de Lula tende a dizer não.

 

Carlos Melo, cientista político, doutor pela PUC-SP; é professor de Sociologia e Política do Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa e autor de “Collor: o ator e suas circunstâncias”.

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