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Crise no Senado, opinião pública e modernidade no Brasil

Arnaldo Francisco Cardoso

 

A substituição do poder do indivíduo pelo poder de uma comunidade constitui o passo decisivo da civilização. [...] A primeira exigência da civilização, é a da justiça, ou seja, a garantia de que uma lei, uma vez criada, não será violada em favor de um indivíduo. (Freud, S. O Mal-estar na civilização)

A atual crise política que tem seu epicentro no Senado brasileiro põe mais uma vez em evidência uma série de problemas que, em última instância, constituem-se nos verdadeiros obstáculos que impedem o Brasil de realizar seu projeto de modernização e desenvolvimento econômico, político e social.

 

Dias atrás, na esteira de declarações, grampos e revelações vazadas dos corredores, gabinetes e tribunas do Congresso Nacional, uma conversa de Sarney com um outro senador, revelada pela mídia, teve o poder de clarificar parte da lógica operante na atual crise.


Atento às eventuais preocupações de colegas senadores (54 deles em final de mandato e de olho nas eleições de 2010) sobre as repercussões da atual crise no Senado, Sarney sacou a seguinte avaliação [creditada a sondagem do Ibope]: “A crise que engolfa o Senado “alcança” as classes A e B, mas “não chega” à base da pirâmide social, onde estão assentadas as classes C, D e E.” – como é comum nas grandes democracias, são essas classes que constituem a maioria, definidora de pleitos em processos eleitorais.


A mencionada avaliação converge com a percepção que boa parte da classe política expressa acerca do lugar da opinião pública no Brasil, bem como quanto ao “autismo” das elites.

 

Apontada como “mola principal das democracias” a opinião pública (ou o seu vigor) é um importante indicador do padrão de sociabilidade de dada sociedade. Tem desde o século XVI europeu aumentado paulatinamente sua importância, na trilha da modernização das sociedades ocidentais. É sabido que a conceituação sobre opinião pública abriga ambigüidades, mas seu mais generoso significado assenta-se na pluralidade que lhe deve ser caracterizadora, sendo assim instrumento para a conquista do bem-estar coletivo, manutenção da liberdade e defesa das populações contra a sempre presente ameaça de fazerem-nas massa.


Entre os sentidos de opinião pública, Gabriel Tarde destaca aquele de estrutura comunicacional, como fluxo regular de informações, pela qual se faz a circulação de temas/assuntos mobilizadores dos públicos e em que os indivíduos – como membros dos públicos – são convocados a um exercício regular de juízo.


Muito tem se falado da atual performance do Brasil, particularmente de uma melhor inserção internacional do país, entretanto, para o ingresso do Brasil em uma elite de nações desenvolvidas é necessário ir-se muito além do crescimento econômico. A atual crise do Senado revela que, no que diz respeito à vida política do país, ainda não se deu uma melhora qualitativa, elevando os padrões éticos orientadores da ação política e promovendo a participação ativa dos cidadãos na política.  


Vera Chaia, cientista política e fundadora do NEAMP (Núcleo de Estudos de Arte, Mídia e Política) em recente pesquisa sobre o uso de novas tecnologias (internet) nas campanhas políticas no Brasil constatou entre outras coisas que há “um certo ceticismo em relação à política, à possibilidade de mudanças na nossa sociedade” e que “O Brasil é um país com cerca de 45 milhões de pessoas que acessam a internet, mas não os sites políticos”.


Em outros países como a Espanha e os Estados Unidos da América, a internet vem provocando mudanças qualitativas e quantitativas no que tange a participação dos cidadãos nos processos políticos, pressionando a classe política e os meios de comunicação convencionais a reverem suas práticas.


No Brasil, o uso cotidiano e diversificado da internet, inclusive como instrumento para o incremento da cidadania ainda é muito restrito, fazendo com que o potencial inovador dessas novas tecnologias seja amortecido, incorporado de forma intensiva apenas em processos de produção e reprodução do capital e, perifericamente, pelos mecanismos tradicionais de dominação política.


Na história brasileira, o moderno para se instaurar faz concessões demais ao arcaico, e disso a atual crise do Senado é exemplo eloqüente.

 

Arnaldo Francisco Cardoso é cientista político e professor das Universidades Anhembi Morumbi e Mackenzie.

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