Estratégias de campanha: tentativa e erro?
Rafael Araújo
Este pleito municipal tem sido um verdadeiro aprendizado para cientistas políticos e demais interessados na dinâmica partidária e nas estratégias de campanha. Menos pelo desacordo entre os candidatos e suas imagens fabricadas e mais pela tentativa de encontrar novas estratégias em velhos modos de se fazer política.
Para explicar a inquietação, melhor reformular. O PT profissionalizou a campanha de reeleição de Marta Suplicy. A equipe pôde contar com dados positivos de uma gestão que buscou melhorar a inclusão social com políticas de redistribuição de renda e planejamento. O reconhecimento público por parte de instituições e nomes de peso do cenário político internacional, bem como os resultados da reestruturação e planejamento da cidade observados nos planos diretores, na descentralização e na implantação das subprefeituras e de órgãos de participação popular, tais como o Orçamento Participativo e os fóruns de discussões tais como o Fórum Jovem e o de Cultura, que, ainda que incipientes e passíveis de críticas, contribuíram para uma nova dinâmica democrática, mais participativa. Todos esses dados e argumentos estiveram à disposição para a campanha de reeleição da prefeita.
O teor da campanha (resultante das querelas entre os pólos de poder presentes no partido) acabou por enfatizar os aspectos que poderiam contribuir para uma imagem de administração empreendedora e revolucionária (no sentido lato). Uma justificativa para isso seria a dificuldade da população em entender a importância concreta de um planejamento estratégico, ou significados mais profundos dessas políticas públicas de distribuição de renda, como escreveu Emir Sader em um artigo recente. Com tantos argumentos a serem mostrados, cabe questionar porque a estratégia tomada foi outra. Talvez uma resposta esteja na realidade eleitoral encontrada nas ruas com munícipes isentos de taxas e atendidos pelos programas sociais, mas ainda assim propagando o discurso ouvido na mídia de massa: "Martaxa".
A coordenação de campanha da prefeita em princípio levou isso em conta e, numa atitude pouco educativa, buscou divulgar um contra-discurso pautado pelas realizações imediatistas, especificamente os CEU, o Bilhete Único e os Passa-rápido. Divulgar grandes obras e realizações sempre pareceu funcionar nas campanhas eleitorais, tanto em uma cultura voltada para o passado (o que se fez), quanto uma cultura voltada para o futuro (o que se fará) e nesse caso o exemplo do Fura-fila é paradigmático.
No entanto, no início da campanha não pareceu ser este o rumo a ser tomado pelo PT. Profissionalizou as equipes de rua na proposta de divulgar, de casa em casa, o programa de governo e o que foi feito durante a gestão discutindo e buscando conquistar o eleitorado atingido pelo discurso midiático. Retomar a tática de campanha de rua parecia ser uma tacada certeira, especialmente quando se tem argumentos consistentes para a discussão. Ocorre que a campanha de rua não foi capaz de atingir a quantidade de eleitores necessária. Parte do eleitorado tucano e malufista migrou, o que pôde justificar o aumento nas intenções de voto na Marta até um patamar razoável. Mas a lógica de campanha se dá pelas ações dos adversários. O que se viu foi uma equipe pouco preparada nas ruas e uma campanha bem elaborada e inteligente do adversário tucano no rádio e na TV.
É fácil questionar a estratégia petista depois que ela se mostrou pouco eficaz, difícil é encontrar as falhas no pensamento dos estrategistas diante da conjuntura apresentada. Uma campanha que se esgota nas ruas e não tem força para lidar com uma contra-campanha bem articulada nos veículos de massa (e imprensa local) acaba por ter como última alternativa a venda de esperança em uma nova revolução. Pensando assim, a tática de apresentar o CEU-saúde como solução milagrosa pareceu dar conta do recado. Mas foi um tiro no pé.
Ao levantar a proposta das policlínicas e reconhecer a defasagem dos serviços de saúde a campanha petista colocou o Calcanhar de Aquiles da administração municipal na reta das flechas dos adversários. Ao invés de ignorar os problemas e mostrar o que foi feito, acabou por reconhecer a falha e apostar na capacidade da gestora de solucionar problemas já comprovada na área de educação e transporte.
Há uma contradição só percebida depois dos resultados negativos para o PT. Ampliar a participação política e investir 60%do orçamento em programas sociais e políticas de inclusão não se mostrou um argumento eficaz de campanha, assim como a apresentação de um programa faraônico com a promessa de solucionar problemas sensíveis também não. Aí está um prato cheio para os analistas.
Uma resposta para esse paradoxo estaria na consideração do jogo político interno do partido que apresentou conflitos, disputas de poder e desacordos. Outra explicação estaria em admitir a competência da campanha tucana e a pouca expressão do malufismo nesse pleito (é sempre prudente reconhecer a possibilidade de retorno), o que fez o eleitorado conservador concentrar-se no PSDB. Arriscaria outra possibilidade, mais ousada. A política de alianças travada pelo PT com correntes ideologicamente antagônicas trouxe mais prejuízos do que lucros. Talvez parte dos eleitores que votaram na Marta no pleito de 2000 tenham colocado em cheque sua credibilidade ao ficar tão evidente a postura contraditória da aliança com o malufismo (mesmo não tendo sido uma aliança explicitada, o eleitor recebeu informações de um possível acordo de cavalheiros e comprovou a mudança do teor da campanha de Maluf no horário gratuito de propaganda eleitoral), isso sem contar com a ala do PT que valorizou mais a ideologia que a fidelidade partidária.
Esse texto foi escrito após o primeiro debate ocorrido no segundo turno das eleições paulistas e antes do término da campanha, portanto, aguarda desfechos políticos e reações da dinâmica eleitoral. Ao noticiar o debate, a mídia impressa mostrou perceber uma nova postura da candidata a reeleição e, portanto, uma nova mudança em sua estratégia. A postura passiva adotada ao longo da primeira etapa de campanha foi abandonada e foi vista uma tentativa de abalar a tradicional "blindagem política" que os candidatos tucanos possuem. Novamente tem lógica, afinal, pelo menos nesse pleito, a rejeição tem sido mais determinante que a aprovação.
O programa eleitoral veiculado logo após o debate confirmou o objetivo explícito de minar a blindagem do candidato José Serra, mas uma pesquisa de opinião revelou ter sido o programa de Marta com aceitação mais baixa. No horário eleitoral gratuito seguinte, coube ao senador Aloísio Mercadante a tarefa de questionar o adversário. A desaprovação dos ataques dá crédito ao publicitário Duda Mendonça que optou por uma campanha morna durante todo o primeiro turno (e em outras campanhas que coordenou também), mas depois de sua prisão pelo episódio da briga de galos seus créditos talvez tenham sido zerados.
A disputa pelo governo municipal da maior cidade brasileira instiga a imaginação dos que gostariam de ser capazes de explicar apenas com o uso da razão, um problema tão complexo e dinâmico. A partir do resultado eleitoral paulista poderemos prefigurar o pleito de 2006 e arriscar uma conjuntura mais específica, acrescendo informações aos resultados alcançados nacionalmente. Será possível pensar em hegemonia e polaridades políticas. O interesse dos atores políticos está em medir os significados do controle social e do poder. O interesse dos marqueteiros e profissionais de mídia está em levantar pistas e informações capazes de contribuir para a criação de ações de campanha necessárias para constituir o poder aos atores políticos determinados. O interesse dos cientistas, analistas e curiosos está em perceber essa dinâmica eleitoral singular, que cada vez mais, por sua imprevisibilidade, exige a existência de especialistas dotados de um poder quase sobrenatural, ora substanciado por aspectos racionais, ora assegurados por uma fé aconchegante. Curioso é pensar que o aconchego, nesse caso, diz respeito a representabilidade que, no limite, definirá as ações que dizem respeito a nossas vidas, às ações que farão da cidade um lugar possível de ser feliz, ou não.

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