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O "xis" do consenso

Carlos Melo

 

Dinâmica coletiva, a política tem o costume de desagradar vontades e projetos individuais. Quem pode não pode tudo; é forçado a compor, a ceder. Isto acaba por estabelecer relações de troca mais ou menos transparentes. Como disse um prócer do chamado “Centrão” (Constituinte de 1986-1988), “é dando que se recebe”. Nada de franciscano. É mesmo a radicalização do pragmatismo político. Na definição das mesas diretoras dos legislativos de todo o país, essa lógica se estabelece, sem distinção. Seja o governo federal, os prefeitos de Aracaju, Belo Horizonte, Salvador, São Paulo, enfim, não há escapatória. No sistema político brasileiro o poder é compartilhado e não basta que os executivos definam quem serão suas estrelas parlamentares no próximo biênio. Negociar é preciso. Parafraseando um samba antigo, ser estrela é bem fácil, estabelecer o consenso é que é o “xis” do problema (Noel Rosa).

Há pelo menos quatro fatores que dificultam e podem explicar o atual imbróglio em torno das disputas nos parlamentos: 1) o sistema partidário que não compromete fidelidades e permite dissidências; 2) a “vontade imperial” ao impor nomes e dinâmicas políticas com base no prestígio momentâneo dos governantes; 3) a dinâmica dos parlamentos que faz deste o melhor momento para que o baixo clero exerça pressão e estabeleça cumplicidades com o esquema de poder que se instalará; e, por fim, 4) um enorme oportunismo político de partidos ou facções partidárias tendo em vista objetivos eleitorais de médio e longo prazos.

 

O primeiro ponto é mais do que batido: o país precisa da reforma política e partidária. Alguns analistas afirmam, com razão, que ainda assim o sistema funciona e há até mesmo certa coerência dos partidos políticos quando na oposição ou na situação. É verdade, mas, é preciso reconhecer, que isto se dá a enorme custo. Quem vê a fotografia das votações no Congresso Nacional, por exemplo, não vê o sangue, suor e recursos que aqueles votos demandaram. Mecanismos como fidelidade partidária e votação por listas fortaleceriam os partidos; mas tirando poder dos políticos, parece pouco provável que passem para além do campo das propostas.

 

Também parece relevante a prática utilizada de quando em quando pelos governantes que, confiantes no prestígio, resolvem apontar (para não dizer determinar) quem melhor lhes convém para dirigir o legislativo. Poder que, no frigir dos ovos, não deve submissão ao governante. Muito pelo contrário, tem como atribuição fiscalizá-lo. A intenção é, evidentemente, estabelecer uma salvaguarda e fazer com que o legislativo aprove iniciativas do Executivo, no ritmo mais adequado a ele, Poder Executivo. A prática tem tido resultado por todo esquema de compensações que se estabelece. Mas se os parlamentares outorgam o nome definido pelo Executivo, não o fazem pelas covinhas no rosto do governante. Mas pelos interesses que lhes são correspondidos. É, em parte, nesse sentido que deve ser compreendido o primeiro tropeço da administração José Serra ao não garantir seu candidato na presidência da Câmara Municipal. O prefeito agiu como uma espécie de mandarim; não compôs, não cedeu. Há, sem dúvida, aspectos positivos nisso e pode mesmo ser a inauguração de um estilo, mas de cuja eficiência se espera comprovação. Descoberto, o Executivo se torna vulnerável, convivendo com turbulências permanentes ou com crises de verdade. Estão aí os exemplos de Luiza Erundina, no primeiro caso, e de Fernando Collor, no segundo, que parecem exigir pelo menos um pouco de moderação.

Quanto às pressões corporativas, sempre existirão. Importa fazer que não sejam relevantes para o processo. Uma forma de minimizar esse esprit des corps é, evidentemente, fortalecer dos partidos, de modo a elevar as discussões para o patamar das questões republicanas e democráticas. Mas, desse modo, voltamos ao começo. Uma reforma que retire o pequeno poder de cada parlamentar prosperará?

 

Por fim, tornamos ao caso da Câmara paulistana. O episódio deixou patente não apenas que os tucanos também possuem dissidências, como foi o caso do vereador Roberto Trípoli (que deve vocalizar, talvez, uma parcela do partido – ainda que ela se cale), mas também a enorme dissidência que se organiza no seio do PT. O Diretório paulistano do partido vem demonstrando enorme dissonância com os petistas de Brasília, o que faz parte de um intrincado jogo na disputa por espaços internos, voltado para 2006. Como não há, em sociedade, ação solitária, esse tipo de procedimento aguça, nos demais partidos, a tentação de também explorar as dissidências e desacertos do PT. É nesse sentido que a candidatura do Dep. Greenhalgh corre riscos. Para se precaver e não ter que também amargar esse tipo de derrota, ao contrário do prefeito Serra, o presidente Lula terá que ceder mais. Enfim, o custo do consenso aumentou. Eis de novo o “Xis” do problema.

 

Carlos Alberto Furtado de Melo , Cientista Político, Doutor pela PUC-SP, é professor do Ibmec São Paulo.

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