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Semeando ventos e colhendo cinzas

Carlos Alberto Furtado de Melo

 

Como diz um antigo ditado, “quem semeia vento colhe tempestade”. Há tempos o governo e o PT têm brincado de criar ventanias e nesta madrugada, é possível, que tenham conseguido parir um tsunami. Como sabemos, este fenômeno é muito mais que um vendaval. As causas são várias. Não sem razão, sempre se poderá culpar a fragilidade do nosso sistema político e partidário. De fato, a sociedade clama por reforma política. Como está, o sistema só serve para isso mesmo: confusão e predominância dos interesses de grupos. Os mais elevados dirigentes políticos do país falam, agora, em reforma política. É assim. Como diz outro ditado, “é depois de arrombada a porta que se coloca a tranca”. De todo o modo, sistema político caduco à parte, há outros responsáveis menos diluíveis numa desculpa genérica e transbordante.

 

O governo e o PT – no limite, os responsáveis pela condução do processo – colecionaram trapalhadas e equívocos. A história é longa, vem desde antes da eleição municipal, quando se insistia – mas não se definia – na reeleição dos presidentes José Sarney e João Paulo Cunha. Foi-se até o limite acreditando-se que a inviabilidade prática da tese colocaria uma pedra sobre o assunto. Não foi assim. Exigiu-se compensações, mas não foi o suficiente. Sarney fará a filha, Roseana, ministra, é certo. Mas e João Paulo e seu grupo? Restou o ressentimento que pariu a candidatura Virgílio Guimarães. Nesse momento, faltou à cúpula do PT o pulso, a força e o jeito. Acreditou-se que, por impossível, o impossível não aconteceria. Em política, como se sabe, nem sempre é assim. A dissonância na base ecoou longe e possibilitou oportunismos, vinganças e espertezas de todos os tipos e lados. Zeca Pagodinho, compositor da predileção do presidente, não serve de bom conselheiro. Nesses casos, não há ilusões, quem deixa a vida levar é carregado pela correnteza, sem volta.

 

Além disso, nestes últimos meses, o governo só fez consumir o crédito de popularidade que as pesquisas lhe davam no final do ano passado. Foi um sem-número de medidas desconexas: da elevação mal explicada de impostos à xenofobia idiomática do Itamaraty; da imobilidade na reforma ministerial ao recrudescimento de crítica à política monetária e à fritura de alguns dos diretores do Banco Central. Montado nos elevados índices de popularidade, o governo, de salto-alto, como no samba, “vestiu uma camisa listrada e saiu por aí (...) e sorria quando o povo dizia: sossega leão”. Deixou a nítida impressão de que só funciona “na porrada”, só limpa a casa quando apanha, só faz a lição-de-casa quando fica de castigo. De novembro para cá o governo só soube se desgastar, chegando a este processo, na Câmara, absolutamente a reboque dos fatos.

 

O jornalista Franklin Martins apontou um paradoxo interessante: agora, na Câmara, é o baixo clero que manda. Pela primeira vez – pelo menos enquanto a poeira não baixar – a elite daquela Casa não conduzirá o processo político. Severino Cavalcanti é conhecido por seus pares como “o bom companheiro”. Um deputado corporativista, sensível a toda sorte de pressões fisiológicas. Na ausência do presidente Lula e de seu vice, José de Alencar, assumirá a presidência da República. Nos primeiros tempos será pressionado pela oposição e desancado pela mídia. Mais adiante, a maior tendência, é a tentativa de cooptação por parte do Executivo. O que fará, ao certo, não se sabe. A primeira medida deve ser mesmo aumentar os salários de seus pares. Mesmo por uma questão financeira do que de estilo, a imagem do Congresso ficará ainda mais desgastada. E não é pouco provável que fique ainda mais paralisado. Pelo menos a princípio, as iniciativas legislativas do governo, que já não seriam fortemente ativas em 2005, tendem a ser ainda mais tímidas. Reformas mesmo são pouco prováveis. Ainda assim, o governo pode ficar mais exposto ao humor da oposição que pode começar a agitar o ambiente pedindo a instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito aqui e acolá. Enfim, mais pedra pra quebrar, menos água pra beber.

 

A reforma ministerial pode, nesse sentido, servir apenas para uma maior blindagem do governo, que tentará consolidar uma maioria mais sólida, menos agressiva, no entanto, mais defensiva. Uma reforma desse tipo tem outros inconvenientes: o governo pode se tornar refém, ainda em maior grau, do fisiologismo e das pressões eleitoreiras. Além disso, é claro, a propalada busca da eficiência da equipe ministerial fica preterida em relação aos interesses de primeira ordem: a retomada do controle no Congresso. Enfim, o resultado da Câmara afeta a imagem do Congresso e pode atingir a já fragilizada performance do governo. A quarta-feira de cinzas, neste ano, ocorreu na primeira segunda-feira depois do carnaval. Veremos agora se o governo, enfim, rasga sua fantasia.

 

Carlos Alberto Furtado de Melo – Cientista Político, doutor pela PUC-SP e professor de sociologia e política do Ibmec São Paulo.

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