Penélopes e a Carta ao povo brasileiro.
Marcelo Barbosa Câmara
Há alguns anos, Carlos Heitor Cony em uma de suas crônicas se referia a um certo tipo de tucanato que ainda acreditava que o então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, em algum momento de seu mandato, voltaria a ser aquele progressista dos velhos tempos e passaria a se preocupar, novamente, com o bem estar de seu povo; abandonando, assim, a aliança com as oligarquias que o levaram até Brasília. Sabe-se que não tiveram a mesma sorte da outra Penélope e Ulisses acabou nunca mais retornando.
Lendo a Carta ao povo brasileiro (1), endossada por movimentos e entidades como MST, UNE, CUT, IBASE e etc, um novo tipo de Penélope surge no cenário político: a Penélope Petista. Dentre alguns pontos da Carta estão a defesa do Governo Lula posto que, no entender dos signatários da carta: "De olho nas eleições de 2006, as elites iniciaram, através dos meios de comunicação uma campanha para desmoralizar o governo e o Presidente Lula, visando enfraquecê-lo, para derrubá-lo ou obrigá-lo a aprofundar a atual política econômica e as reformas neoliberais, atendendo aos interesses do capital internacional."
Alguns parágrafos a frente propõe: "Diante da atual crise, o governo Lula terá a opção de retomar o projeto pelo qual foi eleito, e que mobilizou a esperança de milhões de brasileiros e brasileiras. Projeto este que tem como base à transformação da sociedade e do Estado brasileiros, uma sociedade dividida entre os que tudo podem e tudo têm e aqueles que nada podem e nada têm."
Basicamente o conteúdo da Carta ao povo brasileiro, fundamentou-se nestes dois pilares a acusação de que há um conluio contra o governo federal e que é tempo de retomar o projeto político do PT.
O fato é que nunca houve desde o início da campanha presidencial de Lula um programa de governo voltado para os tais interesses que a Carta pretende imputar ao PT de Lula. As alianças articuladas pela cúpula do partido não comportavam na época e muito menos agora, com o possível aumento da parcela de poder do PMDB, nenhuma agenda que se aproxime da proposta pela Carta. No que tange à campanha para desestabilização do governo Lula, o que se observa nos referidos meios de comunicação, por enquanto, é uma certa blindagem em relação à imagem do atual presidente. Quanto a oposição ao governo Lula, que realmente é composta de representantes de setores conservadores da sociedade, faz apenas o papel de oposição e busca ganhar espaço na sociedade explorando as fraquezas do PT e do Governo Lula, da mesma forma que a oposição ao governo FHC se portou nos dois mandatos do ex-presidente tucano.
Tanto o PSDB como o PT de Lula frustraram parcelas consideráveis da sociedade e produziram suas Penélopes. No caso do PT, a atual defesa de entidades e movimentos sociais, que consideram golpismo os indícios que permeiam o escândalo "Mensalão" a CPI dos Correios e dos Bingos, beira ao stalinismo, posto que se não há, ainda, conclusões que atinjam diretamente membros do PT, também, não há razões para se partir para defesa incondicional do partido e sua cúpula.
As reivindicações quanto a mudanças na política econômica que constam da Carta, são justas e estão dentro do papel destas entidades e movimentos porém, caberiam a eles, antes de tudo, a independência em relação ao partido e ao Governo Federal.
(1) Cópia da Carta encontra-se no site do MST: www.mst.org.br/informativos/minforma/ultimas872.htm
Marcelo Barbosa Câmara. Mestre em Ciências Sociais pela PUC/SP, Doutorando em Ciências Sociais pela PUC/SÃO PAULO - SP.

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