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Mercantilização e midiatização da política

Arnaldo Francisco Cardoso *

 

O processo de mercantilização e midiatização da política, que ganhou na última década do século 20 enorme impulso, não poupou nem mesmo a guerra, que passou a ser acompanhada em real time nas telas de televisões e computadores pessoais espalhados pelo mundo, fazendo da rede CNN a maior vencedora.

No plano da política doméstica, nas modernas democracias, a transformação do político-candidato em produto e do marqueteiro em estrategista político, seria uma das faces da relação entre técnica e política, e nesse sentido é pertinente lembrar a formulação do sociólogo francês Regis Debray: "todo aquele que transmite signos intromete-se na função de governo; todo aquele que governa intromete-se na transmissão de signos". (DEBRAy: 1994; 16)

Na esteira da grave crise política no Brasil que já se aproxima de completar seu terceiro mês de duração e que paralisou o Congresso Nacional, a primeira medida proposta para combater um dos problemas que está na origem da atual crise foi defendida no último dia 23 de agosto pelo presidente do Senado Federal, e diz respeito a redução e maior controle dos custos de campanha eleitoral no Brasil, que concentra na produção e transmissão midiática das campanhas eleitorais seus maiores custos. O projeto de autoria do senador Jorge Bornhausen (PFL- SC) já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e depende de aprovação da Câmara dos Deputados, em caráter de urgência, para que possa vigorar já para o próximo pleito de 2006.

Partindo da premissa que os objetos de investigação das três CPI's instaladas e em curso no Congresso Nacional remetem a práticas ilícitas de corrupção, sonegação fiscal e formação de "caixa 2" para o financiamento de campanhas eleitorais, o caminho proposto para o combate de tal mal é a reforma da legislação, tornando-a mais restritiva quanto aos gastos na propaganda política. Entre os principais pontos da reforma proposta está a redução do período de 45 para 35 dias de propaganda partidária no rádio e na televisão antes do pleito, fim dos "showmícios", critérios mais rígidos para uso do horário eleitoral em rádio e televisão, e a prestação diária via internet de contas de campanha.

Entre os otimistas tem prosperado a idéia de que "é nos momentos de crise que as boas reformas vicejam'. (De um professor e experiente analista da política, ouvi recentemente que "somente os conservadores promovem as reformas necessárias...").

Para uma melhor apreciação do atual momento e da pertinência da proposta defendida pelo senador Bornhausen, é oportuna a recuperação de alguns episódios anteriores ao pleito de 2002 e outros que tiveram lugar nos anos seguintes.

Em 2002, uma pesquisa do Ibope Mídia encomendada pelo jornal Folha de S. Paulo revelou que, nos primeiros quatro meses daquele ano (ano de campanha para sucessão presidencial) o GRP (Gross Rating Points) que aponta o volume de exposição de um produto na mídia, colocava os presidenciáveis (Lula, Serra, Roseana Sarney e Garotinho) em patamares de exposição na mídia televisiva somente comparáveis aos das grandes marcas de produtos como OMO, Kaiser, Lojas Americanas, Marabraz, Barateiro, TAM, Bauducco, entre outras.

Outro indicador da dimensão mercadológica da eleição política pode ser encontrado na conversão de partidos políticos à condição de clientes preferenciais de grandes agências de publicidade. Entre 2001 e 2002 o publicitário Nizan Guanaes assumiu a responsabilidade pela campanha de Roseana Sarney (abortada por um escândalo no financiamento de campanha) que depois passou a colaborar com a campanha de José Serra, conduzida por Nelson Biondi. Duda Mendonça, responsável outrora pela campanha de Paulo Maluf à prefeitura de São Paulo (único cargo conquistado nas urnas pelo candidato) assumiu a condução da campanha do candidato do Partido dos Trabalhadores ao Planalto, uma campanha que, na cúpula do PT passou a ser tratada como "uma campanha para ganhar" (custe o que custar).

Vale aqui também lembrar que o ano de 2002 foi um ano muito difícil para as empresas de comunicação (rádios, TVs, jornais, revistas e agências de notícias) que demitiram 17 mil funcionários e acumularam dívidas da ordem de R$ 10 bilhões, que precisariam ser renegociadas nos anos seguintes.

Já em 2003, sob o governo Lula, o BNDES assumiu importante papel no processo de recuperação financeira de empresas de comunicação, destacadamente as Organizações Globo que chegou a sofrer pedido de falência movido por credores internacionais.

Entretanto, o socorro não veio a todas as empresas em dificuldades. Em outubro de 2003, numa entrevista de Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha de S. Paulo, ao avaliar que "uma mídia independente não interessa a governo nenhum, mas sim uma mídia de joelhos" insinuou haver "troca de favores" em torno do apoio oficial a determinadas empresas de comunicação. A entrevista foi objeto de debate no Congresso Nacional e teve ampla repercussão.

Se aprovada a proposta do senador Bornhausen, certamente os partidos políticos terão de repensar suas estratégias, incluindo nesse rol o PFL do autor da proposta.

Desde o começo deste ano, a estratégia do PFL (a exemplo do que foi feito em 2001, com Roseana Sarney) para a sucessão presidencial de 2006, vinha concentrando-se no lançamento da candidatura do prefeito do Rio de Janeiro César Maia ao Planalto, recorrendo ao mesmo recurso do pleito anterior, qual seja, a utilização do horário do programa partidário para propaganda do candidato, driblando a proibição de propaganda eleitoral antecipada.

Os programas partidários (duração de até 20 minutos) e os "spots" (duração de 30 segundos ou 1 minuto) passaram a ser sistematicamente utilizado para a fixação da imagem de candidatos no cenário nacional. Pela legislação eleitoral os programas partidários deveriam promover o partido não o candidato.

No atual contexto político lembrar que, em março de 2001 o PT, sob a presidência de José Dirceu, usou seu horário político partidário nas TV's e rádios para lançar uma campanha para a instalação de uma CPI para apurar atos de corrupção no governo Fernando Henrique Cardoso e para conclamar a sociedade civil para sair às ruas contra a corrupção, faz-nos pelo contraste concluir que vivemos tempos de forte degeneração do ambiente político brasileiro.

Oxalá a proposta do senador Bornhausen possa significar um passo na direção de uma correção de rumos, recolocando a técnica e a política em seus correspondentes lugares.

 

* Arnaldo Francisco Cardoso é cientista político, professor do Curso de Relações Internacionais da UniFMU e pesquisador do NEAMP da PUC-SP. (Produzido em 28/08/2005).

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