Heróis da necessidade
Carlos Alberto Furtado de Melo
É evidente que uma vitória é sempre uma vitória, ainda mais na maré baixa. No momento em que elas são tão raras, uma vitória é sempre motivo para comemoração, como fizeram os governistas, com comedida felicidade, ontem na Câmara. Enfim, depois do longo inverno, o governo voltou a ganhar uma! Muito bem. Lula, depois de muito tempo, resolveu correr riscos, foi ousado como há muito não era. A necessidade faz mesmo os heróis. O importante agora é compreender o processo.
Em resumo, pode-se dizer que a eleição de Aldo Rebelo afasta riscos e mostra que o PT não pode mesmo ficar à própria sorte. Tivesse o governo caminhado com o partido, muito provavelmente, neste momento, Arlindo Chinaglia estaria buscando explicações para sua derrota e o governo estaria mais estraçalhado do que já está. Não havia, portanto, margem para que o PT tivesse candidato, pelo menos não um candidato que refletisse a vontade da bancada. Fica a impressão de que se passa na bancada, não passa na Câmara. A desgraça, ao que parece, atingiu mais o partido do que o governo. Governistas como Aldo Rebelo ainda não se queimaram por completo e, a partir deles, pode-se tentar reerguer algumas pontes. No mais, fica a constatação óbvia de que os “instrumentos clássicos” de convencimento – liberações, cargos e que tais – ainda funcionam, mesmo diante da observação da opinião pública. A “caneta” ainda pulsa e o governo vive. Isso é normal e nem a vitória governista e nem os métodos para ela utilizados deveriam espantar: é assim porque assim sempre foi. Difícil mudar.
Todavia, a vitória por si só não indica nova fase; não permite afirmar que “agora vai”; que o governo recuperará a iniciativa política e o controle do processo legislativo. O placar foi apertado (258 votos a 243); a oposição a Lula cresceu em progressão geométrica, como era de se esperar após cem dias de escândalos. Continuará dando ainda mais trabalho porque estará mais coesa e sedimentada pelo companheirismo de uma campanha e pela solidariedade de uma derrota com ares de vitória. É verdade que, no frigir dos ovos, a oposição desbancou Severino Cavalcante para que fosse eleito um candidato do governo. Severino, aliado de Lula, com todos seus defeitos, era uma festa para a oposição. Com Aldo, ganha o governo, é claro. Ainda assim, a oposição pode comemorar o salto de organização. O saldo político é francamente positivo, pois conseguiu juntar PSDB, PFL, PPS, PV e parte do PMDB, além de desgarrados de vários partidos. A votação de José Thomaz Nonô aproximou personagens que tendem a ter relevante papel em 2006 e coloca na ordem do dia os velhos tempos da aliança PSDB-PFL.
No campo governista, pode-se dizer que Aldo será um presidente de maior segurança para o presidente Lula, o que Nonô, ainda que quisesse, não poderia garantir, pois a índole oposicionista, que o PFL rapidamente adquiriu neste governo, poderia falar mais alto. Já o deputado comunista é mais um soldado disciplinado e leal, seu mandato será Low profile, baixo perfil, muita discrição, sem marolas desnecessárias. Tentará no que for possível se colocar na função do “pacificador” das guerras desses últimos meses. Além disso, ao contrário de seus antecessores, não deve fazer do cargo um trampolim, pelo menos no curto prazo. Do ponto de vista da relação com o governo, em nada será parecido Severino Cavalcante e suas exigências e sua pouca credibilidade e sua alta pressão por cargos e espaços.
Por outro lado, não poderá ser vassalo do governo. Se aceitar este papel, terá no dia seguinte o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) nos seus calcanhares. A sobriedade, o ponto de equilíbrio terá um custo: muitos de seus apoiadores de hoje, serão julgados amanhã e Aldo pouco ou nada poderá fazer. Justamente por não ser da estirpe de Severino, é que dele não se poderá esperar mágicas e pirotecnias. Irá apenas até o limite de sua imagem, no mais, sob os refletores da mídia e olhos da opinião pública, tende ser imparcial. O impeachment, se vier, não terá em Aldo um apoiador, como é óbvio. Mas não haverá como dele esperar que se coloque como um zagueiro do governo até porque movimentos deste tipo assumem dinâmica própria. Mesmo que se queira, frear processos desse tipo seria morrer abraçado com o afogado. Aldo não terá a cara-de-pau de Severino para propor viradas de mesa e pizzas nas CPIs. Terá maior constrangimento e, portanto, menor liberdade para fazer o que pode ser ética ou politicamente reprovável. Tende a diminuir a tonicidade das tensões políticas que acercam a Câmara nos últimos meses e, se puder, conduzirá acordos para a aprovação de medidas importantes, sobretudo, voltadas para organização do sistema eleitoral.
No mais, ainda que a disputa tenha sido acirrada, ainda que a votação de José Thomas Nono seja, como foi, sinal inequívoco de força da oposição, o clima relativamente ameno da disputa chama atenção. A imprensa desta vez, não agitou o ambiente e nem houve mobilizações por este ou aquele candidato. A chamada sociedade civil observou à distância e mesmo as denúncias de abertura do cofre foram, até certo ponto, bem assimiladas. Reclamou-se, é claro, mas o jus esperniandis não deu escândalo e nem piti. Explicações que indiquem se tratar de um assunto interno e, portanto, exclusivo da Câmara, não convencem, pois no passado não foi assim. A relativa calmaria poderia indicar que o extraordinário do escândalo está se esgotando. É possível que a crise tenha entrado numa menos agitada fase. As capas das revistas do final de semana – sobretudo, Época e Veja – também indicam isto: a crise está começando a cansar. Só acompanhando para saber se perdeu importância mesmo.
Carlos Alberto Furtado de Melo, Cientista Político, Doutor pela PUC-SP e professor de Sociologia e Política do Ibmec São Paulo.

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