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País em clima de Dr. Fantástico

Carlos Alberto Furtado de Melo

25 de abril de 2006


Empacado nas pesquisas, pressionado no PSDB e por aliados ainda mais ansiosos, Geraldo Alckmin vai aos poucos testando o tom e a intensidade de sua “pegada”. Começou a rodar o país, sobretudo o Nordeste, para se tornar mais conhecido do povão, campo em que Lula tem grande vantagem. Esquenta lentamente os seus motores; alguns de seus “aliados” já dizem que é carro a álcool de primeira geração. Já Lula está a todo vapor. É o presidente e ocupa espaço privilegiado: todo dia dá seus recados e faz uma das suas. Como era de se supor, de lado a lado surgem as primeiras mancadas desta eleição. Eleição cria clima e gera equívocos dos mais variados, é inevitável que se troque vez ou outra os pés pelas mãos. Marqueteiros fazem diferença porque, normalmente, são pessoas de bom senso; fora do jogo político cotidiano e da visão curta, orientam. Candidatos sozinhos são, em regra, um perigo. Alguns deveriam ser declarados inimputáveis, como os silvícolas. Basta notar as bobagens que fazem.

O ex-governador, por exemplo, prega austeridade fiscal e respeito aos impostos dos contribuintes, mas – suprema tolice – deixou-se embaraçar com a compra uma camisa pirata (de marca falsificada) da qual nem sequer pediu a nota fiscal. O preço da popularidade não pode ser obnubilação. De resto, dir-se-á que o pobre do marido, ao contrário da esposa, veste-se mal, hein? Avaro e dedicado esse Geraldo, hein?!? Já Lula é um incorrigível: e não foi apenas a perfeita asneira de dizer que o sistema nacional de saúde está próximo da perfeição. A maior mancada foi mesmo posar para jornais de todo país com as “mãos sujas”. A intenção era das melhores e mais populistas: reverenciar Getúlio Vargas (outro “pai dos pobres”), mas a interpretação, no paralelo, é inescapável e, de tão óbvia, nem precisa ser dita. Um presidente, nas circunstâncias em que se encontra, mostrar as mãos lambuzadas é pedir para ser aporrinhado nos programas humorísticos e eleitorais. Às vezes é errando que se aprende. Vai-se tentando por eleições a fio. Às vezes, nem assim se aprende.

Mas as primeiras mancadas também são sinais do tom de campanha que está guardado para esta eleição. O nível não tende a ser baixo apenas no que se refere à artilharia e às denúncias de lado a lado. Programaticamente, pouco ou nada será discutido, já se vê. Até porque o mercado financeiro se mostra confiante com a eleição de qualquer dos dois candidatos, a possibilidade de explicitação de programas será menor do que em 2002. A batalha discursiva se dará mesmo no campo das considerações éticas e de certa corrida para mostrar quem é o candidato mais identificado com a massa mais pobre.

Lula abriu mão da disputa na classe média – os que estão com ele, são convictos; os que o odeiam, o odiarão pelo resto da vida. Igualmente, Alckmin já assegurou o espaço do anti-Lula, na classe média. Agora precisa penetrar no eleitorado dos grotões, nos setores mais populares que nunca foram muito receptivos à plumagem vistosa e chique dos tucanos de São Paulo. Os gestos desta semana denotam que a campanha vai ganhando as ruas, aos poucos e que tende a ter esse “viés popular”, quase demagógico. E olhem que Anthony Garotinho ainda nem foi sacramentado como candidato!

Até o discreto Geraldo Alckmin entrou na dança. Esperando o horário eleitoral com a ansiedade e o risco de não decolar, o ex-governador ocupa os espaços que pode. Depois da surpreendente vitória sobre José Serra, havia quem esperasse um Alckmin avassalador; soltando bordoadas para todo lado, definindo o que e como fazer. Mas a sensação até aqui é frustrante para seus apoiadores: os interesses regionais de PSDB e PFL – e a expectativa com os rumos do PMDB – não permitem sequer a definição de um vice. Mesmo a aliança eleitoral patina, embora seja muito improvável que não saia – o PFL não tem alternativa. Todavia, independente do qüiproquó com José Serra, desenvoltura e audácia não são do temperamento do ex-governador. O máximo que se lhe pode cobrar é a conformação de um discurso político de clara disputa contra Lula.

E esse discurso vai se delineando nos espaços de TV que tem ocupado. Será um monge de pregação franciscana: “os vícios do governo começam na campanha”, diz. “Eu viajo de avião de carreira e carrego minhas malas. A campanha ainda não começou e não é certo arrecadar recursos neste momento (...) No mais”, afirma: “sou filho de funcionário público, trabalhei para estudar, não sou candidato das elites”. O discurso é inteligente: atinge Garotinho, que anda enrolado com financiadores de pré-campanha e cutuca Lula (“trabalhou e estudou”). O apelo moral é claro e corresponde ao desejo de encontrar um elo com a massa. Diz que fará uma campanha nova, austera e seca, mais adequada aos anseios do país, que, na sua opinião, mudou e agora se irrita com as vantagens e as mordomias dos políticos. Não chega a ser um “caçador de marajás”, mas apresenta-se como um zeloso contador de centavos.

Se o clima geral da política se inclinou para a corrupção, para a ostentação e para a licenciosidade, nada melhor que empunhar a bandeira da ética, da moral e da família. Acenar com a religião e os bons costumes; ajoelhar-se, em genuflexão, diante do altar. Se antes o “contra tudo isto que está aí” possuía uma conotação de classe; agora traz uma conotação moral, quase puritana. Uma forma popular de se apresentar ao “povão”, que o ex-governador acredita indignado com esse enredo tipo Drugs, Sex and Rrock’n Roll em que se transformou a política nacional. Não é bem o que dizem as pesquisas, mas faz sentido. Seu discurso, reformista na condução do estado, será esteticamente conservador.

E se Lula encarna Getúlio Vargas; Alckmin relembra um Jânio Quadros mais discreto, menos histriônico, mas igualmente disposto à fazer uma limpeza contra tudo isso que está aí. Mesmo os atuais embates fazem recordar as disputas entre a velha UDN e os antigos PTB e PSD. Se Geraldo Alckmin, ao seu modo, traz ares de Jânio Quadros à procura um vice no figurino Carlos Lacerda – se confirmado o nome de José Agripino o modelo é perfeito; a situação de Lula se alterna entre o “pai dos pobres” nacional-desenvolvimentista do “petróleo é nosso”, ao “Mar de Lama” de Getúlio Vargas. Alckmin não chegará a carregar sanduíches de mortadela nos bolsos e das caspas no paletó está livre pó falta de cabeleira. Mas a o “choque de gestão” a “revolução administrativa” remetem ao ex-prefeito, governador e presidente, Jânio.

Aliás, Mário Covas, seu padrinho, iniciou sua carreira no janismo e até a morte trazia esse sentido de austeridade e moralismo, de simplicidade de raciocínio e ausência de sofisticação intelectual. Era também de uma enorme teimosia. Tudo o que Alckmin quer neste momento é fixar a imagem de seu mais acabado discípulo. Não precisaria chegar ao ponto de imitar-lhe o janismo também. Mas este é outro assunto: criador e criatura. O dado objetivo é que Alckmin quer se comunicar mais fácil e rapidamente com o povo humilde. A disputa eleitoral, portanto, deve se dar no campo popular, dos mais pobres e beneficiados direta ou indiretamente por programas sociais. Alckmin deverá afirmar o quanto antes que não desmanchará a rede de proteção assistencialista formada por Lula. O jogo vai ser assim.

Desafios da governabilidade


Geraldo Alckmin também tem se colocado a respeito dos desafios de seu eventual mandato. Admite, precisará de uma reforma política. Mostra-se, no entanto, satisfeito com as propostas que já tramitam no Congresso: Cláusula de Barreira – que reduziria o número de partidos para algo em torno de seis legendas – e fidelidade partidária. Com isso, acredita, diminuiria o custo da negociação com o Congresso e estabeleceria as bases para reformas econômicas mais profundas. Tudo muito simples e eficaz, se fosse fácil; expressão última da vontade do candidato. Os americanos chamam isto de wishful thinking: a tendência de acreditar que tudo ocorrerá da forma como queremos que ocorra, apenas porque queremos que ocorra dessa forma. Será?
A Cláusula de Barreira deixará alguns partidos de fora do Congresso, mas o efeito mais provável é que faça com que esses partidos se articulem, se fundam ou sejam engolidos por outros, maiores. O PCdoB, por exemplo, se incorporaria ao PT; o PV ao PSDB e assim por diante. A heterogeneidade interna dos partidos tende a aumentar, o controle das direções deve piorar. A saída mágica consistiria em aprovar, moto-contínuo a Fidelidade Partidária. Há quantos anos ouvimos falar disto. Por que seria que ainda não foi aprovada? O diabo é convencer parlamentares recém-eleitos a se curvarem às cúpula partidárias e abrirem mão dos interesses regionais e de suas prerrogativas só porque o presidente da República quer. Pode ser? Pode. Mas não será nem simples, nem fácil e nem rápido. O presidente – seja quem for – terá que demonstrar mais do que vontade.

José Dirceu redivivo


E enquanto Lula mostra as mãos sujas de petróleo, o ex-capitão do seu time volta à cena como o articulador, de fato, do PT e de Lula. Singrando os céus de Brasil, Venezuela e Cuba, José Dirceu chegue sem direitos políticos formais, mas repleto de deveres e missões. Na prática, é ainda a principal liderança do PT, depois de Lula. Na máquina partidária, reina absoluto e poucos ouçam não lhe dar ouvidos. Senhor da burocracia e do status quo partidários, estabelece acordos e tréguas; interlocutor com movimentos sociais e principal organizador da base política de Lula, perdeu o pêlo do mandato, mas não perdeu o vício da política. Está onde sempre esteve: no centro dos acontecimentos, sem conseguir, no entanto, ser a eminência parda que a prudência lhe recomendaria ser.

Seu plano é, evidentemente, reeleger Lula, o que compreenderia uma espécie de anistia popular para o PT e para os envolvidos no mensalão. Desse modo, diante de outra Câmara e, portanto, outro Júri, em 2007, tentaria anular sua cassação e recuperar o mandato e a biografia. Sua volta à cena política demonstra, no entanto e de modo gritante, que Lula ficou mesmo só. Carrega o governo no gogó, mas tem limites. A volta de Dirceu compreenderia a que, num jogo de xadrez, fosse possível ressuscitar Bispos ou Cavalos eliminados pelos adversários, apenas porque o Rei ficou, por demais, desprotegido. O ideal seria a discrição, mas isto, em Dirceu, é pouco provável dada a marcação corpo-a-corpo que recebe da mídia. Desde sempre, atrai atenção e parece mesmo adorar isto. Ainda assim, quanto mais eficientemente realizar suas tarefas, mais despertará a ira santa da oposição e a fiscalização da imprensa. De um lado, não se pode negar que será importante para Lula; de outro, será um ponto de forte tensão. Enfim, Alckmin, Lula, Jânio, Getúlio, Lacerda, Dirceu... todos nas ruas; uns encarnados, outros em espírito, todos redivivos em nossa história e tradição de dar voltas em torno do passado. Uma eleição com cara de tempos remotos. Difícil acreditar em avanços.

Carlos Alberto Furtado de Melo, Cientista Político, doutor pela PUC-SP, Professor de Sociologia e Política do Ibmec São Paulo. Carlos.melo@isp.edu.br

 

 

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